Acórdão nº 1137/06.8PBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

25 I. RELATÓRIO.

No processo Comum singular n.º 1137/06.8PBFIG.C1 foi deduzida acusação contra o arguido LZ pela prática de um crime de abuso de confiança p.p. pelo artigo 205º n.º 1 e 4 alínea a) do CP e um crime de burla qualificada p.p. pelo artigo 217º n.º 1 e 218º n.º 1 do C. Penal.

No mesmo processo, J e A. deduziram, autonomamente, pedidos de indemnização civil contra o arguido, o primeiro pedindo a sua condenação no pagamento do montante de €18 000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal e o segundo peticionando a condenação do arguido a pagar-lhe €31250,29, acrescido de juros à taxa legal Realizado o julgamento, o arguido foi absolvido do crime de burla qualificada p.p. pelo artigo 217º n.º 1 e 218º n.º 1 do C. Penal de que estava acusado e condenado pela prática de um crime de abuso de confiança p.p. pelo artigo 205º n.º 1 e 4 alínea a) do CP do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), que perfaz o montante global de €1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), nas custas do processo fixadas em 3 UCs a taxa de justiça e nos encargos fixando-se a procuradoria em 1/4, acrescida de 1%, nos termos do art. 13º nº 3 do DL nº 423/91, de 30-10.

Relativamente ao pedido de indemnização civil foi o mesmo julgado parcialmente procedente e, em consequência, condenado o arguido / demandado a pagar ao demandante a quantia de €15.200,00 (quinze mil e duzentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% a contar da notificação do Pedido de Indemnização Civil até integral e efectivo pagamento e ainda condenado a pagar €350 (trezentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa de 4% desde a data de condenação até integral pagamento. Demandado e a demandante foram condenados nas custas do pedido civil tendo em conta o vencimento.

Foi ainda absolvido do pedido de indemnização cível formulado por A.

Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: 1º Foram incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido os pontos 1 a 3 e 8 da matéria enumerada na “Motivação de facto” 2° Na verdade, os depoimentos das testemunhas, R, AA e J impõem concluir que não foi o arguido que foi ao stand do J, buscar o Audi…; 3° Foi a testemunha R ali o foi buscar e o foi levar ao arguido à localidade onde este reside, Ponte de Vagos; 4º Assim, no que se refere à matéria levada aos pontos 1 daquela motivação ocorreu erro notório na apreciação da prova produzida e no que tange à matéria levada aos pontos 2 e 3 da mesma motivação, carece de qualquer suporte testemunhal e é impossível, uma vez que o arguido não esteve na entrega do veículo, pelo que para além do mesmo erro, ocorre manifesta insuficiência de prova para a decisão da mesma; 5° Por outro lado, não foi possível apurar, com segurança, a que título é que o Audi A6 foi entregue ao arguido, pelo que não é possível aquilatar se se encontra preenchido o elemento entrega, para ocorrer o crime que é imputado ao arguido, ocorrendo também aqui a mesma insuficiência de prova; 6° Também a matéria levada ao ponto 4 da mesma motivação foi mal julgada, no que tange ao “animus domini” por parte do arguido.

  1. Do depoimento do ofendido A, há que concluir que o arguido nunca lhe pretendeu vender o Audi… tendo-lhe dito que não era carro para ele.

  2. Também esta lacuna, imporia, em obediência ao princípio “in dubio pro reo” a absolvição do arguido.

  3. A douta decisão recorrida, padece dos vícios previsto nas alíneas c) e a) do artigo 410º do CPP e violou o disposto no artigo 32°, n° 2, do CRP, pelo que deve ser parcialmente revogada, absolvendo-se o arguido também do crime de abuso de confiança, assim se fazendo; O Ministério Público, nas suas contra-alegações pronunciou-se pela improcedência do recurso, posição que o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação corroborou no seu parecer.

    * II FUNDAMENTAÇÂO As questões a decidir: Em face das conclusões do recorrente a questões a decidir sustentam-se: i) no eventual erro notório na apreciação da prova efectuada pelo Tribunal; ii) na inexistência de prova referente ao elemento crime de abuso de confiança, inversão do animus possidendi, tendo sido desta forma violado o princípio da presunção de inocência do arguido.

    * Importa antes de mais atentar na matéria de facto e respectiva fundamentação dada como provada e que consta na decisão em apreciação.

  4. - Em data não concretamente apurada mas anterior a 28 … de 2006, no “Stand Auto G..”, sito em …, Espinho, pertença do ofendido J, o arguido mostrou-se interessado no veículo de marca Audi, modelo …, com a matrícula…-RV, com o valor de 12 000,00 euros, que ali se encontrava exposto para venda, pertença de J., referindo ao ofendido que tinha um cliente/ comprador interessado na compra do mesmo, pelo que pediu ao ofendido que lhe deixasse levar o dito veículo para mostrar ao interessado no mesmo.

  5. - O ofendido, convencido de que o arguido iria diligenciar pela exibição do seu veículo ao potencial comprador, acedeu ao pedido daquele, entregando-lhe o dito veículo, com a condição de o mesmo lhe ser devolvido no dia seguinte.

  6. - Sucede que o arguido não mais entregou o veículo, nem no dia seguinte, nem até ao presente, isto apesar dos sucessivos pedidos do ofendido no sentido de que lhe devolvesse o veículo.

  7. - Com efeito, o arguido levou o veículo Audi, consigo, sem pagar ao ofendido o preço do mesmo, dele se apoderando, fazendo-o seu, não obstante saber que não lhe pertencia.

  8. - No dia 28 de … de 2006, o arguido procedeu, então, à entrega do referido veículo de marca Audi ao ofendido A., tendo-o levado até às proximidades da clínica médica onde aquele trabalhava, para que este o experimentasse e utilizasse e caso o ofendido viesse a gostar dele, ficar com ele em substituição do veículo BMW … que lhe havia vendido, procedendo ao respectivo acerto de contas com o ofendido.

  9. - Porém, e não obstante os vários contactos de A solicitando ao arguido os documentos do veículo, este nunca lhos entregou, o que impediu o ofendido de circular com o veículo.

  10. - O arguido não devolveu, nem pagou, ao anterior proprietário J., o valor do veículo de marca Audi, motivo porque não conseguiu obter os documentos para entregar ao ofendido A.

  11. - O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito concretizado, de se apoderar e fazer seu o veículo pertença do ofendido J., bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário. Quis, ainda, o arguido entregar ao ofendido A. um veículo para substituição do veículo BMW …. que lhe havia vendido, veículo que não lhe pertencia, já que era propriedade de J., apoderando-se do mesmo, que desta forma se viu desapossado do veículo e do seu valor, logrando assim prejudicar o ofendido J.

  12. -Não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se absteve o arguido de a levar a acabo.

    Mais se provou: 10º- - No dia 14 de … de 2006, em contacto pessoal estabelecido na clínica médica “ D…”, sita …, local de trabalho do ofendido, o arguido vendeu a A., pelo valor de 19.000€, um veículo BMW…, valor que o ofendido pagou com outro veículo – um Jeep , modelo…., no valor de 15 000,00 euros, que deu à troca e entregou-lhe ainda um cheque no valor de 2 500,00 euros, datado de 14/07/06 com o nº 6100000281, e um outro cheque no valor de 1 500, 00 euros, datado de 24/07/06, com o nº …, ambos sacados sobre o Banco …, da conta do ofendido.

  13. - Porém, como o veículo referido apresentava uma quilometragem maior do que aquela que constava do conta quilómetros, devolveu-o ao arguido.

  14. - Para substituição do veículo BMW … o arguido entregou ao ofendido um veículo Mercedes.

  15. - Porém, como o veículo Mercedes também apresentava algumas irregularidades o ofendido devolveu-o ao arguido.

  16. - Assim, no dia 28 … de 2006, o arguido entregou ao ofendido A. o veiculo Audi .

  17. - O arguido não procedeu à entrega dos documentos ao ofendido A 16º- O veículo Audi.. havia sido vendido conjuntamente com outros veículos pelo arguido a R., em data não concretamente apurada, mas anterior a 31…/06.

  18. - Para pagamento do veículo Audi… e os outros veículos, o R… emitiu a favor do arguido pelo menos o cheque nº … sacado sobre o BEST, no valor de 13.750,00€, datado de 31/07/06, o qual apresentado a pagamento foi devolvido por falta de provisão, em 2/…./06.

  19. - O R. ainda não pagou o cheque ao arguido.

  20. - R., por sua vez, em data não concretamente apurada vendeu o veículo Audi …ao ofendido J., pelo valor de 12.000€.

  21. - O veículo Audi, modelo… encontra-se registado a favor de J. desde 29/…/06.

    Dos pedidos de indemnização cíveis: 21º- O...

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