Acórdão nº 185/08.8TTSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelALEXANDRE BAPTISTA COELHO
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: APELAÇÃO SOCIAL Decisão: PROVIDA Sumário: 1. Na vigência do Código do Trabalho de 2003, a validade jurídico de um pacto de permanência depende da verificação dos requisitos exigidos pelo respectivo art.º 147º, nº 1: realização de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador.

  1. A natureza extraordinária, ou não, dessas despesas, prende-se com a sua essencialidade para o trabalhador poder continuar a exercer as funções para que foi contratado, devendo nesse caso as mesmas inserir-se no âmbito do dever genérico que ao empregador é cometido pelo art.º 120º, al. d), do referido código.

  2. Deve ser considerada nula a cláusula contratual que, para além do mais, reportou a compensação devida pelo trabalhador a um valor pré-determinado, diverso do montante das despesas comprovadamente efectuadas com a formação profissional do mesmo.

    Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal do Trabalho de Santarém, e em acção com processo comum, instaurada a 8/4/2008, W. – SA, S.A., identificada nos autos, demandou L.

    , piloto de linha área, residente no Cartaxo, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 40.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, e a restitui-lhe também mais € 675,00, que lhe foram entregues como fundo de maneio, e bem assim o material e equipamento de utilização profissional, requerendo ainda a compensação entre aqueles valores e o débito de € 3.024,98, que assume manter com o R., a título de créditos emergentes do contrato e da sua cessação. Para o efeito, alegou em resumo ter mantido com o R. uma relação de trabalho em cujo âmbito celebrou com ele um acordo mediante o qual suportaria as despesas de formação do mesmo para o habilitar a pilotar aviões Airbus A300-600 e A-310, tendo como contrapartida a obrigação de permanência do mesmo ao serviço da empresa por um mínimo de três anos após o voo de largada, e taxando-se o incumprimento com o pagamento da quantia de € 40,000; o R. veio porém a denunciar o contrato com efeitos a partir de 13/5/2007, não cumprindo aquele período mínimo, não entregando também algum material e equipamento que lhe havia sido cedido para o exercício das suas funções, nem a quantia a ele entregue como fundo de maneio.

    Efectuada a audiência de partes prevista no art.º 54º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), o R. veio contestar de seguida, excepcionando desde logo a ilegitimidade da A., por alegadamente não estar demonstrada a liquidação à S., S.A., empresa que ministrou a formação profissional do contestante, do custo do contrato que sustenta o pedido da demandante; afirmou ainda o contestante ter sido coagido a assinar o contrato de permanência, após o início da formação, e tendo sido a A. quem fixou o montante da cláusula penal envolvida, sendo por isso esse mesmo contrato anulável, nos termos do art.º 282º do Cód. Civil; para além disso, o contrato a termo que vigorava entre as partes tinha uma duração inferior àquele período de permanência obrigatória do trabalhador, obrigando-o por isso a não denunciar um contrato precário.

    À contestação respondeu a A., reafirmando a posição que assumira na p.i..

    Foi proferido despacho saneador, que considerou improcedente a excepção deduzida, dispensando a selecção da matéria de facto.

    Procedeu-se a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, sendo finalmente proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o R.: - a pagar à A., após compensação de créditos, a quantia de € 10.495,14, a título de incumprimento da obrigação de permanência e restituição do fundo de maneio, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal supletiva, vencidos desde 14/5/2007, no valor de € 741,85, e vincendos até integral pagamento; - a entregar à A. a farda, as malas, os auscultadores, os manuais e cartões.

    Inconformado com o assim decidido, dessa sentença veio apelar o A. Na respectiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões: - não se pode admitir que o Tribunal fixe o montante da cláusula 6ª do Acordo de Formação alheando-se se foram ou não deduzidos os encargos fiscais, e se o valor pago em sede de IVA foi ou não devolvido à recorrida, não devendo o recorrente suportar o custo de uma quantia que não é da sua esfera jurídica; - é perante o resultado positivo ou negativo da prova que o Tribunal deve retirar as suas ilações; - devendo ser declarada nula a cláusula sexta do Acordo de formação, porque contrário à boa fé, que norteia os negócios jurídicos; - atentos os factos assentes e a prova documental junta aos autos, a recorrida sempre soube que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada não correspondiam ao montante fixado na cláusula sexta, no entanto preferiu alhear-se de tal facto, onerando o recorrente com um pacto de permanência desfasado da situação real; - a prova produzida e vazada na douta sentença impunha ainda que o Tribunal declarasse a nulidade da cláusula penal, obtendo-se a destruição do acto inquinado, atenta a conduta da recorrida, a falta de seriedade na declaração, a reserva mental, a sua motivação ilícita, indevidamente fixa um montante indemnizatório que em nada corresponde à despesa realizada (fazendo tornar o recorrente à frota L-1011, caso não obtivesse aproveitamento no curso de A310, quando tinha optado por deixar de operar tal aeronave); - o art.º 147º, nº 1, do Cód. do Trabalho, contrariando as garantias e os direitos dos trabalhadores, mais não é que um aval do Estado concedido às entidades empregadoras, para, através de uma alegada cláusula penal, limitarem a liberdade dos trabalhadores e abusiva e unilateralmente alterarem os contratos de trabalho; - nos autos o trabalhador manteve, até à data da rescisão do contrato, um vínculo precário com a entidade patronal, sujeitando-se à discricionariedade, caso esta pretenda resolver o mesmo vínculo; - alheio às garantias do trabalhador, o Tribunal admite que a relação laboral seja regulada por um pacto de permanência de onde só o recorrente, que fica obrigado ao pagamento de uma indemnização caso viole o pacto de permanência, admitindo que a recorrida impeça o trabalhador de exercer o seu direito, rescindir livremente o contrato de trabalho, e aceitando que aquela, sem respeitar o dever de informação ao trabalhador, altere o termo do contrato, arts.º 101º, nº 1, e 98º, nº 1, al. e), do Cód. do Trabalho, agravado pelo facto de, com manifesta violação dos ditames da boa fé, obrigar o trabalhador a uma indemnização francamente excessiva, quarenta mil euros, em nada correspondentes ao valor efectivamente despendido pela recorrida na formação ministrada ao recorrente, arts.º 97º e 93º do Cód. do Trabalho; - quando, ab initio, deveria o Tribunal declarar a nulidade da cláusula, não podendo considerar o advérbio de modo, comprovadamente, ínsito no texto da lei, um mero e dispensável formalismo, pugnando por uma interpretação abrogante, pondo em causa a segurança e boa fé negocial, nomeadamente o sujeito passivo, que assim se vê submetido à álea da recorrida, que conscientemente fixa um valor a título de cláusula penal em nada correspondente com a situação real; - pois, dos factos assentes e da prova documental junta aos autos ressalta que em momento anterior à outorga do acordo de formação, a recorrida sabia que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada não correspondiam ao montante fixado na cláusula sexta, no entanto preferiu alhear-se de tal facto, com manifesta violação dos ditames da boa fé que devem prevalecer nos negócios jurídicos, obrigou o recorrido a um montante que em nada correspondia à realidade, abstendo-se de comprovar a quantia despendida; - é sobre a recorrida que recai o ónus de demonstrar quanto despendeu na formação do recorrente, não basta a remissão para o contrato de prestação de serviços celebrado entre esta e a ‘SATA Internacional, S.A.’, e onde, atentas as combinações dos cursos ministrados é impossível determinar em que categoria se insere o curso do recorrido, dois comandantes e um co-piloto, dado não ter sido apurado o custo de formação de cada uma das categorias profissionais em questão; - acresce que a formação ministrada mais não é do que o cumprimento da obrigação patronal de contribuição para a elevação do nível profissional do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional , art.º 120º, al. d), do Cód. do Trabalho. Mais, a recorrida é uma empresa de transporte aéreo, o que pressupõe, para a realização do seu objecto social, que a mesma deva possuir aeronaves e pilotos qualificados nas mesmas, não podendo considerar-se extraordinária a despesa que resulta do exercício corrente da actividade da empresa, e que a própria administração, como aliás reconheceu em juízo, determinou em meados de Novembro de 2004 que iria...

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