Acórdão nº 1589/08.1TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2009
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 08 de Setembro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
A... (A. e neste recurso Apelante) intentou[1] contra B... e mulher, C...
(RR. e neste recurso Apelados), a presente acção declarativa de condenação, nela formulando os pedidos que aqui se transcrevem: “[…]
-
Reconhecer que D... e esposa E..., venderam a F... e esposa, G... a «Fracção Autónoma designada pela letra F, correspondente ao primeiro andar direito, para habitação, com lugar de estacionamento F-um na subcave direita e arrecadação F-um no sótão, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, designado por lote dois, sito na Quinta dos Bentos, Bairro da Luz, freguesia de S. Vicente, cidade e concelho da Guarda, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 2665 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº 1521 da mesma freguesia».
B) Reconhecer que, com a venda do imóvel, os vendedores entregaram aos compradores uma planta identificativa do lugar de garagem (cfr. Doc. 2).
C) Reconhecer que F... e esposa, G... venderam ao A. e sua esposa a Fracção Autónoma acima identificada.
D) Reconhecer que, com a venda do imóvel, os vendedores entregaram aos compradores uma planta identificativa do lugar de garagem (cfr. Doc. 2).
E) Reconhecer que o A. é proprietário e legítimo possuidor da Fracção Autónoma melhor identificada no artigo 1º da p. i.
[2].
F) Reconhecer que, pelo menos desde o Ano de 1992 até 2007, quer o A. quer os seus antecessores no direito, sempre usaram [e] fruíram tal espaço, aí estacionando a sua viatura e aí guardando lenha, produtos agrícolas e outros pertences.
G) Reconhecer que a transacção efectuada no âmbito do processo nº 537/07.0TBGRD, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, além de não vincular o A., não foi objecto de cumprimento por parte do R..
H) Reconhecer que a planta junta sob Doc. 5[3] (projecto de alteração aos lugares de garagem), não foi objecto de execução, de forma que o prédio e a respectiva cave encontram-se, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da planta anexa sob o Doc. 2.
I) Reconhecer que a planta anexa sob o Doc. 5 (que serviu de base à transacção efectuada no âmbito do processo nº 537/07.0TBGRD) não se conforma com a lei, nem pode servir de base aos projectos apresentados (designadamente, com a alteração ao projecto inicial), nem com a realidade física existente.
J) Reconhecer que o prédio e a respectiva cave encontram-se, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da planta anexa sob o Doc. 2, não contemplando as alterações constantes da planta anexa sob o Doc. 6.
K) Reconhecer que o R. ainda não efectuou quaisquer obras de reposição do seu lugar de garagem, tal como o mesmo se encontra projectado (cfr. alínea E) da referida transacção).
L) Reconhecer que o R. ocupa ilegitimamente e sem qualquer título a totalidade do espaço de garagem do A..
M) Condenar os RR. a restituir ao A. o seu lugar de garagem, bem como daí retirar a lenha e todos os seus pertences, investindo, novamente, o A. na totalidade da sua propriedade e posse.
N) Condenar, ainda, os RR. a indemnizar o A. por todos os danos causados numa quantia nunca inferior a €1.000,00, por cada ano em que devido à conduta ilícita dos RR., o A. se viu desapossado da sua posse e propriedade no lugar de garagem.
[…]” [transcrição de fls. 11/13] Para compreensão do sentido destes catorze pedidos cumulados importa ter presente a circunstância do A. e sua mulher terem adquirido, em Janeiro de 1999, a fracção autónoma indicada no pedido formulado na alínea A), integrando esta um lugar de garagem na cave (é a este elemento parcelar da fracção que se refere, em exclusivo, a presente acção) cuja configuração espacial entende o A. (e entende-o a sua mulher, v. nota 2) corresponder à planta que junta como Doc. nº 2 (fls. 98). Através de uma acção intentada pela mulher do A.
[4], em 2007 no Tribunal Judicial da Guarda (2º Juízo; Processo nº 537/07.0TBGRD), pretendeu esta afirmar a realidade física desse lugar de garagem correspondente a essa planta de fls. 98, situação à qual agora o A. pretende retornar, sendo que essa acção terminou por via da transacção que se mostra certificada a fls. 95/97 (é esta a transacção referida na alínea G) do pedido acima transcrito), a qual foi alcançada em audiência de discussão e julgamento e assentou na consideração pela aí A. (mulher do aqui A.) e pelo aqui R. marido (nesse processo R. exclusivo) de corresponder o lugar de garagem em causa (em causa nessa e nesta acção), à delimitação espacial ilustrada pela planta de fls. 99 (o tal Doc. nº 5, referido na alínea H) do pedido e na nota 4, supra), e não ao da planta de fls. 98.
Dado o inegável interesse para o tema deste recurso, aqui se transcreve o teor da transacção alcançada nesse Processo nº 537/07.0TBGRD, aqui pretendida ultrapassar através da presente acção, sublinhando-se ter sido essa transacção homologada por sentença (a Sentença certificada a fls. 96/97), nos termos do artigo 300º, nº 3 do Código de Processo Civil (CPC): “[…] Seguidamente pelo Mmo. Juiz foi tentada a conciliação das partes, o que logrou conseguir, tendo pelos advogados das partes e na presença da A. H... e do R. B... sido dito que põem fim à presente acção através da seguinte transacção:A)A A. e o R. reconhecem e aceitam que a planta cuja cópia consta de fls. 29 [fls. 98 destes autos] foi objecto de alteração, pela planta cuja cópia consta a fls. 51 [fls. 99 destes autos], tendo sido esta planta alterada, que foi aprovada pela Câmara Municipal da Guarda;B)A A. e o R. reconhecem mutuamente que o lugar de garagem que pertence à A. é o designado pela letra F na planta de fls. 51 [fls. 99 destes autos] e que o lugar de garagem que pertence ao R. é o designado pela letra D que consta na mesma planta;C)A A. e R. comprometem-se a respeitar mutuamente os lugares de garagem referidos e pertencentes à parte contrária, não impedindo o estacionamento em qualquer deles;D)A. e R. comprometem-se ainda a não colocarem quaisquer objectos que impeçam a entrada para os referidos acessos de garagem;E)A A. reconhece que tem depositada lenha no lugar de garagem pertencente ao R. e compromete-se a retirá-la de tal espaço logo que se dê início às obras, para reposição do lugar de garagem pertencente ao R., tal como se encontra projectado – ou caso se verifique que tais obras são inviáveis,F)A A., por mera tolerância, e até ao facto referido na alínea que antecede, permite que o R. estacione o seu veículo de modo a ocupar apenas a parte do espaço da sua garagem que se situa em frente ao pilar – sem com isso impedir o estacionamento do veículo da A. no seu espaço de garagem.
[…]” [transcrição de fls. 95/96] É esta a transacção que o A. pretende aqui afastar[5], invocando (além da não oponibilidade a ele do caso julgado formado no Processo nº 537/07.0TBGRD) que a aceitação dessa transacção pela sua mulher “[p]art[iu] de erro” (di-lo expressamente no artigo 38º da p.i. a fls. 6) e que pressupunha a realização de obras a cargo dos RR., obras que não tiveram lugar[6] e que, em qualquer caso, não seriam legal e fisicamente possíveis[7].
1.1.
Os RR. contestaram a fls. 49/59, deduzindo as excepções de ilegitimidade do A. (por estar desacompanhado da mulher) e de caso julgado (ofensa do que se formou no Processo nº 537/07.0TBGRD, através da prolação da Sentença homologatória da transacção que pôs termo a essa acção), impugnando o pedido e formulando reconvenção dirigida ao reconhecimento do seu espaço de garagem (com a configuração da planta de fls. 99 aceite na mencionada transacção), acrescentando o pedido de condenação do A. como litigante de má fé.
1.1.1.
O A. respondeu às excepções a fls. 85/91[8].
1.2.
Encerrada a fase dos articulados, foi proferido, pondo termo à causa, o despacho Saneador-Sentença de fls. 102/111 – constitui este a decisão objecto do presente recurso – no qual, embora tenham sido equacionadas (sem uma resolução expressa) outras questões (a saber: a da legitimidade[9] e a aí qualificada como “impossibilidade jurídica”[10]), foi julgada verificada a excepção dilatória de caso julgado (formado no Processo nº 537/07.0TBGRD), sendo os RR. absolvidos da instância (por lapso de escrita disse-se na Sentença, a fls. 111, que a absolvição era do pedido; cfr. artigos 493º, nº 2 e 494º, alínea i) do CPC, este na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que alterou a qualificação da excepção de caso julgado).
1.3.
Inconformado, interpôs o A. o presente recurso, motivando-o a fls. 114/123, juntando com esta peça um documento (fls. 124/126)[11], formulando as seguintes conclusões: “[…]
-
A construção e a realidade física do prédio em causa nos autos, no que tange às garagens, está conforme à planta junta com a p.i. [documento de fls. 98]; B) A ter sido a planta junta [a fls. 99], a servir de base à aprovação da propriedade horizontal, tal facto constitui erro notório, como se pode constatar com uma simples observação e/ou inspecção judicial ao prédio em causa; C) A licença de utilização emitida terá, necessariamente, de estar em conformidade com a realidade física existente. E a realidade física existente está conforme a planta [de fls. 98], sendo certo que o prédio e a respectiva cave encontram-se, ainda hoje, fisicamente, tal como consta da referida planta, não contemplando as alterações constantes da planta [de fls. 99]; D) no caso em apreço impunha-se ao Juiz a quo, a audição das testemunhas arroladas nos articulados, como, também, a inspecção judicial ao local em questão, para constatar a realidade física existente, dado existirem nos autos duas plantas contraditórias; E) Impunha-se ao Juiz a quo aferir da verdade material, ou seja, diligenciar no sentido de comprovar qual das duas teses […] tinha correspondência com a realidade. No caso em apreço, o Juiz a quo ignorou o poder-dever que lhe impõe o artigo 265º, nº 3 do CPC; F) Ao contrário do entendimento perfilhado pelo...
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