Acórdão nº 20/05.9TAAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Janeiro de 2010
Magistrado Responsável | ALBERTO MIRA |
Data da Resolução | 06 de Janeiro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório: 1.
No Tribunal Judicial de Águeda, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, a arguida M...
, casada, residente na Rua C…- Trofa, sob imputação, na pronúncia de fls. 301/303, da prática, em autoria material, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pela alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro.
*2.
“T&J..., Lda.”, constituída assistente, deduziu pedido de indemnização cível, peticionando a condenação da arguida/demandada a pagar-lhe a quantia de € 467,11, acrescida de juros vincendos, sobre o montante do cheque, à taxa de 4%, desde 27-02-2008 até integral pagamento.
*3.
Por sentença de 5 de Março de 2009, o tribunal decidiu nos seguintes termos: 1.
Condenou a arguida, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 454/91, de 28-12, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 316/97, de 19/11, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros); 2. Julgou o pedido de indemnização civil integralmente procedente e, em consequência, condenou a arguida/demandada no pagamento à demandante “T&J..., Lda.” da quantia de € 400,00 (quatrocentos euros).
*4.
Inconformada, a arguida/demandada interpôs recurso da sentença, extraindo da motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª – Dispondo o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa, que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito da sentença de condenação”, não é ele que tem de provar os factos que demonstrem a sua inocência, mas é a acusação que tem de provar os factos que demonstrem a sua culpabilidade.
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– Feita a perícia à assinatura constante do cheque incorporado nos autos, a mesma não foi conclusiva.
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– A única testemunha de acusação ouvida em audiência de julgamento em momento algum referiu que a arguida assinou o cheque, nem que a viatura de matrícula 00-00-ZZ (propriedade da arguida) foi abastecida no posto de abastecimento da assistente.
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– A arguida negou os factos que lhe foram imputados na acusação e, por sua vez, também nenhuma testemunha de defesa os admitiu.
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– Mesmo que algum documento contenha a anotação (impressa ou manuscrita) da matrícula 00-00-ZZ, impunha-se averiguar em audiência de julgamento (e isso não foi feito) quem e quando fez tal anotação, bem como o modo como a obteve, ou seja, se visualizou a matrícula, ou se a mesma lhe foi indicada por alguém, designadamente pelo portador do cheque.
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– Da sentença não resulta a razão de se ter dado como provado que a viatura 00-00-ZZ foi abastecida no posto de venda de combustíveis da assistente.
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– De qualquer modo, não se estribou em provas que tivessem sido produzidas ou examinadas em audiência de julgamento, pelo que violou o disposto no artigo 355.º do CPP.
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– Face à prova produzida, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que a arguida manuscreveu o seu nome no cheque constante dos autos e que a viatura 00-00-ZZ foi abastecida no posto da assistente, no interesse da arguida, com o propósito de causar prejuízo à assistente e que sabia que o cheque não havia desaparecido ou sido extraviado.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao recurso e, recorrendo ao princípio in dubio pro reo, absolver-se a arguida, assim se fazendo justiça.
*5.1.
A assistente/demandante “T&J..., Lda.” rematou a resposta ao recurso nos seguintes termos: 1. Sendo o recurso sobre matéria de facto, a recorrente não cumpre as especificações do disposto no artigo 412.º do CPP, designadamente das alíneas do seu n.º 3, do n.º 4 e 6, isto é, não as faz por referência à acta da audiência como exige o n.º 4 do referido artigo 412.º (em remissão para os termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º do CPP), como não indica as passagens da acta e da transcrição da gravação em que funda a sua impugnação.
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Tal falha da recorrente não permite que a recorrida possa proceder ao contraditório, nesta sua resposta, nem permite que o Tribunal ad quem possa proceder à audição ou à visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, razão por que, por violação dos referidos normativos do CPP, entende a recorrida que o recurso não deve ser pura e simplesmente admitido (cfr. disposto no n.º 2 do artigo 414.º do CPP).
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Em data não apurada a recorrente manuscreveu o seu nome no cheque dos autos, no lugar destinado a aposição da assinatura, ou seja, no cheque identificado na acusação e pronúncia, da conta 40016080417, de que era titular, não tendo a prova pericial chegado a conclusão contrária a esta.
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Não se provou que a assinatura fosse aposta em 07.07.2004, mas provou-se que tal assinatura é da recorrente, e tal não suscitou dúvidas a ninguém no Tribunal, tendo a recorrente apesar disso negado tal assinatura que sabe que era sua.
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Acresce que o tribunal a quo baseou a sua convicção de ser a assinatura do cheque da autoria da recorrente em vários factos tais como: data da entrega para pagamento e data do escrito dirigido ao Banco para cancelar o cheque (a mesma data); a pertença da viatura a empresa de que a recorrente era sócia gerente; na chamada à colação por recurso ao n.º de um BI de um terceiro que desconhece a recorrente, para além de outros elementos relevantes que constam da fundamentação da matéria de facto.
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De resto, a acusação conseguiu demonstrar que, no mesmo dia em que o veículo de matrícula 00-00-ZZ, de que a recorrente era gerente (só renunciou em 08.09.2007), foi abastecido nas instalações da recorrida (07.07.2004), a recorrente endereçou comunicação ao Banco (CCAM de Águeda) informando, falsamente, do extravio do cheque e solicitando o seu cancelamento, dizendo em audiência que foi por mera coincidência.
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Ademais, a recorrente mentiu em audiência, dizendo que havia participado criminalmente por furto, de tal cheque e de outro, o que se provou não ser verdade, mentira de resto reafirmada pela testemunha F..., esposo da recorrente.
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Considerando-se que a arguida praticou o crime pelo qual foi condenada, deve proceder o pedido de indemnização civil quanto ao mesmo.
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O tribunal decidiu com base no princípio da livre apreciação das provas, não lhe restando outra solução senão condenar a arguida nos termos em que o fez porque dúvida razoável não se patenteou para valer o alegado princípio in dubio pro reo que por isso deve improceder.
Bem andou, por isso, o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
Nestes termos, deve manter-se a douta decisão recorrida e, em consequência, ser a arguida condenada nos termos em que o foi, incluindo no pedido de indemnização civil.
*5.2.
Em sentido idêntico, ou seja, no da improcedência do recurso, na sua vertente penal, se manifestou o Ministério Público.
*6.
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Notificada nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, a arguida exerceu o seu direito de resposta, reafirmando a posição já antes sustentada na motivação e conclusões do recurso, traduzida na sua absolvição, por imperativo do princípio in dubio pro reo.
Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
*II. Fundamentação: 1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso: Conforme Jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Vistas as conclusões da motivação do recurso interposto no âmbito dos presentes autos, a...
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