Acórdão nº 682/07.2YXLSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCEC
Data da Resolução02 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório O A...

, pessoa colectiva nº ......., com sede na ......, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra B....

, contribuinte nº ....., residente na ....., e marido, C...., contribuinte nº ...., residente na ....., peticionando a sua condenação solidária a pagar-lhe a importância de 6.453,27euros, acrescida de 903,80 euros, a título de juros vencidos até 20/04/2007, e de 36,15 euros de imposto de selo, à taxa de 4%, sobre estes juros, e, ainda, dos juros de mora que, sobre a quantia de 6.453,27 euros e à taxa anual de 16,28%, se vencerem desde 21/04/2007 até integral pagamento, bem como do imposto de selo, à mencionada taxa que sobre estes juros recair.

Alegou que, no exercício da sua actividade comercial, concedeu à primeira ré um crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo, datado de 03/12/2002, tendo-lhe emprestado a quantia de 10.170,00 euros, com juros à taxa nominal de 12,28% ao ano, para aquisição de um veículo automóvel. A referida quantia, respectivos juros, a comissão de gestão e o prémio do seguro de vida deveriam ser pagos, nos termos acordados, em 72 prestações mensais, iguais e sucessivas, com vencimento, a primeira em 10/01/2003 e, as seguintes, no dia 10 dos meses subsequentes. De harmonia com o acordado, a falta de pagamento de qualquer das prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações e, em caso de mora, sobre o montante em débito acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada de 12,28%, acrescida de 4%. Como não pagou a 42.ª prestação, vencida em 10/06/2006, venceram-se todas as demais. O empréstimo reverteu em proveito comum do casal, pois o veículo destinou-se ao património comum do casal, pelo que os réus são solidariamente responsáveis pelos pagamentos das importâncias em dívida.

* Regularmente citados, com valor de citação pessoal, os réus não contestaram.

* A acção foi instaurada nos Juízos Cíveis de Lisboa e, declarada a incompetência territorial desse tribunal, foram os autos remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça (fls. 54 e 55).

* Não tendo sido deduzida oposição, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré B.... a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar em ulterior liquidação, correspondente às prestações vencidas e não pagas desde a 42.ª prestação até final, relativas apenas ao capital mutuado, acrescidas dos respectivos juros de mora à taxa convencionada de 16,28%, desde 10-06-2006, bem como do correspondente imposto de selo, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado, e absolveu o réu C.... do pedido contra si formulado.

Sentença que foi rectificada por despacho de fls. 79, eliminando o número 14. dos factos provados com o seguinte teor: “Ao tempo da celebração do acordo referido em 2., os réus eram casados entre si”.

* Inconformado, o autor interpôs recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, cuja minuta rematou com as conclusões seguintes: […………………………………………….] * II. Delimitação do objecto do recurso Na definição do âmbito do recurso (artigos 684º e 690º do Código de Processo Civil, na redacção imperante até à introduzida pelo Decreto-Lei 303/07, de 24 de Agosto), face à síntese conclusiva das alegações do recorrente, impõe-se a apreciação das seguintes questões: - em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e injunção, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, quando o réu não contestar, deve o juiz conferir força executiva à petição inicial, nos termos artigo 2.º do Regime anexo a esse diploma ou, ao invés, pode fiscalizar a aplicação do direito aos factos; - os juros remuneratórios no incumprimento do plano de pagamento no contrato de crédito ao consumo; - o proveito comum do casal.

* III. Fundamentos de facto (Ante a falta de contestação dos réus e o documento junto aos autos, consideram-se provados os sequentes factos): [………………………………………………] * IV. Fundamentos de direito 1. O efeito cominatório derivado da falta de contestação A primeira questão que importa averiguar, de índole adjectiva, é a de saber se a falta de contestação determina a aplicação do efeito cominatório expresso para o regime das acções declarativas com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, previsto no Decreto-Lei nº 269/98, de 01 de Setembro, com as alterações posteriormente introduzidas pelos Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro, Decreto-Lei n.º 183/00, de 10 de Agosto, Decreto-Lei n.º 323/01, de 17 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 32/03, de 17 de Fevereiro, Decreto-Lei nº 38/03, de 8 de Março, Decreto-Lei 324/03, de 27 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, Decreto-Lei 107/05, de 1 de Julho, Lei n.º 14/06, de 26 de Abril).

Este regime procedimental destina-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação (artigo 1º do diploma preambular, na redacção vigente à data da instauração da acção). E o artigo 2º do regime desses procedimentos estatui que [S]e o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.

Resulta do texto da norma que, citado pessoalmente o réu, perante a ausência de contestação, o juiz apenas poderá deixar de conferir força executiva à petição perante a evidente verificação de excepções dilatórias ou quando for evidente a falta de fundamento do pedido.

In casu, está em causa este último segmento da norma, já que a sentença impugnada, por um lado, apelando ao acórdão uniformizador de jurisprudência publicado sobre a matéria aqui em jogo, reduziu a pedida condenação em juros e, por outro, atendendo à insuficiência factual da alegação do proveito comum do casal, absolveu do pedido o réu marido. Soluções a que se opõe o autor, propugnando pela aplicação do referenciado efeito cominatório.

A legal terminologia de pedido manifestamente improcedente (sublinhado nosso) tem a significância de improcedência «evidente, patente, notória, pública»[1] ou, como afirma a jurisprudência de «ostensiva, indiscutível, irrefutável, unânime, incontroversa, isenta de dúvidas»[2].

A este respeito, ao pronunciar-se sobre as consequências jurídicas da falta de contestação, Salvador da Costa[3] pontua o primeiro pressuposto do funcionamento dessa cominação no facto positivo do réu ter sido pessoalmente citado para a acção e o segundo na falta de contestação do demandado. E clarifica que este requisito corresponde à não apresentação tempestiva do articulado de defesa, não bastando que o réu se limite a juntar um qualquer documento (com a ressalva do documento de quitação da dívida emitido pelo autor), ainda que insira factos opostos aos articulados pelo autor[4]. Acrescenta que o regime legal em destaque não corresponde ao cominatório pleno, porque o juiz deve apreciar e extrair as pertinentes consequências jurídicas da existência manifesta ou ostensiva de excepções dilatórias ou da manifesta improcedência do pedido, para concluir que [E]mbora a falta de contestação não implique que se considerem confessados os factos articulados pelo autor, parece que se está perante uma forma “sui generis” de cominatório semi-pleno[5]. E quanto ao segmento normativo da manifesta improcedência do pedido acaba por reportá-lo a uma pretensão manifestamente inviável, porque a lei a não comporta ou porque os factos apurados, face ao direito, a não justificam[6].

Circundados pela tradição do nosso ordenamento jusprocessual civil, sabemos que já antes do Código de Processo Civil de 1939, a lei adjectiva previa o efeito cominatório semi-pleno para a falta de contestação nas acções ordinárias e o efeito cominatório pleno para a revelia nos processos sumário e sumaríssimo (ficta confessio dos sistemas germânico e anglo-saxónico).

Estes efeitos da revelia assentam na ideia de que o réu, pessoalmente advertido das consequências da falta de contestação, aceita os factos alegados pelo autor e nada lhes tem a opor. E a distinção entre aquela dualidade de efeitos cominatórios reside em que o pleno abrange a confissão de toda a matéria da causa, tanto o facto como o direito, e o semi-pleno estende-se apenas aos factos, com a emissão de julgamento da matéria de direito[7]. Regra que, ainda assim, comportava e comporta desvios, justificados pela necessidade de acautelar alguns interesses em jogo (artigo 485º do Código de Processo Civil). Opção nunca fundamentada em razões de índole jurídica, mas somente de política legislativa, assentes na conveniência de acelerar os processos e aliviar as regras procedimentais dos tribunais.

A reforma de 1995, introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, aboliu as cominações plenas e determinou para os processos sumário e sumaríssimo a aplicação do cominatório semi-pleno...

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