Acórdão nº 1301/08.5TAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução09 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: REJEITADO O RECURSO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 401 - FLS 78.

Área Temática: .

Sumário: I - O assistente só pode recorrer das decisões contra ele proferidas e das decisões que o afectem, mesmo que o MºPº o não tenha feito, desde que tenha interesse em agir.

II - O interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la.

III - Num contexto de desinteresse processual em que o assistente não deduziu acusação nem acompanhou a acusação pública, não há decisão proferida contra o assistente, nem decisão que o afecte, nem um concreto e próprio interesse em agir para legitimar o recurso.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Rec. n.º 1301-08.

T J V N Gaia.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: No .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia foi decidido: Condenar o arguido B………., pela prática de um crime de procuradoria ilícita, p. e p. no art.º 7.º do DL n.º 49/2004 de 24 de Agosto, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 9,00, num total de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros).

Absolver o demandado B………. do pedido de indemnização civil deduzido pelo Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados.

Inconformado o assistente interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: 1.ª A sentença recorrida, condenando o Arguido pela prática de um crime de procuradoria ilícita, p. e p. pelos artºs 1.º, nºs 1 e 6, al. b) e 7.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, violou o art. 358.º, al. b) do C.P., uma vez que o crime de usurpação de funções, p. e p. por aquele normativo, do qual o Arguido vinha acusado, se encontra numa situação de concurso aparente com o primeiro, não se verificando entre os regimes destes dois tipos legais de crime uma sucessão de leis penais.

  1. A Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto não veio suceder ao normativo que tipifica o crime de usurpação de funções para os casos de prática de actos próprios de advogados e solicitadores (art. 358.º, al. b) do CP) porque a factualidade típica das infracções criminais em apreço divergem e aquele diploma legal não pretendeu alterar o conteúdo normativo do art. 358.º do C.P., nem tão-pouco reduzir a responsabilidade penal emergente da prática de crimes de usurpação de funções, mas tão-só clarificar o sentido e alcance dos actos próprios em causa.

  2. O crime de usurpação de funções tutela a “integridade ou intangibilidade do sistema oficial de provimento em funções públicas ou profissões de especial interesse público – cf. CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, in Comentário Conimbricense do Código Penal, T. III, pp. 440.”; enquanto o crime de procuradoria ilícita tutela unicamente a integridade ou intangibilidade do sistema oficial instituído para a prática de actos próprios das profissões dos Advogados e Solicitadores, por se considerarem estas de especial interesse público, ou seja, o primeiro tipo objectivo de ilícito apresenta dois segmentos: a usurpação de funções propriamente dita e o que na tradição se chama exercício ilegal de profissão, enquanto o segundo apresenta um único segmento, o referido em último lugar.

  3. Constata-se que o crime de usurpação de funções exige que autor dos factos exerça profissão ou pratique acto próprio de profissão, arrogando-se, expressa ou tacitamente, dispor de título válido para a exercer, enquanto o crime de procuradoria ilícita pune precisamente a prática de actos próprios de advogado ou de solicitador, sendo menos exigente este último tipo objectivo.

  4. Resultou provado que Arguido não é licenciado, nem tem inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (art. 53.º do DL n.º 84/84, de 16 de Março, com as respectivas alterações e art. 61.º da Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro – Estatuto da Ordem dos Advogados e art. 1.º, n.º 1 da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto).

  5. O Arguido praticou um acto próprio da profissão dos Advogados (pontos 7., 8. e 9. dos factos provados), mais propriamente, procedeu à negociação com a seguradora C………., S.A. de um crédito indemnizatório de terceiro.

  6. O Arguido arrogou-se tanto expressa, como tacitamente a qualidade de Advogado.

  7. A conduta do Arguido preencheu, assim, o tipo objectivo de crime da usurpação de funções, p. e p. pelo art. 358.º, al. b) do C.P. e, simultaneamente, o tipo objectivo do crime de procuradoria ilícita, p. e p. pelos artºs 1.º, nºs 1, e 6, al. b) e 7.º da Lei n.º 49/2004.

  8. As referidas normas tipificadoras concorrem em aparência, porquanto uma delas há-de excluir as outras (JESCHECK, “Tratado de Derecho Penal”, vol II, pág. 1033), por existir entre elas uma relação de especialidade, de subsidiariedade ou de consunção.

  9. Diverge a jurisprudência quanto à relação que se estabelece entre os dois tipos legais de crime em apreço, dividindo-se entre a relação de subsidariedade e a de consunção. Argumenta-se em abono da primeira que o tipo legal de crime de procuradoria ilícita deve ser aplicado somente de forma auxiliar ou subsidiária se não existir outro tipo legal, em abstracto também aplicável, que comine com pena mais grave: lex primaria derogate legi subsidiariae. Em favor da segunda, a jurisprudência defende que a aplicação do art. 358.º, al. b) do C.P. (lex consumens) consome já a protecção que os arts. 1.º, n.ºs 1 e 6, al. b) e 7.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto (lex consumta) visam, pugnando pela aplicação da norma mais ampla.

  10. Verificando-se o concurso aparente entre as duas normas em questão, se conclui que a sentença a quo deverá ser revogada e substituída por outra que condene o Arguido pela prática de um crime de usurpação de funções, p. e p. pelo art. 358.º, al. b) do C.P., único que tutela de forma eficaz e suficiente o bem jurídico da integridade ou intangibilidade do sistema oficial de provimento da profissão de Advogados e Solicitadores, reagindo contra a usurpação de funções propriamente dita e o exercício ilegal da profissão.

  11. Por outro lado, ao considerar totalmente não provados os factos constantes dos pontos iii) e iv) dos factos não provados, incorreu a sentença a quo no vício de erro notório de apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP) e desconsiderou as consequências jurídicas resultantes da prova da prática do crime em questão pelo Arguido.

  12. A conduta do Arguido lesou o interesse público de administração da justiça uma vez que D………. não recebeu até à data a quantia indemnizatória em causa, como confessado pelo próprio Arguido (cf. gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, desde o nº 00.00.01 ao nº 00.38.45) e por causa da situação em causa correram termos os presentes autos e pelo menos mais dois processos judiciais.

  13. Com a sua conduta, praticando ilegalmente um acto próprio de Advogados e Solicitadores, o Arguido despromoveu as campanhas de combate contra a procuradoria ilícita e o papel social da Ordem dos Advogados, tal resulta das regras da experiência comum, como do depoimento do Dr. E………. (depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, desde o n.º 00:00:01 ao n.º 00:05:20).

  14. A prática de um crime de procuradoria ilícita ou de usurpação de funções, estando em causa actos próprios de advogados, lesa o fim das campanhas contra a procuradoria ilícita, tal como o aumento de acidentes de viação lesa o fim último das campanhas de segurança rodoviária.

  15. A Ordem dos Advogados é uma pessoa colectiva de direito público que representa uma forma de administração mediata, consubstanciando uma devolução dos poderes do Estado a uma pessoa colectiva autónoma por este constituída expressamente para o exercício de determinadas atribuições e competências, visando a prossecução de interesses públicos transversais a todos os cidadãos. (art. 1.º do E.O.A. -Lei n.º 15/2005) 17.ª As atribuições da Ordem dos Advogados são manifestações expressas do interesse público da integridade ou intangibilidade do sistema oficial de provimento e de exercício da profissão de Advogado e da boa administração da justiça.

  16. É exactamente este interesse público que enforma o núcleo do bem jurídico protegido pela tipificação dos crimes de usurpação de funções e de procuradoria ilícita aqui em causa.

  17. A conduta do Arguido ao violar o bem jurídico tutelado pelas normas em questão, art. 358.º al. b) do CP e arts. 1.º, n.ºs 1 e 6.º, al. b) e 7.º da Lei n.º 49/2004, lesou, consequente, simultânea e inexoravelmente, os referidos interesses públicos que a Ordem dos Advogados cumpre prosseguir.

  18. Dispondo de modo diverso, a sentença a quo incorreu no vício de erro notório de apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP), mormente das...

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