Acórdão nº 182/06.8GAPCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução18 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I.

A..., arguido identificado nos autos, recorre do acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu: - Condenar o arguido/recorrente, como autor do crime de maus-tratos a cônjuge, p.p. pelo artigo 152 nº. 1 e 2 do C.P., na pena de dezoito meses de prisão; e - Como autor do crime de detenção de arma proibida p. p. pelo artigo 86-1 d) da Lei 5/2006, na pena de 100 (cem) dias de multa à razão de 5€ (cinco euros), o que perfaz a multa de 500€ (quinhentos euros); - Condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de um ano e seis meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo, e na multa de quinhentos euros.

- Julgar procedente o pedido de indemnização formulado e, em consequência condenar o arguido - demandado a pagar à demandante a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), acrescidas dos juros vincendos, contados desde a notificação do pedido e até ao pagamento, à taxa geral, vigente.

* Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES 1. Nos factos considerados provados pelo tribunal não consta nada quanto à personalidade ou comportamento do arguido, não obstante as declarações das testemunhas de defesa S... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 22m e 48s (inicio do gravação) a 12h, 32m e 47s (fim da gravação), B... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 33m e 19s (inicio da gravação) a 12h, 40m e 08s (fim da gravação) e R... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 40m e 32s (inicio da gravação) a 12h, 46m e 51s (fim da gravação), sendo o apuramento de tais circunstâncias relevantes para o apuramento da pena e respectiva medida a aplicar, pelo que, a referida omissão na douta sentença, configura uma nulidade da sentença, nos termos do art. 379º nº 1, al. c) do C. P. Penal.

  1. A factualidade dada como provada não traduz, a nosso ver, e salvo o devido respeito, com exactidão, tudo aquilo que se passou em audiência de discussão e julgamento e não está conforme com a prova ali produzida, uma vez que o tribunal alicerçou a sua convicção nos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas na acusação - mãe e irmãs da ofendida M..., em detrimento dos depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa, no sentido de não ter atribuído igual importância a estes, por ter considerado que estas tinham um “conhecimento da vida do casal de forma superficial, dado o relacionamento casual com os mesmos”.

    Todavia, o contacto com as testemunhas de acusação não era diário, nem próximo, sendo certo que uns viviam na Suíça e outros em Portugal, e grande parte dos relatos que fizeram foi a reprodução de conversas com a ofendida e de telefonemas feitos por esta.

  2. A testemunha J..., mãe da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 14m e 32s (inicio da gravação) a 11h, 37m e 48s (fim da gravação) não escondeu a sua antipatia, má vontade e animosidade, em relação ao arguido, e não obstante, o tribunal considerou que o seu depoimento foi “decisivo” e “isento”.

    Foi categórica em afirmar que quanto ás agressões só assistiu por uma única vez, no dia 14/07/2006 e quanto ao mais que lhe era perguntado, apenas sabia o que lhe ia sendo contado pela filha.

  3. A testemunha D..., irmã da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 38m e 36s (início da gravação) a 11h, 51m e 00s (fim da gravação) nunca viu o arguido bater na ofendida e que nunca tinha presenciado qualquer agressão. Do que presenciou referiu, laconicamente, episódios entre o casal (ofendida e arguido), esclarecendo que começavam em brincadeiras e que acabavam mal. Afirmou várias vezes que não se lembrava de quaisquer expressões ofensivas proferidas pelo arguido dirigidas à ofendida e só depois da Mma. Juiz lhe ler o que constava na acusação é que a testemunha disse “sim”.

  4. A testemunha F..., irmã da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 51m e 30s (inicio da gravação) a 11h, 58m e 10ss (fim da gravação) afirmou que nunca presenciou qualquer agressão do ofendido, que só via o casal às vezes, ao fim de semana e que o que sabia era através da irmã, aqui ofendida, que lhe contava. Esclareceu que o casal às vezes lá discutia mas não era bater, nem tão pouco. E justificou as discussões com os problemas deles.

  5. O filho do casal E..., (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 1h, 51m e 30s (início da gravação) a 11h, 58m e 53ss (fim da gravação) que optou por viver com o pai, aqui arguido, deixou passar algum desagrado em relação à postura da ofendida, sua mãe, e foi o bastante para o tribunal entender que o seu depoimento foi “induzido”, ao invés do que sucede com a testemunha J..., mãe da ofendida, que transmitiu claramente que nunca gostou do arguido, nos termos já expostos.

  6. As demais testemunhas de defesa S... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 22m e 48s (início da gravação) a 12h, 32m e 47s (fim da gravação), B... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009. 11h, 33m e 19s (inicio da gravação) a 12h 40m e 08s (fim da gravação) e R... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h 40m e 32s (inicio da gravação) a 12h, 46m e 51s (fim da gravação) transmitiram ao tribunal a ideia que o casal constituído pela ofendida e pelo arguido seria igual a tantos outros, com um relacionamento normal, sem relatarem qualquer episódio de agressões ou de ofensas e foram categóricos em afirmar as boas qualidades e bom comportamento do arguido.

  7. Nenhuma testemunha assistiu a episódios de ofensas perpetradas pelo arguido, tendo as testemunhas da acusação contado apenas o que a própria ofendida lhes ia dizendo e nem sequer o fizeram de forma precisa, clara e objectiva, com excepção dos factos do dia 14/07/2006, relatados pela J... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 14m e 32s (inicio da gravação) a 11h, 37m e 48s (fim da gravação) 9. Dos depoimentos das testemunhas resulta que o arguido quando se dirigia à ofendida em tom menos cordial ou recorrendo a linguagem menos própria, o fazia, no seio de discussões entre ambos e por problemas que tinham (cfr. testemunha F..., gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 51m e 30s (inicio da gravação) a 11h, 8m 10s (fim da gravação), contrariamente ao que foi considerado pelo tribunal a quo.

  8. Os factos considerados provados quanto à doença do arguido também não foram ponderados no sentido de formular a dúvida (que reverteria sempre a seu favor) quanto ás condições em que este se encontraria quando tais factos se passaram ou o estado em que ficou por causa dos mesmos 11. Não constam da motivação da decisão sobre a matéria de facto, as “impressões” do depoimento da ofendida M..., nem em que medida as suas declarações contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

  9. Relativamente à matéria de facto considerada provada e constante dos parágrafos 4º 5º 7º e 10º não se pode alicerçar no depoimento de qualquer das testemunhas que foram todas unânimes em afirmar que nunca tinham assistido a quaisquer destas agressões e nem sequer existem quaisquer registos clínicos que possam documentar tais ocorrências, independentemente, das razões que motivaram a sua ocultação, o que viola o disposto no art. 127º do Cód. Proc. Penal.

  10. Se os referidos factos não fossem considerados provados, não restam dúvidas que da restante matéria de facto considerada provada, o arguido, poderia, quando muito, ser condenado pela prática de um crime de ofensas corporais, pelos factos ocorridos no dia 14/07/2006 14. Uma vez que apenas a ofendida se referiu a tais factos (parágrafos 4º, 5º, 7º e 10º), o tribunal deveria fazer aplicação do princípio constitucional do “in dúbio pro reo” (art. 32º, nº 2 da C.R.P.)., decidindo a favor do arguido.

  11. Não tendo o tribunal a quo reconhecido essa dúvida, que, a nosso ver, resulta evidente do texto da decisão ora recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, houve violação do art. 127º do Cód. Proc. Penal e erro notório na apreciação da prova, por incorrectamente julgada e apreciada a matéria de facto constante dos parágrafos supra referidos (4º, 5º 7º e 10º), vício que aqui expressamente se invoca e a que se refere a al. c) do nº 2, do art. 410º do mesmo diploma legal e, além do mais, reportando-nos apenas à matéria de facto dada como provada, estamos em crer, que a mesma é de todo insuficiente para fundamentar a decisão condenatória, fundamentando, a nosso ver, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que respeita a aí. a) do referido art. 410º, já que da douta sentença nada se extrai quanto ao contexto da prática dos factos.

  12. A douta sentença recorrida violou, para além do mais, o disposto no art. 142º do C.P.

  13. Relativamente à condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida, p.p. art. 86º, nº 1, al. d) da Lei n.º 5/5006, de 23 de Fevereiro, por ter na sua posse a arma - faca de ponta e mola - com uma lâmina de 9,9 cm, toda a jurisprudência tem entendido que não é arma proibida uma navalha cuja lamina tenha um comprimento inferior a 10 cm por não preencher o conceito de faca de ponta e mola para efeitos de preenchimento do referido tipo legal de crime (cfr. Ac. RP, de 03/12/2008, processo 084570:. e Ac. RC, de 01/04/2009, in www.dgsi.pt, atenta a conjugação do disposto nas als. l) e ar) daquele preceito.

  14. Pelo que, deverá o arguido ser absolvido da prática deste crime.

  15. Não foram dados como provados factos suficientes para condenar o arguido no pagamento da quantia de € 2.500 como indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela M... quis nem sequer logrou fazer prova dos mesmos.

  16. Assim, mesmo que o arguido venha a ser condenado pela prática do crime de violência doméstica, deverá aquele montante ser reduzido.

    Termos em que deve a sentença em apreço ser revogada e substituído por outra que absolva o arguido dos crimes pelos quais vinha acusado, ou assim não se entendendo, condenado pela prática do crime de ofensas corporais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

    Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido concluindo que o...

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