Acórdão nº 1593/04.9TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A...

, por si e em representação de sua filha B....

, menor, intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros C...

e D...

, pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a quantia de € 527 966,96, acrescida de juros moratórios vencidos (€ 157 435,41) e vincendos, alegando, em resumo, ter ocorrido um acidente de viação no dia 08.3.2001 envolvendo o veículo ligeiro de matrícula XV-00-00, pertencente ao A. e então tripulado pela esposa E..

., e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula HG-00-00, pertencente à 2ª Ré e conduzido, ao serviço desta, por F....

, único responsável pela ocorrência, resultando do embate diversos danos patrimoniais e não patrimoniais a indemnizar e a compensar na forma peticionada, a título principal ou subsidiário conforme se indica a fls. 21.

A seguradora C... contestou, impugnando os factos da petição relativos à dinâmica do sinistro e aos danos, afirmando, nomeadamente, que foi o excesso de velocidade do veículo XV que deu causa ao acidente e que os valores peticionados são exagerados e estão já parcialmente pagos; referiu ainda que, respondendo a 1ª Ré pela totalidade do pedido, a 2ª Ré é parte ilegítima.

A 2ª Ré ofereceu também a sua contestação, na qual excepcionou a sua própria ilegitimidade, dada a existência de seguro de capital ilimitado, e impugnou os factos alegados na petição quanto à forma como se deu o acidente e aos danos sobrevindos.

Replicando, o A. manteve o alegado na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida pela 2ª Ré e se afirmou a validade e regularidade da instância; seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, foi a mesma objecto de reclamação por parte do A., parcialmente atendida.

Efectuado o julgamento, a matéria de facto foi decidida conforme consta de fls. 640.

Na sentença, o tribunal recorrido julgou a acção parcialmente procedente e provada, condenando a Ré C... a pagar ao A. a quantia de € 242 777,73 (duzentos e quarenta e dois mil setecentos e setenta e sete euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, e absolveu a 2ª Ré do pedido.

Desta sentença recorreu a Ré Seguradora, apresentando as seguintes conclusões: 1ª - Por ter sido integralmente gravada a prova produzida e por constar do processo certidão da segunda sentença (condenatória) proferida no processo crime instaurado com base no mesmo acidente de viação, devem ser alteradas as respostas dadas aos factos constantes da base instrutória sob os n.°s 19, 20, 62, 65 e 66, devendo ainda ser julgados provados os factos constantes da decisão proferida nos autos de processo de acidente de trabalho que, com o n.° 128/2001, correu termos pelo 1° Juízo do Tribunal do Trabalho de Leiria.

  1. - O Mm.º Juiz recorrido deu como provados os factos constantes da base instrutória sob os n.°s 19 (“O condutor do HG, antes de efectuar a manobra referida em g) não respeitou o sinal mencionado em d), nem olhou para o espelho mencionado em e)”) e 20 (“(...) e não se apercebeu que se apresentava sua esquerda, na faixa de rodagem, o veículo XV?”) e como não provados os factos constantes dos arts. 65 (“(...) e certificou-se que podia entrar na estrada municipal’) e 66 (“O condutor do HG, tendo verificado que não se aproximava qualquer veículo em ambos os sentidos, intentou a manobra mencionada em g)”), 3ª - Quando resulta claramente do depoimento — integralmente gravado na cassete n.°1 — da testemunha F..., condutor do HG, que este parou na intersecção da via por onde circulava (Rua da Mata) com a via por onde pretendia passar a circular (Estrada Municipal do Telheiro) e que, olhando para a sua esquerda e para a sua direita, não viu qualquer veículo a circular pela Estrada Municipal do Telheiro.

  2. - As declarações desta testemunha são perfeitamente compatíveis com as respostas positivas que mereceram os art.ºs 21º, 48º, 53º, 54º, 55º e 64º da base instrutória, bem como com o facto constante da alínea d) dos factos assentes e com os factos dados como provados na sentença proferida no processo crime acima referido e dela constantes sob os n.°s 7 (“Este sinal encontrava-se implantado a cerca de dois/três metros aquém da intersecção da Rua da Mata com a Estrada Municipal do Telheiro”) e 8 (“O arguido veio apenas a imobilizar o pesado cerca de dois a três metros mais à frente do referido sinal STOP”) sob a epígrafe “FACTOS”.

  3. - Assim, com base no depoimento da testemunha F... e nos factos considerados provados na sentença proferida no processo crime e cuja força probatória não foi afastada pelas respostas à matéria de facto dadas neste processo (e compatibilizando-a com a restante matéria de facto dada como provada), deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, considerando-se não provados os factos constantes dos art.ºs 19 e 20 da base instrutória e como provados os factos dos art.ºs 65 e 66 da base instrutória.

  4. - No que se refere ao facto do art.º 62 da base instrutória, a decisão recorrida deu como provado que a condutora do XV auferia o salário líquido de € 523,74 depois de dar como provado que a condutora do XV auferia, catorze vezes ao ano, o vencimento mensal de € 504,88, acrescido de, onze vezes ao ano, subsídio de alimentação de € 102,13.

  5. - É manifesta a contradição entre estes dois factos, pelo que, tendo em atenção os documentos juntos com a petição inicial, sob os n° 19 e 21, deve ser julgado provado que a condutora do XV auferia, catorze vezes ao ano, o vencimento mensal de € 504,88 €, acrescido de, onze vezes ao ano, subsídio de alimentação de € 102,13, dando-se assim resposta afirmativa ao quesito 30 e resposta negativa ao quesito 62 da base instrutória.

  6. - Finalmente, face ao teor da alínea o) dos factos assentes, tem de considerar-se provado que foram atribuídas ao A. A...s, para si, a título de prestações pecuniárias resultantes de acidente de trabalho, uma pensão anual e vitalícia (anualmente actualizável nos termos da lei) no montante de 492 687$00 (2 457,51 €) a partir de 14.3.2001, a quantia de 804.000$00 (4 010,34€) a título de subsídio por morte, a quantia de 536 000$00 (2 673,56 €) a título de indemnização por despesas de funeral, a quantia de 1 000$00 (4,99 €), a título de despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal de Trabalho de Leiria e 15 967$00 (79,64 €) a título de indemnizações por I.T.A. entre 09.3.2001 e 13.3.2001, e, como legal representante de sua filha B..., a título de prestações pecuniárias resultantes de acidente de trabalho, uma pensão anual e temporária (anualmente actualizável) no montante de 328 458$00 (1 638,34 €), devendo também considerar-se provado que o pagamento dessas prestações, na proporção constante daquela decisão, é da responsabilidade da G.....

    - Companhia de Seguros, S. A., seguradora por acidentes de trabalho, e de H.....

    , entidade patronal da vítima.

  7. - Tendo em conta os factos dados como provados na sentença, com a alteração resultante da modificação das respostas dadas àqueles pontos da base instrutória, resulta que o condutor do veículo pesado nenhuma culpa teve na eclosão do acidente, uma vez que respeitou todas as regras de trânsito, parando na intersecção da via por onde circulava com aquela por onde pretendia passar a circular, iniciando a manobra de mudança de direcção à esquerda quando se certificou de que não circulava qualquer veículo em ambos os sentidos da estrada por onde ia passar a circular (não podendo ser-lhe imputada qualquer responsabilidade por o veículo pesado que conduzia ser de grande porte e lento no arranque).

  8. - Ao invés, a condutora do veículo XV circulava distraída e com velocidade excessiva para o local e para as condições de trânsito existentes no momento, uma vez que só avistou o veículo pesado quando este já tinha efectuado mais de metade da manobra de mudança de direcção à esquerda e que, dispondo de uma distância de 106 metros para imobilizar o seu veículo, não foi capaz de o imobilizar ou, sequer, de diminuir a velocidade que lhe imprimia, antes de embater na lateral esquerda do veículo pesado, violando, designadamente, o disposto nos art.ºs 3°-2, 24°-1, 25°-1-c), f) e h e 29°-2 do Código da Estrada.

  9. - Assim, é de imputar exclusivamente à condutora do veículo XV a culpa na eclosão do acidente em causa nos autos.

  10. - Ao decidir de forma diversa, a sentença violou o disposto nos art.ºs 3°-2, 24°-1, 25°-1-c), f) e h e 29°-2 do Código da Estrada, bem como o disposto nos art.ºs 483°, 503°, 505°, 562°, 563°, 570° e 572° do C. Civil.

  11. - Caso assim se não entenda, sempre teria de ser parcialmente revogada a sentença recorrida, uma vez que as verbas atribuídas a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, são exageradas ou não devidas.

  12. - Face à matéria de facto dada como provada, resulta que os danos patrimoniais futuros dos AA. consequentes da privação de parte do rendimento da falecida E... (uma vez que esta também gastava consigo mesma uma parte significativa desse rendimento, cerca de metade, como se considera na sentença recorrida) estão já totalmente ressarcidos com as indemnizações recebidas da Segurança social e das entidades responsáveis pela reparação do acidente de trabalho.

  13. - A falecida E... auferia um vencimento mensal bruto de € 504,88, do qual resultava um rendimento mensal líquido de € 421,61, uma vez que descontava, também mensalmente, € 55,54 para a Segurança social e € 27,73 para o I.R.S..

  14. - Gastando consigo mesma metade dessa quantia, a falecida E... contribuiria para a economia dos AA. com a quantia mensal de € 210,81; mas, porque tal quantia era entregue catorze vezes ao ano, a falecida contribuía com € 2 951,34 anuais para a economia comum (não se contabilizando aqui o subsídio de alimentação, uma vez que este subsídio é...

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