Acórdão nº 5/05.5TBOHP.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.1. - A Autora -A....

– instaurou (3/1/2005) na Comarca de Oliveira do Hospital acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré – ESCOLA DE CONDUÇÃO B.....

Alegou, em resumo: A Autora acordou com a Ré em que esta lhe ministrava, mediante um preço, lições tóricas e práticas de forma a habilitá-la à condução de veículos ligeiros e motos, sendo portadora da respectiva licença de aprendizagem.

No dia 17 de Agosto de 2000, em plena aula prática, quando conduzia na via pública um motociclo, propriedade da Ré, derrapou na areia ali existente, bateu no lancil e caiu no passeio ficando sob o veículo.

Em consequência da queda, a Autora sofreu lesões graves no joelho e perna direita com rotura do menisco interno, que originaram danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 179.396,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Contestou a Ré, defendendo-se, em síntese, com a excepção da prescrição do direito da Autora ( art.498 nº1 do CC ), bem como por impugnação.

Replicou a Autora contraditando a defesa por excepção.

1.2. - No saneador ( fls.133) julgou-se improcedente a excepção da prescrição, afirmando-se a validade e regularidade da instância.

1.3. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença (fls.391 a 398) que decidiu pela improcedência da acção, absolvendo a Ré do pedido.

1.4. - Inconformada, a Autora recorreu de apelação, com as seguintes conclusões: […………………………………………………………………………………………..] Contra-alegou a Ré, em síntese: [………………………………………………………………………………………….] II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso: As questões submetidas a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC), são as seguintes: (1ª) A indemnização reclamada em sede de responsabilidade contratual; (2ª) – A indemnização no âmbito da responsabilidade civil objectiva ( prescrição, limites e quantificação dos danos).

2.2. – Os factos provados: [……………………………………………………………………………………….] 2.3. – A responsabilidade contratual: 2.3.1. - A sentença recorrida, situando o problema no âmbito da responsabilidade civil contratual, julgou a acção improcedente por falta de ilicitude da Ré, argumentando, em síntese: “ Não sofre dúvidas que a prática da instrução coenvolve da parte do instrutor, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e saber profissionais, a assunção de obrigação de meios, implicando o uso de meios humanos e técnicos necessários à obtenção do adequado ensino, existindo incumprimento se é cometida uma falta técnica, por acção ou omissão dos deveres de cuidado.

“ Ora, no caso em apreço, atenta a singeleza da matéria provada respeitante à causa do acidente - em determinado momento, o motociclo derrapou na areia existente no local, embateu no lancil do passeio e veio a cair no passeio, ficando a autora sob o motociclo - não é possível concluir que os instrutores tenham incorrido numa falta técnica por acção ou omissão”.

Objecta a Autora dizendo verificar-se responsabilidade contratual, porquanto a ilicitude da Ré traduz-se no facto dela, através dos funcionários instrutores, haver escolhido e indicado à Autora um trajecto para a aula prática de condução que apresentava areia no pavimento da via, propiciadora da derrapagem, não executando devida e diligentemente os actos a que estava contratualmente obrigada; Subsidiariamente, ocorre responsabilidade civil extracontratual objectiva ( arts.503 nº1 e 504 nº1 do CC), porque o acidente inscreveu-se nos riscos próprios do veículo, a Ré detinha a direcção efectiva do mesmo e utilizava-o no próprio interesse, sendo a Autora terceira beneficiária.

2.3.2. – Na petição, com que propõe a acção, o autor deve “ expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção “, significando que terá de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que pretende fazer valer e que consubstanciam a causa de pedir ( art.498 nº4 do CPC ).

Pode suceder que o mesmo pedido se baseie em duas ou mais causas de pedir distintas, originando uma cumulação inicial, sendo, para o efeito, definida a causa de pedir “como a previsão da norma que os factos alegados e o efeito jurídico pedido permitem preencher, numa relação de causa efeito” ( MARIANA GOUVEIA, A Causa de Pedir, pág.242).

A Autora não tomou expressa posição, tanto na petição inicial, como na réplica, porque o que pretende é a responsabilidade da Ré pelos danos ( cf. art.64 da petição), embora se depreenda arrancar a sua pretensão indemnizatória de ambas as responsabilidades ( contratual e extra-contratual) pois se, por um lado, parece ter alegado o incumprimento do contrato ( arts.3º a 8º, 63º da petição), por outro, afirma a obrigação de indemnização por referência ao art.483 do CC ( art.62º da petição) ou que a presente acção é a continuidade da acção anteriormente proposta contra a Companhia de Seguros ( art.25º da petição).

E assim foi interpretada pela Ré na contestação, quer ao excepcionar a prescrição trienal do art.498 nº1 do CC, quer ao impugnar motivadamente, alegando que o acidente não se deu por qualquer acto ou omissão dela, ou seja, por culpa sua, embora “questionável seria, no entanto, a responsabilidade objectiva, atento o modo como ocorreu o acidente” ( art.28º da contestação).

Por conseguinte, a Autora alicerça a sua pretensão em ambas as situações de responsabilidade, que no plano processual configura uma cumulação inicial de causas de pedir, legalmente admissível, exigindo-se apenas, no caso de unicidade de partes, a compatibilidade substancial ( arts.193 nº2 e 30 nº2 CPC).

Quando um dano é consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos direitos absolutos, tem-se questionado se existe um concurso real ou aparente de ambos os regimes da responsabilidade.

O Código Civil é omisso sobre esta matéria, muito embora VAZ SERRA houvesse equacionado o problema nos trabalhos preparatórios, no sentido de conferir ao lesado a possibilidade de optar por um ou outro regime e até de cumular regras de uma e outra modalidade da responsabilidade ( BMJ 85, pág.115 e segs.).

Se num mesmo facto concorrem as características de um incumprimento contratual e a violação do dever geral de não causar dano a outrem, existe um concurso de responsabilidades, configurando duas causas de pedir ( cf., por ex., Ac STJ de 22/10/87, BMJ 370, pág.529).

Deve adoptar-se a chamada “teoria da opção”, conferindo-se ao lesado a possibilidade de escolher, porquanto, como afirma VAZ SERRA, “ (…) a solução que se afigura preferível é a de que são aplicáveis as regras de ambas as responsabilidades, à escolha do lesado, pois a solução contrária representaria para este um prejuízo grave quando as normas da responsabilidade extracontratual lhe fossem mais favoráveis, e não é de presumir que ele tenha querido, com o contrato, afastá-las, não sendo mesmo válida uma convenção prévia de exclusão de algumas delas (…) “ ( RLJ ano 102, pág.312) (cf. no mesmo sentido, por ex., PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, pág.714; RUI ALARCÃO, Direito das Obrigações, pág.209; MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, pág.411 ).

2.3.3. - O ensino da condução está submetido a um regime jurídico específico sendo que o vigente à data dos factos (17/8/2000) foi aprovado pelo DL nº86/98 de 3/4.

Ainda que não conste norma idêntica à do art.1º nº1 do revogado DL nº263/95 de 10/10 ( “ o acesso ao ensino da condução de veículos automóveis formaliza-se através de contrato a celebrar entre o candidato e a escola de condução” ), prevendo agora a inscrição do candidato a condutor ( art.11º ), a verdade é que se estabelece uma relação contratual entre o candidato a condutor e a escola de condução, de natureza onerosa (art.15), configurando-se um contrato de prestação de serviços de ensino de condução ( art.1154 do CC).

Na fenomenologia dos contratos, a intersubjectividade vinculante ultrapassa o processo formativo, pois tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, dele emergem direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa. E polarizando-se a relação jurídica obrigacional em torno de uma ou mais prestações típicas - deveres principais ou primários da prestação - o seu âmbito alarga-se, no entanto, aos deveres acessórios, secundários ou complementares de conteúdo diversificado, sujeitando ainda as partes à “ ordem envolvente da interacção negocial ”, ou seja a critérios normativos de razoabilidade e de boa-fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes.

De tal forma que o direito positivo assevera que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes procederem de boa-fé ( arts.406 nº1 e 762 nº2 do CC ).

A pretensão da Autora em sede de responsabilidade civil contratual pressupõe, assim, a comprovação do incumprimento ( lato sensu) da Ré, que tanto pode reportar-se à prestação...

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