Acórdão nº 195/02.9 GBTMR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1. Após pronúncia respectiva, o arguido PA já com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento porquanto agente de factualidade consubstanciadora, entendeu-se, da autoria material consumada de um crime de ameaças, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

Findo o contraditório, por intermédio da sentença então prolatada, viu-se condenado enquanto praticante do ilícito assacado na pena de 120 dias de multa, á taxa diária de € 10,00, ou seja, na multa global de € 1.200,00.

1.2. Porque discordante com tal veredicto, interpôs o recurso presente, sendo que da motivação apresentada extraiu a formulação das conclusões seguintes: 1.2.1. Nos termos do artigo 374.º, n.ºs 1, alínea d) e 2, do Código de Processo Penal, o relatório da sentença deve conter a indicação sumária das conclusões contidas na contestação e na fundamentação da mesma deve constar a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão.

1.2.2. Ora, a decisão recorrida não cumpriu com tal normativo, uma vez que a M.ma Juiz a quo se limitou a referir que o arguido contestou e arrolou testemunhas, não se tendo pronunciado sobre todos os factos levados à contestação do arguido e por si aí alegados, os quais não deu como provados nem não provados.

1.2.3. O cumprimento do requisito expresso no mencionado artigo 374.º, impõe que o Tribunal se pronuncie expressamente sobre todos os factos levados à acusação mas também à contestação, dando-os como provados ou não provados, não sendo suficiente que se infira da mesma que os factos de interesse para a decisão que não figuram na enumeração dos provados e dos não provados devam considerar-se como não provados.

1.2.4. Integrando o seu incumprimento adequado a nulidade da decisão proferida, ex vi do subsequente artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), vício que o recorrente aqui e desde já argúi.

1.2.5. A interpretação normativa efectuada na sentença proferida do disposto no citado artigo 374.º, n.º 2, no sentido de que a fundamentação se basta com a apreciação e indicação dos factos vertidos na acusação ou no despacho de pronúncia, considerando-os provados ou não provados, e ainda no sentido de que a indicação dos factos provados ou de que os factos com interesse para a decisão que não figuram na enumeração dos provados e dos não provados devam considerar-se como não provados, é inconstitucional por violação do dever de fundamentação das decisões, consagrado no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como, ainda, por preterição das garantias de defesa do arguido em processo penal, com arrimo no artigo 32.º, n.º 2 da Lei Fundamental.

1.2.6. Devendo antes ser interpretado de acordo com tais ditames constitucionais, aquele normativo legal ser interpretado, no sentido de que o julgador a quo está obrigado a apreciar e a pronunciar-se expressa e individualizadamente sobre cada um dos factos na contestação, dando-os como provados ou não provados, o que deve ser declarado.

1.2.7. Acresce que não obstante se afirmar na fundamentação que a convicção do Tribunal assentou na prova documental existente nos autos, não resulta do texto da decisão recorrida qual a prova documental neles existente que foi tomada em consideração e valorada pela M.ma Juiz a quo na decisão proferida, o que se impunha, face à abundância da mesma e à exigência de exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos que fundamentam a decisão e que permitiram ao Tribunal formar a sua convicção, tal como imposto pelo indicado artigo 374.º, n.º 2.

1.2.8. Requisito este cujo cumprimento tem subjacente a necessidade de compreensão do raciocínio lógico dedutivo seguido pelo julgador na formação da sua convicção e consequente possibilidade de apreciação crítica do mesmo, de forma a que seja possível aferir se na formação da convicção do julgador foram consideradas provas admitidas por lei e cuja valoração não estava vedada ao julgador e se as provas tidas em consideração sustentam, de acordo com a lei e as regras da experiência comum, a convicção em que assentou a decisão proferida, só assim se permitindo uma efectiva sindicância da mesma pelos sujeitos processuais por elas atingidos e pelo Tribunal ad quem, no que se inclui, no que respeita ao arguido, a efectiva salvaguarda das suas garantias de defesa, maxime do direito ao recurso.

1.2.9. Este incumprimento igualmente fulmina a decisão proferida com o vício de nulidade, de acordo com o estatuído no referido artigo 379.º, n.º 1, agora sua alínea a), o que aqui se argúi e como tal deve ser declarada.

1.2.10. A interpretação normativa conjugada do disposto nos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, efectuada na sentença proferida, no sentido de que o cumprimento da exigência de fundamentação da decisão se basta com uma afirmação genérica de que “… a convicção do tribunal assentou por um lado na prova documental existente nos autos…”, sem indicação concreta de qual da vasta prova documental junta aos autos foi considerada pelo julgador bem como do sentido em que foi valorada, é inconstitucional por violação do dever de fundamentação, bem como das garantias do processo criminal (maxime do direito ao recurso) constitucionalmente consagradas, respectivamente, nos supra indicados artigos 205.º, n.º 1 e 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental.

1.2.11. A interpretação normativa conjugada dos apontados artigos 127.º e 374.º, n.º 2, conforme com a imposição constitucional consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República, impõe que na fundamentação da decisão proferida se especifique a concreta prova documental que, junta aos autos, foi efectivamente tida em consideração pelo julgador na formação da sua convicção e o sentido, ainda que de forma concisa, em que a mesma integrou aquele processo formativo da convicção e consequente decisão, o que deve ser declarado.

1.2.12. A convicção do Tribunal a quo, assentou, na parte referente à factualidade vertida no despacho de pronúncia, em prova documental que não se refere qual seja, mas ainda na prova por declarações da ofendida/assistente e da prova testemunhal arrolada pela acusação, à qual conferiu credibilidade.

1.2.13. Da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida quantos à factualidade da pronúncia, verifica-se que o Tribunal a quo não considerou credíveis e como tal valorizou positivamente as declarações prestadas pelo arguido quanto aos factos que lhe são imputados – negando-os –, e tão pouco os depoimentos das testemunhas de defesa cujos factos relatados, ao darem conhecimento ao Tribunal da presença do arguido, no momento temporal que é indicado na pronúncia, em locais completamente diversos do referido na acusação, infirmam por completo as declarações da assistentes e testemunhas de acusação e corroboram a negação da prática dos factos afirmada pelo recorrente.

1.2.14. E que o juízo de não credibilidade assim formulado assentou no facto de as testemunhas serem repetitivas e insistentes ao justificarem a presença do arguido junto deles em locais muito distantes do da pronúncia, não havendo, no entender do Tribunal a quo, razões para o arguido não estar no local da casa da assistente uma vez que, tendo casa na zona, era suposto lá estar em períodos de repouso, tanto mais que estaria de férias e ainda pelo facto de as testemunhas de defesa serem amigos do arguido e não terem sido os seus depoimentos confirmados por terceiros externos a tais relações.

1.2.15. Ora, no que respeita à sua qualificação como “repetitivas e insistentes”, a mesma é contrariada pela audição dos respectivos depoimentos e pelas transcrições efectuadas, e no que concerne ao facto de o arguido ter casa na zona motivo por que não haveria razão para lá estar em período de férias e de fim-de-semana e, por consequência, ter praticado os factos, a mesma é insustentável, sendo até infirmada pela prova produzida a qual dá conta que o arguido poucas vezes ali deslocava, não esteve sequer de férias naquele mês de Março 2002 e esteve em fins-de-semana noutros locais, aliás distantes.

1.2.16. Este juízo por parte do Tribunal a quo, e que justifica a desconsideração do depoimento das várias testemunhas de defesa e das próprias declarações do arguido, é manifestamente ilógico, arbitrário e mesmo absurdo, contrariando frontalmente as regras da experiência comum.

1.2.17. Por outro lado, o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal a quo no sentido de não valorar e credibilizar os depoimentos das testemunhas de defesa por serem amigos do arguido e as suas declarações não terem sido confirmadas por terceiros externos a tais relações é, também nesta parte, no mínimo desconcertante, sobretudo tendo em consideração que não foi aplicado e seguido tal critério de aferição de credibilidade e corroboração de depoimentos prestados em relação às testemunhas de acusação.

1.2.18. Com efeito, o juízo assim formulado em relação às testemunhas de defesa, no sentido de que o facto de serem amigos do arguido é factor bastante para afectar e comprometer a sua credibilidade é por si só falacioso, sendo certo ainda que a necessidade de corroboração sucessiva de depoimentos é uma exigência e um critério que não encontra reciprocidade no que respeita à aferição da credibilidade das declarações da assistente e do depoimento das testemunhas de acusação.

1.2.19. O que sempre seria de exigir, no caso concreto, tendo em consideração as relações de amizade e familiares da assistente com as testemunhas de acusação, bem como as más relações e mesmo de franca animosidade quer da assistente, quer daquelas, com o arguido, desde momento muito anterior aos factos alegados na pronúncia e posteriores àqueles e até ao presente, num caso e noutro resultantes das quebra das relações profissionais e afectivas impostas pelo arguido contra a vontade daquelas, o que tudo...

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