Acórdão nº 179/05.5TAABF de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelANA BACELAR CRUZ
Data da Resolução10 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário: 1. Quando impugne a matéria de facto, por entender que determinado ponto de facto foi incorrectamente julgado, o Recorrente tem de indicar esse ponto expressamente, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.

  1. A referência aos suportes magnéticos só se cumpre – estando o registo da prova incorporado em CD – quando o Recorrente indica, não as “voltas”, mas os pontos respectivos do suporte informático, e não apenas o respectivo início e fim do depoimento. Entendimento diverso do acabado de enunciar esvazia de conteúdo o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

  2. O Tribunal de recurso tem o poder de suprir as nulidades das sentenças, mas tal poder só pode ser exercido de forma negativa – o suprimento apenas deve ter lugar quando o Tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões que não podia conhecer. O suprimento das nulidades exercido fora destas condições conduziria à supressão de um grau de jurisdição.

  3. São diversos os bens jurídicos tutelados pelos artigos 375.º, n.º 1, e 256.º, nº 1, do Código Penal, e não existe neste diploma legal qualquer disposição que ressalve o concurso do peculato com a falsificação (enquanto meio de realização daquele) do regime geral estatuído no artigo 30º, nº 1.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO No processo comum nº…., do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, o Arguido H., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento e condenado: - como autor material de um crime doloso e consumado de peculato, previsto e punido pelos artigos 375º, nº 1, e 386º, nº 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - como autor material de um crime doloso e consumado de falsificação de documento, previsto e punido pelos artigos 256º, nº 1, alínea b), e nº 4, e 386º, nº 1, alínea c), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; - em cúmulo, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

    Inconformado(a) com tal decisão, o(a) Arguido(a) dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: «1. A matéria de facto vertida nos pontos 1 p .. 3p., 4p. e 16p. da denominada rubrica "Fundamentos de Facto - A - Factos Provados" (fls. 3 a 4 do Acórdão recorrido) encontra-se incorrectamente julgada.

  4. Motivo pelo qual, para efeitos do disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 3 do art.412° do Cód. de Processo Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto, deverá ser totalmente reavaliada pelo Tribunal de Recurso - tribunal ad quem, mediante a reapreciação de toda a prova documental constante dos autos e, bem assim, de todos os depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, os quais constam gravados das respectivas fitas magnéticas a que aludem as actas constantes de fls. 275 a 277, 281 a 282, 283 a 284, 290 a 291, 307 a 309.

  5. No que diz respeito, em concreto, à matéria vertida no ponto 1 p., em face do teor de fls. 30 dos autos em consonância com o teor dos depoimentos prestados pelo demandante cível, J., gravado em fitas magnéticas desde as voltas nº 00 01 a 2526 do lado A e desde o n° 00 01 a 08 54 do lado B, cfr. consta da acta constante de fls. 275 a 277, referente à diligência realizada em 18.09.2007 e voltas nº 00 00 a 03 28 do lado A, cfr, consta da acta constante de fls. 290 a 291, referente à diligência realizada em 29.10.2007, deverá a sua redacção ser modificada no sentido que se sugere: No âmbito dos autos de execução ordinária n°.---/97 da 1ª Secção da 4ª Vara Cível de Lisboa, foi deprecada ao Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira a venda dos bens penhorados aos ali executados J. e seu filho E..

  6. No que se refere à matéria vertida no ponto 3p., em face do teor da prova documental constante de fls. 30 a 34, 68 a 73 dos autos em consonância com o teor dos depoimentos prestados pelo demandante cível, J. e do arguido/recorrente, o daquele gravado em fitas melhor identificadas na conclusão antecedente, e o deste último gravado em fitas magnéticas desde as voltas nº 00 00 a 02 21 do lado, cfr. consta da acta constante de fls. 281 a 282, referente à diligência realizada em 09.10.2007 e voltas nº 00 00 a 29 89 dos lados A e B, cfr. consta da acta constante de fls. 307 a 309, referente à diligência realizada em 13.11.2007, deverá a sua redacção ser modificada no sentido que igualmente se sugere: Nessa qualidade, o arguido informou o executado, J. de que o valor da avaliação dos bens penhorados se cifrava no montante de 285.000$00 (duzentos e oitenta e cinco mil escudos), ou seja, €. 1.421,57 na moeda actual.

  7. No que tange à matéria vertida no ponto 4p., em face do teor da mesma prova documental e declarações prestadas em sede de audiência, referidas na conclusão antecedente, deverá a sua redacção ser modificada no seguinte sentido: A fim de evitar a remoção e venda dos bens penhorados, o dito Jorge emitiu o cheque n° …da Caixa de Crédito Agrícola e entregou-o ao arguido, a fim de este entregar tal montante ao tribunal. 6. No que concerne à matéria vertida no ponto 16p., não foi produzida qualquer prova, seja documental ou qualquer outra, que permita considerar que o demandante cível seja uma pessoa de fracos recursos económicos.

  8. Inclusivamente, nenhuma das testemunhas arroladas por qualquer um dos demandante, cujos depoimentos constam gravados em fitas magnéticas desde as voltas n° 08 56 ao n° 18 15 do lado B, cfr. consta da Acta constante de fls. 275 e 277 dos autos, referente à diligência realizada em 18.09.2007, faz referência a essa circunstância (facto esse que o tribunal a quo expressamente reconheceu - vide fls. 6 do Acórdão, nomeadamente ponto 8.) motivo pelo qual deverá a sua redacção ser modificada no seguinte sentido: O demandante J. teve que pedir à demandante E. auxílio para fazer pagamentos a que, judicialmente, estava obrigado.

  9. Ao invés, prova houve que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que não foi minimamente tida em consideração na decisão recorrida, e caso na realidade tivesse sido considerada, como aliás era obrigação do tribunal a quo pelo menos apreciar, a decisão final a proferir, estamos convictos, teria sido outra que não aquela que foi proferida.

  10. Para efeitos do plasmado na b) do nº 3 do art. 412" do Cód. de Proc. Penal, são essas provas as seguintes: a) - depoimento prestado pela testemunha H.G., gravado em fita magnética desde as voltas nº 18 71 ao nº 22 83 do lado B, cfr. consta da Acta constante de fls. 275 e 277 dos autos, referente à diligência realizada em 18.09.2007; b) - algumas passagens dos depoimentos prestados pelo demandante cível e do próprio arguido, melhor identificados nos pontos 3. 4. destas conclusões nomeadamente, e no que a este último se cinge, ao claro e inequívoco arrependimento demonstrado pela sua actuação, bem como efectiva devolução, integral, da quantia monetária de 101.000$00 ao demandante cível, acrescida de juros calculados à taxa legal em vigor, desde a data do recebimento daquele valor - Dezembro de 2001; c) - documentos constantes de fls. 296 a 306, cuja admissão aos autos foi aceite através de despacho constante da acta de fls. 307 a 309, a saber: i. cartas datadas de 11 e 16 de Outubro do ano de 2007, ambas elaboradas e subscritas pelo próprio arguido, as quais foram remetidas, através de via postal sob registo e com aviso de recepção e EMS, ao demandante cível/queixoso; ii. talões de registo comprovativos do envio das citadas cartas; iii. cheque emitido pelo arguido, a favor do demandante cível, com o nº …, sacado sobre o "Millenium - BCP", no valor de €. 653,78 (seiscentos e cinquenta e três euros, setenta e oito cêntimos).

  11. Para a eventualidade de serem atendidos os depoimentos referidos a) e b) forçosamente que a matéria vertida no ponto 7p. do Acórdão recorrido não teria sido aquela aí foi feita constar a qual, para os devidos efeitos, aqui e expressamente se impugna.

  12. Razão pela qual, em face do teor de tais depoimentos, cuja reapreciação da prova gravada terá que ser feita, para efeitos do disposto no nº 4 do artº 411º e alínea b) do nº 3 do artº 412º ambos do Cód. de Proc. Penal, deverá a matéria factual contida no citado ponto 7p. do Acórdão recorrido, ser modificada, o que se sugere seja feito nos seguintes moldes: O arguido guardou para si, como se lhe pertencesse, a quantia restante de 101 contos (503,79), a qual lhe foi entregue de livre e espontânea vontade pelo dito Jorge, quando lhe deu instruções para preencher o cheque referido em 4p. incluindo esse montante.

  13. Por seu turno, e em face das alíneas b) e c) do ponto 9. antecedente, porque o Acórdão sob censura não se pronunciou sobre as questões vertentes, ou seja, sobre o arrependimento, claro e bastante evidente, demonstrado pelo arguido, quer através da suas próprias declarações, quer através dos documentos que fez juntar aos autos, quando tinha o dever e obrigação de apreciar não somente essa sua postura e actuação, mas essencialmente os referidos documentos, estamos perante uma muito evidente nulidade da sentença a que alude a alínea c) do nº.1 do art. 379º do Cód. de Proc. Penal.

  14. Nulidade essa que, para os devidos efeitos legais, expressamente se invoca em face do estatuído no nº 2 desse mesmo normativo, sendo pois esta a sede própria para que tal arguição deva ser suscitada.

  15. Termos em que, e face ao exposto, a sentença (acórdão) proferida pelo tribunal a quo enferma do vício mais grave legalmente previsto que é a nulidade - alínea c) do nº l do artº 379º. do Cód. de Proc. Penal, cuja existência deve ser reconhecida, e consequentemente declarada, pelo Tribunal ad quem.

  16. Para a eventualidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto vir a merecer total...

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