Acórdão nº 3310/08.5TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelJAIME FERREIRA
Data da Resolução19 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I No 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, a sociedade comercial “...”, com sede na Rua ..., Marcos de Pedrulha, Eiras, Coimbra, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra o “Banco ...

”, com sede na Avenida..., em Lisboa, pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 11.909,25, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo pagamento, à taxa legal, calculados sobre o montante de € 11.530,00.

Alega para tanto e em resumo que, no exercício da sua actividade comercial, em 28/09/2007 vendeu à sociedade “Construções ..., S.A.”, um balde de 80 centímetros, pelo preço de € 2.117,50, para pagamento do qual esta sociedade, através do Presidente do seu Conselho de Administração, preencheu, subscreveu e entregou à A. um cheque do mesmo valor, datado de 26/11/2007 e sacado sobre uma conta existente na Ré, cheque este que, apesar de ter sido apresentado a pagamento em 27/11/2007, foi devolvido pelo Serviço de Compensação do Banco de Portugal, no dia 28/11/2007, com a menção de «falha ou vício na formação da vontade».

Que, ainda no exercício da sua actividade comercial, celebrou com a dita sociedade “Construções ..., S.A.”, um contrato de aluguer de uma máquina escavadora pela renda mensal de € 4.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal, tendo esta sociedade utilizado a dita máquina entre Agosto e Dezembro de 2007, e que para pagamento de parte das rendas, que ascenderam ao valor global de € 24.200,00, a mesma sociedade preencheu, subscreveu e entregou à A. um cheque sacado sobre uma conta na Ré, datado de 5/11/2007, no montante de € 9.413,00, o qual foi apresentado a pagamento dentro do prazo legal, tendo sido devolvido pelo Serviço de Compensação do Banco de Portugal em 7/11/2007, com a menção de «falha ou vício na formação da vontade».

Que por carta de 1/02/2008, que a A. enviou ao Réu, foi este informado de que tais cheques se destinavam ao pagamento de dívidas à A. e foram-lhe entregues por um administrador das sociedades que emitiram e subscreveram esses cheques, pelo que a A. não aceitava a razão invocada para o não pagamento dos ditos cheques, solicitando ao Réu o pagamento dos mesmos. Que os motivos subjacentes à devolução dos cheques eram falsos; que o banco Réu devolveu os cheques sem se ter certificado da existência de justa causa para a sua devolução; que até hoje os montantes titulados pelos cheques se encontram por pagar, sendo a sua cobrança inviável; e que o banco é responsável, conforme jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 28 de Fevereiro de 2008, pelo ressarcimento do prejuízo que sofreu, correspondente ao valor dos cheques acrescido de juros de mora à taxa legal desde a sua data de vencimento, nos termos do artº 483º do C. Civ., do artº 32º da L.U. s/Cheques, e do artº 14º do Dec. nº 13.004, de 12/01/1927.

II Contestou o Réu impugnando, por desconhecimento, a matéria de facto alegada e atinente aos contratos celebrados entre a Autora e os sacadores dos cheques, e invocando que inexiste nexo causal entre a recusa motivada de pagamento do cheque e o prejuízo, uma vez que as contas sacadas não tinham provisão para pagamento dos cheques, que, assim, sempre veriam o seu pagamento recusado.

Mais alega que o eventual prejuízo, a existir, não pode corresponder ao montante titulado pelos cheques, estando limitado aos incómodos, despesas acrescidas, lucros cessantes e, no limite, acrescido risco na cobrança da quantia, sendo que a Autora nada alegou quanto a estes.

Invoca que, face ao contrato de mandato que celebrara com o sacador se encontrava vinculada a respeitar a instrução que recebeu, sob pena de responder pelos prejuízos decorrentes desse incumprimento contratual; e que o portador dos cheques se não enquadra no domínio subjectivo de aplicação da norma ínsita no art. 32º da LU, pelo que não está preenchida a previsão do art. 483º, nº1, do Código Civil, e que nem sequer se verificou nenhuma ordem de revogação, antes uma ordem de não pagamento motivada em falta ou vício de vontade, que constitui justa causa, abstractamente considerada, de não pagamento dos mesmos, incumbindo à Autora a prova da inveracidade da causa motivadora do não pagamento dos cheques.

Concluiu pela improcedência da acção.

III A Autora apresentou articulado de resposta na qual impugnou a factualidade invocada na contestação e reiterou a responsabilidade do Réu pelo pagamento do valor correspondentes aos cheques.

IV Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade adjectiva da acção, tendo sido seleccionada a matéria de facto alegada e tida como relevante para efeitos de instrução e para a discussão da causa.

Também aí foi fixado o valor da acção em € 11.909,25.

Seguiu-se a realização da audiência de julgamento, com gravação da prova testemunhal produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

V Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, com a condenação do Réu no montante do pedido.

VI Desta sentença interpôs recurso o Réu, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentou o Apelante concluiu, com utilidade, do seguinte modo: 1ª – A Apelada não tem o direito em que pretende assentar os alicerces da responsabilidade civil da Apelante, isto é nos artºs 483º, nº 1, CC; 29º e 32º da LU s/Cheques; e artº 14º do Dec. nº 13004.

2ª – Não tem esse direito desde logo porquanto a segunda parte do artº 14º do Dec. nº 13004 se encontra tacitamente revogado, atendendo a que o Estado Português não formulou qualquer reserva ao artº 32º da LU, o qual, ao entrar em vigor no ordenamento jurídico interno afastou o regime daquela norma que até aí vigorava.

3ª – Depois, porque o interesse que o artº 32º da LU visa salvaguardar é apenas e tão somente o interesse do portador do cheque, mas enquanto sujeito cambiário integrado na cadeia cambiária, cadeia esta à qual é totalmente alheia a Apelada que não é obrigada cambiária.

4ª – Acresce que o presente caso não se enquadra na previsão da norma do artº 32º da LU, porquanto não se verificou no caso concreto nenhuma revogação dos cheques.

5ª – O que se passou foi, ao invés, uma ordem de não pagamento dos cheques dirigida pela sacadora à Apelante, com fundamento em falta ou vício da vontade que, abstractamente considerada, é uma justa causa de não pagamento.

6ª – Com efeito, não faz sentido considerar como revogação de um cheque algo que não envolve uma válida relação jurídica cambiária, designadamente por falta de consciência da declaração, sujeição a coacção física ou moral ou erro na declaração (artºs 246º e 247º do C. Civ.).

7ª – Os próprios trabalhos preparatórios da LU não integram no âmbito de aplicação do artº 32º os casos em que se verifique a justa causa para o não pagamento de cheques, designadamente os casos de furto, roubo, extravio, coacção moral, incapacidade acidental ou de qualquer outra situação de falta ou vício na formação da vontade do emitente, cujo regime foi deixado ao critério de cada uma das Altas Pares Contratantes.

8ª – Não pode ser imputada culpa ao Apelante na aceitação da ordem de não pagamento dos cheques, porquanto o banco não violou o dever de zelo ou de diligência.

9ª – Não é ao banco que cabe ajuizar e concluir sobre o enquadramento ou não dos alegados fundamentos invocados pelo sacador na respectiva ordem de não pagamento, no juízo conclusivo da existência ou não de uma falha ou vício na formação da vontade.

10ª – É o sacador do cheque que tem a responsabilidade de decidir se vai ou não ordenar o não pagamento dos cheques, porque só ele conhece a relação causal; o banco é um mero recipiendário dessa decisão.

11ª – Quanto aos danos e sua quantificação, não se aceita a correspondência entre o montante dos cheques e o prejuízo da Apelada.

12ª – O prejuízo da Apelada advém apenas do aparente incumprimento de uma relação causal que nunca esteve em discussão nestes autos, desde logo porque a mesma ocorreu com a sacadora dos cheques, que não foi sequer accionada, e não com a Apelante.

13ª – A aceitação da ordem de não pagamento não impediu nem impede a Apelada de accionar a relação cambiária ou a relação causal, até porque é ela quem detém a posse dos cheques.

14ª – Assim, a existirem danos motivados pela recusa de pagamento do Apelante, então os mesmos estão limitados aos incómodos, despesas acrescidas, lucros cessantes e, no limite, ao risco acrescido na cobrança da quantia que e devida à Apelada.

15ª – No âmbito da relação contratual que tem com a sacadora dos cheques o Banco sacado não pode ignorar uma ordem desta natureza...

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