Acórdão nº 44/07.1TBGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA Sumário: I - A obrigação de indemnização por culpa na formação do contrato depende da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: facto ilícito, culposo, danoso e causal, sendo certo que quer o facto, quer a ilicitude, estão necessariamente ligados aos dois requisitos distintivos deste tipo de responsabilidade.

II - Para além disso, surgem outros dois requisitos determinados pela natureza do instituto: em primeiro lugar, é necessário que existam efectivas negociações e que elas tenham fundamentado uma razoável base de confiança e, em segundo lugar, a ruptura das negociações deve ser caracterizada como ilegítima.

III - A ruptura é ilegítima, arbitrária, intempestiva e sem justa causa quando configure, atentas as expectativas geradas, um comportamento desleal e merecedor de censura em face da boa fé.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc.º N.º 44/07.1TBGDL.E1 Apelação 1ª Secção cível Tribunal Judicial da Comarca do Alentejo Litoral Recorrente: Policlínica de ......................, Lda, Recorrido: C.................... – Promoção imobiliária, unipessoal, Lda.

* C.................... – Promoção Imobiliária, Unipessoal, SA, propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra Agostinho ........ e Policlínica de ......................, Lda, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 3.040,73 a título de custo pelo financeiro do atraso na celebração dos contratos definitivos, a quantia de € 3.040,73 a título de custo financeiro do atraso na amortização dos empréstimos contraídos, a quantia de € 1.942,52 correspondente ao custo que a autora teve que suportar com a adaptação do projecto de arquitectura e a quantia de € 24.357,30 a título de obras suportadas com as alterações introduzidas no imóvel por causa imputável aos réus, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a citação até ao pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que é uma sociedade que se dedica à indústria da construção civil e imobiliária e nesse âmbito construiu um edifício com duas fracções no rés-do-chão destinadas a habitação.

Em Setembro – Outubro de 2005 o réu visitou o edifício e mostrou-se interessado na aquisição das duas fracções de rés-do-chão para aí instalar uma clínica caso as fracções pudessem ser licenciadas para serviços.

Então acordaram a venda das fracções por € 200.000 e a autora promoveu a alteração do alvará, a alteração ao projecto de arquitectura e a realização de obras de adaptação das fracções.

Em Maio de 2006 o réu comunicou à autora que já não tinha interesse na aquisição das fracções autónomas e, por isso, não iria celebrar o negócio, sendo que desconhece se o réu actuou em nome próprio ou em representação da ré.

Em face da procura ocasional deste tipo de imóveis para esta finalidade na localidade de Grândola e perante a desistência do réu, a autora efectuou obras de readaptação do espaço novamente para a finalidade de habitação.

A autora gastou € 1.942,52 no pagamento ao arquitecto e € 24.357,30 nas obras que realizou. Acresce que as obras originaram um atraso de sessenta dias na conclusão da obra, o que impediu a obtenção das licenças de utilização e a realização das escrituras, sendo que três das fracções já estavam prometidas vender pelo preço total de € 287.500.

Assim a autora teve um atraso no recebimento deste valor deixando de ganhar € 3.040,73 e teve custos financeiros – juros – e encargos bancários de igual montante por não poder amortizar o valor que pediu emprestado antes desse período.

Contestaram os réus alegando, em síntese, que a ré explora uma clínica sita em Grândola desde 1999 e como se aproxima o fim do contrato de arrendamento de duração limitada do imóvel onde está instalada, o réu começou a procurar espaços para a instalação da mesma.

Nesse âmbito visitou o edifício que a autora estava a construir e iniciou a negociação da aquisição das referidas fracções desde que as mesmas pudessem ser utilizadas para serviços e existissem condições de preço vantajosas.

Nesse sentido propôs dois preços alternativos e enviou a um arquitecto um esboço de adaptação das fracções.

Todavia surgiu uma divergência fundamental no preço e desinteressou-se do negócio nos princípios de Março de 2006. Por isso e por as obras que afirma ter feito não terem sido feitas por causa imputável aos réus, o atraso na concretização de negócios não lhes é imputável.

Acresce que a autora alega factos que sabe não corresponderem à verdade e, por isso, deve ser condenada como litigante de má – fé.

Em suma, agiram sempre em conformidade com a boa fé e devem, por isso, ser absolvidos do pedido. Mais deve a autora ser condenada como litigante de má – fé em multa e indemnização a favor da ré.

Replicou a autora alegando, em síntese, que não existe qualquer litigância de má – fé.

Saneados e condensados os autos realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do seu legal formalismo, após o que se proferiu decisão sobre a matéria de facto, sem reclamações.

Por fim foi proferida sentença onde se decidiu julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência: - Condenar « a ré Policlínica de ......................, Lda, a pagar à autora C.................... – Promoção Imobiliária, Unipessoal, SA, a quantia de onze mil e trinta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos acrescida de IVA à taxa vigente em 2006 sobre a quantia de nove mil e noventa e cinco euros e de juros de mora à taxa legal desde a citação até ao pagamento, absolvendo a ré da parte restante do pedido;» - Absolver o réu Agostinho ........... do pedido; - Julgar improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má – fé.

*Inconformada veio a R. interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões: « A) A responsabilidade pré-contratual depende da verificação dos requisitos fixados no nº 1 do art. 227º do Código Civil, a saber, um facto voluntário, ilícito, culposo, de que resulte, como consequência directa e necessária, um dano; B) A A., empresa cuja actividade tem como objecto a promoção imobiliária, tinha obrigação de, previamente à execução de qualquer obra de alteração das fracções para adaptação a clínica médica, cuidar da fixação de todos os elementos do negócio, incluindo o preço; C) A Rec.te, não tinha obrigação de conhecer os meandros do negócio – a sua actividade é a clínica médica – e tinha legítima expectativa de ver reduzido o montante inicialmente pedido pela A. a título de preço; D) Confrontada com a irredutibilidade do preço, e uma referência a aumento, é legítima, lícita e não culposa a ruptura das negociações pela Rec.te; E) Tendo a douta sentença feito errada valoração e ponderação crítica dos factos à luz dos dados da experiência comum; F) Pelo que, ao julgar verificados os requisitos de ilicitude e culpa da responsabilidade pré-contratual da Rec.te, violou o disposto no nº 1 do art. 227º do Código Civil; G) Devendo ser proferido Acórdão revogando a douta sentença e, julgando não verificados tais requisitos, absolvendo a Rec.te do pedido; H) A não ser assim, o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio, deverá reconhecer-se que estão abrangidos pelo nexo de causalidade apenas os danos verificados até à data da ruptura das negociações, em 28 de Fevereiro de 2006 e, I) Excluído do valor do dano indemnizável o IVA, imposto reembolsável e que não constitui um custo da A., pelo que nenhum prejuízo daí resulta para ela, fixando-se o valor global do dano em € 8.231,52; J) E, a não serem julgados inverificados os requisitos da responsabilidade pré-contratual, mais uma vez sem conceder, deve atender-se à culpa da A., quer na continuação da execução de obras de adaptação após saber que o negócio não se iria concretizar, K) Quer, fundamentalmente, por não ter acautelado, como lhe competia como profissional da promoção imobiliária, a prévia negociação de todos os elementos do contrato, incluindo o preço, antes de iniciar qualquer obra de adaptação das fracções, L) O que sempre poderia fazer, mesmo celebrando contrato-promessa, condicionando-o à possibilidade física e legal de alteração do uso das fracções, M) Ao omitir tais deveres de cuidado, a A. agiu com culpa, contribuindo decisiva ou exclusivamente para a produção do dano, pelo que, deve ser excluído o direito a indemnização, nos termos do nº 1 do art. 570º do Código Civil, N) Absolvendo-se, a Rec.te do pedido por Acórdão revogatório da douta sentença».

*Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência da apelação.

*Os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) (1) salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).

A apelação tem apenas como objecto a discordância quanto à subsunção do direito aos factos e consequente decisão jurídica, para além da questão de saber se deve ser abatida à indemnização o valor do IVA.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

* Dos Factos Na primeira instância foi dada como assente a seguinte factualidade, que, por não ter sido impugnada é de manter: 1. « A autora é uma sociedade que tem por objecto a compra, venda e revenda de bens imobiliários e indústria de construção civil.

  1. No exercício da sua actividade a autora procedeu à construção de um edifício, projectado com diversas fracções autónomas sito na Rua D. Afonso Henriques em Grândola.

  2. O projecto e licenciamento do prédio referido incluíam no rés-do-chão duas fracções destinadas a habitação.

  3. Entre os meses de Setembro – Outubro de 2005 o réu Agostinho Ribeiro Patrício visitou a obra deste edifício mostrando-se interessado na aquisição de duas fracções destinadas à habitação no rés-do-chão se as mesmas pudessem ser licenciadas para serviços e ficassem unificadas numa só.

  4. O réu visava instalar uma clínica...

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