Acórdão nº 8860/06.5TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução11 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da 2ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães (Relatora: Isabel Fonseca; Adjuntas: Maria Luísa Ramos e Eva Almeida) I. RELATÓRIO Emílio, residente em C..., Braga, intentou a presente acção, com forma de processo ordinário, contra a Companhia B..., S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 15.260,68€, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, ter ocorrido um embate entre quadriciclo de sua propriedade e por si conduzido e o veículo automóvel de passageiros, matrícula ...-11-OZ (cujo proprietário havia transferido para a ré a responsabilidade pelos danos decorrentes da sua circulação, por via do contrato de seguro), embate que ficou a dever-se a culpa do condutor do veículo seguro e do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais para o autor.

A ré contestou, impugnando a factualidade invocada na petição inicial.

Elaborou-se despacho saneador, com fixação da factualidade assente e base instrutória, objecto de reclamação, indeferida.

Procedeu-se a julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 6.230,70€ (seis mil duzentos e trinta euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4%, ou outra que entretanto venha a vigorar, desde a citação e até integral pagamento.

Custas por autor e ré na proporção do decaimento.

Registe e notifique”.

A ré recorreu da sentença, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: “1. Relativamente ao circunstancialismo do acidente entende a Recorrente que, quer a prova já constante dos autos quer sobretudo a prova produzida em sede de julgamento imporiam decisão diversa quanto à matéria fáctica dos arts. 4°; 5°; 8° e 50°; 52°; 53°; 55° e 56° da base instrutória devendo aqueles ser considerados não provados e estes últimos provados, ao invés da decisão proferida e constante do ponto 4° da sentença.

  1. Aliás, a nosso ver, a própria motivação da resposta à matéria fáctica contraria a decisão que veio a ser proferida e que enquadrou o acidente no instituto da responsabilidade pelo risco com fundamento na impossibilidade de dirigir a qualquer dos condutores um juízo de censura.

  2. Com efeito, quer a própria testemunha do Autor — Francisco Mendes quer a condutora do veículo seguro na Ré — Maria da Conceição Antunes foram explícitos na parte dos seus depoimentos em que peremptoriamente afirmaram que o quadriciclo do Autor se encontrava estacionado em frente à porta do Café, o qual se situa mesmo em frente à Adega Cooperativa para onde o Autor se pretendia dirigir, pelo que, para fazer tal manobra teria necessariamente que atravessar a faixa de rodagem obliquadamente.

  3. Face à própria configuração do local seria até inexequível, ou pelo menos altamente improvável, a manobra descrita na petição inicial.

  4. De todo o modo, e qualquer que tenha sido a manobra realizada pelo Autor para efectuar a travessia da faixa de rodagem dúvidas não restam que sempre consubstanciará uma manobra perigosa que, como tal, requer especiais deveres de cuidado — deveres estes que o Autor manifestamente não cumpriu.

  5. Desde logo, não atentou nos veículos que por ali circulavam, e aos quais era obrigado a ceder passagem — caso contrário, teria avistado o veículo seguro na R., o qual, atenta a visibilidade existente no local, já era necessariamente visível.

  6. Além do mais, e estando definitivamente assente que a condutora do veículo automóvel desviou e guinou à esquerda, onde veio ocorreu o embate, bem denota que aquela foi surpreendida pela manobra do Autor e quando se encontrava a escassos metros destes — o que demonstra, por outro lado, que o Autor não sinalizou a sua manobra.

  7. Aliás, na própria motivação da resposta à matéria de facto bem se reconhece que a condutora do veículo foi surpreendida pelo quadriciclo a entrar de repente na estrada.

  8. Assim, em suma, perante esta factualidade parece-nos estarmos perante uma conduta transgressional do condutor do quadriciclo que permitirá, contrariamente ao decidido, concluir-se que o acidente ocorreu por sua culpa única e exclusiva.

  9. Sem conceder, relativamente aos danos, e mais precisamente quanto ao valor do quadriciclo, também entendemos que a matéria fáctica do art. 42° (ora ponto 30° da sentença) foi incorrectamente julgada.

  10. Dos depoimentos do perito da Ré — Sr. Álvaro C... e do próprio mecânico do Autor resulta que o quadriciclo, após o embate, teria não um valor como sucata mas antes o valor de € 2.000,00.

  11. Assim, ao valor — assente — que tinha antes do acidente - € 4.000,00 — haverá eu deduzir o valor do salvado - € 2.000,00 — ascendendo, assim a indemnização, a este título, à quantia de € 2.000,00, e não € 4.000,00, conforme foi decidido.

  12. Por último, e no que concerne o dano pela privação do uso, questionamos apenas o período da sua contabilização, ou seja, desde a data do acidente até à data em que o Autor (6 meses depois) adquiriu um novo para sua substituição por até essa data não ter tido meios financeiros para tal.

  13. Afigura-se-nos algo excessivo, sobretudo se atendermos a que, de acordo com a tese exposta na sentença, e no limite, se poderia atingir valores de indemnizações pela privação do uso totalmente descabidos e desconformes à realidade — o que até configuraria situações de enriquecimento sem causa e até de abuso de direito.

  14. Sendo perda total — facto este assente — tal danos só será indemnizável até à data em que o Autor teve conhecimento de tal facto, por lhe ter sido comunicado pela Ré, tal como, de resto, tem sido entendimento da nossa Jurisprudência e é espírito da lei surgindo consagrado no art. 42° do D.L 291/2007.

    Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso e revogando-se a sentença proferida se cumprirá a lei e far-se-á inteira justiça!” O autor apresentou contra alegações, propugnando pela manutenção da decisão.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

    1. FUNDAMENTOS DE FACTO A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade: 1º- Cerca das 14.30 horas do dia 9/03/2004 ocorreu na Variante do Cavado, km 87,800, na Confeiteira, Braga, um embate no qual tiveram intervenção o quadriciclo 3 ILH-3..., conduzido pelo autor, seu proprietário e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ...-11-OZ, conduzido por Maria A... – A; 2º- O quadriciclo encontrava-se parado na berma do lado direito da E.N. 101, atento o sentido Palmeira/Braga – B; 3º- No lado esquerdo da E.N. 101, atento o sentido Palmeira/Braga existe a Adega Cooperativa de Braga – C; 4º- O autor iniciou a marcha, no local referido no anterior facto 2º, e circulou na EN 101, dirigindo-se para a Adega Cooperativa de Braga – 3º, 4º, 5º, 7º, 52º e 55º; 5º- O veículo ...-11-OZ circulava no sentido Palmeira/Braga – F; 6º- O veículo automóvel circulava a velocidade não apurada – 8º e 50º; 7º- No local os sentidos de trânsito estão separados por linha longitudinal contínua, salvo em parte situada em frente à entrada para a Adega Cooperativa de Braga, onde a referida linha é descontínua – 12º; 8º- A condutora do veículo automóvel travou e desviou-se para a esquerda – 58º e 59º; 9º- O veículo OZ invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Palmeira/Braga – G; 10º- O embate ocorreu entre a parte da frente do lado direito do veículo ...-11-OZ e a parte lateral esquerda, porta, do quadriciclo – D; 11º-No momento do embate o quadriciclo encontrava-se na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Palmeira/Braga – E; 12º- Em consequência do embate o quadriciclo foi projectado contra o muro existente junto da entrada da Adega Cooperativa de Braga, onde se imobilizou – H; 13º- Em consequência do embate o autor sofreu traumatismo da grade costal esquerda com fractura dos 6º e 7º arcos costais, sofreu traumatismo abdominal fechado e sofreu traumatismo da anca esquerda, com contusão – 13º, 14º e 15º; 14º- Do local do embate foi transportado do local do embate para o S.U. do Hospital de S. Marcos, Braga, onde foi assistido, submetido a estudo radiológico simples e a ecografia abdominal, sendo avaliado por Cirurgia Geral e Ortopedia – 16º, 17º, 18º, 19º e 20º; 15º- O estudo radiológico revelou existência de fractura dos dois arcos costais à esquerda, sem aparente lesões pleuro-pulmonares – 21º; 16º- O RX da anca não revelou existência de fracturas recentes – 22º; 17º- A ecografia abdominal não revelou a existência de lesões traumáticas de órgãos intra-abdominiais – 23º; 18º- Teve alta hospitalar e recolheu a casa, mantendo-se em repouso durante um mês, acamado, com dor e incapacidade funcional da anca esquerda e com dor torácica à esquerda, nomeadamente com a tosse e as mudanças posicionais no leito e fora dele – 24º, 25º, 26º, 27º, 28º e 29º; 19º- Ficou a padecer definitivamente de deformidade na consolidação da fractura das costelas e dor local – 30º e 31º; 20º- As sequelas referidas determinam ao autor incapacidade parcial permanente para o trabalho de 3% – 35º; 21º- Provocam-lhe um quantum doloris de grau 3 – 36º; 22º- As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas no momento do embate e no decurso do tratamento – 37º; 23º- As sequelas de que ficou a padecer provocam-lhe incómodo e mal-estar – 38º; 24º- O referido no anterior número e dores referidos no anterior número 21 vão acompanhar o autor durante toda a vida, exacerbando-se com as mudanças de tempo – 39º e 40º; 25º- O autor nasceu no dia 20/09/1932 – I; 26º- Ao tempo do embate o autor padecia de lesões osteo degenerativas ao nível de ambas as ancas – J; 27º- Além do referido no anterior número, o autor padecia de sequelas de fractura trocantérica esquerda – 41º; 28º- À data do embate o quadriciclo do autor valia 4.000,00€ – M; 29º- Em consequência do embate o quadriciclo do autor sofreu estragos, sendo considerada economicamente desaconselhável a sua...

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