Acórdão nº 317/05.8GBPBL.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução07 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    No processo Comum Singular n.º 317/05.8GBPBL, foram julgados e condenados, a arguida M...

    pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de 8€ e o arguido C...

    pela prática de um crime de maus tratos p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 e 2 do Código Penal na pena de dois anos e seis meses de prisão e pela prática de três crimes de maus tratos p. e p. pelo art. 152º, n.º 1 do Código Penal nas penas de respectivamente, dezasseis meses, catorze meses e um ano de prisão. Em cúmulo jurídico o arguido F... foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Tal pena foi suspensa na sua execução por quatro anos e seis meses, subordinada ao cumprimento do dever de entregar à “A.P.E.P.I., Associação de Pais e Educadores para a Infância”, no prazo de 4 meses a quantia de 500 €, a reverter a favor da Casa Abrigo de Vítimas de Violência Doméstica de Pombal e sujeita a regime de prova, segundo PIRS a elaborar pelo IRS. O arguido foi ainda condenado a pagar a M..., a quantia de 553,90€, a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação para contestar o pedido cível e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do que, de mais, havia sido peticionado e condenado a suportar o pagamento restauração do dente 21 da demandante, mediante reconstrução através de coroa de revestimento total, relegando-se para execução de sentença a liquidação do respectivo montante. A arguida M... foi ainda a pagar a C... a quantia de 150€, a que acrescem juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da notificação para contestar o pedido cível e vincendos até efectivo e integral pagamento. O arguido C...foi condenado a pagar ao Hospital Distrital de Pombal a quantia de 71,50€, acrescida de juros legais contados desde a notificação para a contestação do pedido cível até integral pagamento. Foram ambos os arguidos condenados nas custas criminais do processo, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça devida por cada um, acrescida de 1% nos termos do artº 13º/3 do DL 423/91 de 30 de Outubro, sendo no mínimo a procuradoria e condenados nas custas dos pedidos de indemnização por ambos deduzidos, na proporção do respectivo decaimento. Finalmente o arguido C... foi condenado nas custas do pedido deduzido pelo HDP.

    Não se conformando com a decisão, o arguido C...interpôs recurso para este Tribunal da Relação.

    Nas suas alegações o recorrente conclui a sua motivação nos seguintes termos: «I. Com o recurso ora interposto pretende o arguido impugnar a decisão proferida com base na insuficiência para o mesmo da matéria de facto provada.

  2. Na verdade afirmações como “No âmbito das discussões, o arguido dirigindo-se à esposa chamava-lhe “puta”, “vaca”, “ordinária”, dizia-lhe que “não sabia fazer nada” e ameaçava-a de morte, o que ocorria periodicamente, em numero exacto de vezes não apurado mas em todo o caso com reiteração” – ponto 6 dos factos provados; “nessas ocasiões, por vezes, e também com alguma frequência dava-lhe empurrões” – ponto 7 dos factos provados; “(…) arguido passou também a, com periodicidade exacta não apurada, aquando das citadas discussões, por vezes o arguido, além de empurrar a sua mulher M...(…)- ponto 8 dos factos provados, bem como as expressões utilizadas “nessas ocasiões, por vezes e também com alguma frequência” (ponto 7 dos factos provados), “noutras ocasiões” (ponto 12 e 19 dos factos provados), “numa ocasião” (ponto 14 dos factos provados), “outras vezes” (ponto 15 dos factos provados), “frequentemente” (ponto 13 dos factos provados) não passam de afirmações genéricas e conclusivas dentro de um dado limite temporal, não traduzindo imputações concretas, circunstanciadas no tempo e no espaço, do número de agressões feitas, espécie, gravidade e respectivas consequências de modo a poder-se concluir por um tratamento de maus tratos físico-psiquicos.

  3. Não basta fazerem-se afirmações genéricas e apenas concretizar duas agressões: uma ocorrida há mais de 20 anos (1989 – ponto 8 dos factos provados) e outra em Julho de 2005 (pontos 30 e 33 da matéria de facto provada).

  4. Pelo que os factos dados como provados não podem ser subsumidos no dispositivo legal por que o arguido vem condenado, uma vez que a época e a frequência, concretamente retirada dos factos provado, são imprescindíveis à subsunção do tipo legal de crime previsto e punido nos nº 1 e nº 2 do art. 152º do Código Penal.

  5. Só assim se justifica a existência de uma norma jurídica autónoma com o seu próprio conteúdo de desvalor.

  6. Os factos provados não preenchem os elementos do tipo legal de crime de maus tratos a cônjuge ou de sobrecarga de menores, pelo que deverá ser absolvido da prática dos crimes por que veio acusado e condenado.

  7. O Tribunal recorrido procedeu a uma errónea interpretação e aplicação do artigo 152º n.º 1 e n.º 2 do CP, na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.

  8. O Tribunal recorrido terá ainda incorrectamente julgado a matéria de facto, uma vez que em sede de audiência e julgamento não foi produzida prova bastante para tal – que o “arguido empurrava a sua mulher contra paredes e móveis de casa, deitava-a no chão, dava-lhe pontapés (…)” (ponto 8 dos factos provados) - ou a prova produzida impõe decisão diversa da recorrida – a arguida nunca exprimiu a expressão “qualquer dia” (dos pontos 11 e 12 dos factos provados), em verbalizações que vêm acolhidas na sentença como crime de ameaça.

  9. Na verdade, tais factos apreciados à luz da intimidade do lar, terão de colocar as pessoas ofendidas numa situação que se devam considerar vítimas, mais ou menos permanentes, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade dentro do ambiente conjugal/familiar. O que in casu nunca se verificou.

  10. A vida em comum dos cônjuges, sob o mesmo tecto e agindo como se de estranhos se tratassem, estaria já há muito completamente inviabilizada com acção de divórcio intentada pelo cônjuge mulher em Maio de 2002.

  11. A protecção dada pela norma contida no n.º 2 do artigo 152º, do C.P. (anterior redacção) não se pode bastar com um casamento existente apenas no papel.

  12. A actuação do arguido relativamente aos seus filhos deve ser entendido como exercício de um poder correctivo de educação, no âmbito de discussões geradas com o pai, em torno de questões para as quais já sabiam da sua não aprovação, em época em que já eram adolescentes crescidos ou jovens adultos.

  13. A expulsão de casa da filha T... e do filho F... deu-se quando já seriam maiores de idade, a primeira maior de 19 anos e o segundo maior de 21 anos e ambos com autonomia económica.

  14. Para aquilitar sobre a prática de crimes de maus tratos, é igualmente importante averiguar da personalidade das vítimas, uma vez que o arguido agia na sequência de discussão a provocação delas.

  15. Razões que justificam e apontam para a exclusão da ilicitude das condutas do arguido e impõem a sua absolvição.

  16. Sem prescindir, sempre considera o arguido que foi alvo de uma excessiva condenação ao ser-lhe aplicada, em cúmulo jurídico, uma pena de 4 anos e seis meses de prisão suspensa por igual período sob condição de pagar €500,00 à APEPI, sendo que a referida suspensão será ainda sujeita a regime de prova.

  17. O tribunal recorrido considerou, por lapso, que o máximo a atender para balizar o referido cúmulo seria de 7 anos e seis meses de prisão, quando na verdade a soma das penas parcelares aplicadas correspondem a 6 anos de prisão.

  18. Considerando que a maior das penas parcelares aplicadas foi de 2 anos e 6 meses de prisão, tal constituirá o limite mínimo de condenação.

  19. Limite esse considerado suficiente em termos de pena a aplicar ao arguido, uma vez que coincidirá com o mínimo a considerar tendo em conta a defesa do ordenamento jurídico e consequentemente com as necessidades de exigências requeridas pela prevenção geral.

  20. Quanto ás exigências de prevenção especial, a faculdade apurada conduz a uma prognose favorável ao arguido e daí a suspensão da execução da pena.

  21. A decisão recorrida, por aplicação do actual regime constante dos art. 53º n.º 1 e 3 do CPP (redacção dada pela Lei n.º 79/2007, de 4 de Setembro), sujeitou o arguido a regime de prova, por aplicação automática do referido n.º 3, dada a medida da pena ter ultrapassado os três anos de prisão.

  22. Conforme supra alegado e atendendo a que não deve ser aplicada a ao arguido pena de prisão superior a 3 anos e o regime de prova não dever ser considerado um mal acrescido, só deve ser decretado se e na medida em que tiver por objectivo alcançar a ressocialização.

  23. O que in casu não se verifica – o arguido tem 54 anos de idade e não tem quaisquer antecedentes criminais, relacionados ou não com actos violentos contra pessoas, já está divorciado, cessou a co-habitação com a mulher há mais de 2 anos e meio, não havendo especiais razões para vigiar a sua readaptação social (art. 53 n.º 2do C.P.), pelo que a aplicação de tal regime poderá ter efeitos contrários aos pretendidos, ao prevenir causas que já não se justificam.

  24. Razão pela qual deverá ser revogado o regime de prova.

  25. Nos termos do artigo 2º nº 4 do CPP “quando as disposições vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis penais posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente(…)”.

  26. A redacção actual do artigo 53º n.º 3 só permite a aplicação cumulativa de deveres com regras de conduta, sendo mais favorável ao arguido a sua aplicação, já que na redacção anterior se permitia também a cumulação com o regime de prova.

  27. Resulta daí que a decisão de que se recorre também enferma de invalidade ao aplicar cumulativamente o dever de entrega de €500,00 com sujeição a regime de prova.

  28. A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 50º n.º 2 e 3, n.º 1 e n.º 3, 71º, n.º 1 e n.º 2, 77º, n.º 1 e n.º 2, todos do CP.

  29. Discorda ainda o arguido da sua condenação em valor a...

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