Acórdão nº 572/03.8PAVRS de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelJOÃO LUÍS NUNES
Data da Resolução26 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário: 1 - O contrato de seguro é um contrato consensual – na medida em que se realiza por virtude do simples acordo das partes –, e formal – uma vez que a sua validade depende da respectiva redução a escrito, consubstanciada na apólice; 2 - Na interpretação das cláusulas do contrato de seguro deve observar-se a disciplina jurídica contida nos artigos 236.º a 238.º, do Código Civil, que consagram, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário; 3 – Mas na interpretação da vontade dos outorgantes, no âmbito de um contrato de seguro, podem relevar várias circunstâncias, nomeadamente os termos da apólice, as prévias negociações entre as partes, os seus conhecimentos profissionais e a conduta prosseguida na execução do contrato; 4 - Não obstante o artigo 429.º, corpo, do Código Comercial, aludir a «nulidade» do contrato de seguro, a doutrina e jurisprudência vêm entendendo que se trata de uma anulabilidade; 5 - Porém, não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: embora competindo ao segurado, dentro do princípio da boa fé que deve nortear a celebração dos contratos, prestar as declarações exactas e necessárias à celebração do contrato, a anulabilidade só existe desde que as declarações inexactas ou reticentes possam ter influência na opinião do risco, sendo susceptíveis de tornar o sinistro mais provável ou mais amplas as suas consequências; 6 - Tal não se verifica se uma seguradora aceitou celebrar um contrato de seguro com um veículo de matrícula estrangeira – desrespeitando as regras impostas pelo Instituto de Seguros de Portugal –, e sem apurar, posteriormente, que a matrícula se encontrava caducada, mas não se prova que se a seguradora soubesse que o veículo tinha a matrícula caducada ou que não fora solicitada a sua legalização em Portugal, não teria aceite o seguro; 7 - Através da imposição do seguro obrigatório de responsabilidade civil, visa-se acautelar os direitos e as garantias das pessoas lesadas pelo «acidente»; 8 - Tais direitos e garantias mantêm-se mesmo nos casos de acidentes dolosamente provocados com veículos; 9 - Nesta situação continua a responder, em 1.ª linha, a seguradora para quem havia sido transferida a responsabilidade civil emergente de acidente com o veículo, assistindo-lhe o direito de regresso contra o causador do acidente, nos termos previstos no artigo 19.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro; 10 - Mostra-se adequada a indemnização de € 60.000,00, a título de perda do direito à vida, considerando que o falecido tinha, à data do acidente, 38 anos de idade, gozava de boa saúde, era pessoa alegre, expansiva, sociável, com alegria de viver e exercia a actividade profissional de subchefe da PSP; 11- E, tendo em conta que o falecido e os demandantes (viúva e dois filhos menores) constituíam um agregado familiar que vivia em harmonia e era feliz, existindo entre eles fortes laços de afeição, amor e carinho, passando, a partir da morte daquele o comportamento dos demandantes a pautar-se por tristeza, angústia, desgosto, abalo psicológico, vindo a necessitar de acompanhamento psicológico, tendo a demandante viúva passado a sofrer de depressão, justifica-se a fixação a esta de uma indemnização de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais e aos demandantes/filhos menores de € 25.000,00 a cada um; 12 - Considerando que a vítima auferia mensalmente € 1.136,39, que tinha 38 anos de idade à data da morte, que despendia para a satisfação das necessidades pessoais cerca de 1/3 do vencimento mensal e que reunia condições que lhe permitiam concorrer ao posto de chefe da Polícia de Segurança Pública, entende-se adequado fixar os danos patrimoniais futuros em € 250.000,00; 13 - As indemnizações por danos patrimoniais em caso de acidente simultaneamente de viação e de trabalho não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido. Nestas situações, quem responde em 1.ª linha pela reparação integral do acidente é o responsável pelo acidente de viação (ou a seguradora para quem foi transferida a responsabilidade civil), já que é este que funciona como causa mais próxima do dano; 14 - Tendo transitado em julgado o anterior acórdão que determinou que caso os demandantes tivessem recebido pensões de sobrevivência, indemnização por cessação de funções da vítima e subsídio por morte, deveriam ser deduzidas ao valor da indemnização por danos patrimoniais futuros, verificado tal recebimento, impõe-se proceder à correspondente dedução.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, o Ministério Público deduziu acusação contra. M., L. e J.

imputando-lhes factos susceptíveis de integrarem a prática dos seguintes crimes: 1. ao arguido M., em concurso real e em autoria material e na forma consumada, de (i) um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 25°, alínea a), 21º, n°1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro com referência às Tabelas 1-A e 1-E e artigo 9º da Portaria 94/96, de 26 de Março, em co-autoria material com os arguidos L. e J. e na forma consumada, (ii) um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punível pelo artigo 347° do Código Penal, em co-autoria material com os arguidos L. e J. e na forma consumada, (iii) um crime de dano qualificado, previsto e punível pelo artigo 213°, nº 1, alínea a) e c) do Código Penal, em co-autoria material com os arguidos L. e J. e na forma consumada, (iv) um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, 132°, n°1 e nº 2, alíneas f), g), i) e j) do Código Penal; 2. à arguida L., em concurso real e em autoria material e na forma consumada, (i) um crime de receptação, previsto e punível pelo art. 231°, n°1 com referência ao artigo 233°, ambos do Código Penal, em co-autoria material com os arguidos M. e J. e na forma consumada, (ii) um crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto e punível pelo artigo 347° do Código Penal, em co-autoria material com os arguidos M. e J. e na forma consumada, (iii) um crime de dano qualificado, previsto e punível pelo artigo 213°, nº 1, alíneas a) e c) do Código Penal, em co-autoria material com os arguidos M. e J. e na forma consumada, (iv) um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 131°, 132°, n°1 e 2, alíneas f), g), i) e j) do Cód. Penal e 3. ao arguido J., em concurso real e em autoria material e na forma consumada, (i) um crime de auxílio material, previsto e punível pelo artigo 232°, n°1 do Código Penal, em autoria material e na forma consumada, (ii) um crime de desobediência qualificada previsto e punível pelo artigo 348°, nº 1 e 2 e artigo 22, nº 1 e 2 do Decreto-lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, em co-autoria material com os arguidos M. e L. e na forma consumada, (iii) um crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto e punível pelo artigo 347° do Código Penal, em co-autoria material com os arguidos M. e L. e na forma consumada, um crime de dano qualificado, previsto e punível pelo artigo 213°, nº 1, alíneas a) e c) do Código Penal, em co-autoria material com os arguidos M. e L. e na forma consumada, (iv) um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 131°, 132°, n°1 e 2, alíneas f), g), i) e j) do Código Penal.

M.L., viúva, residente em Vila Real de Santo António, foi admitida a intervir nos autos como assistente, tendo, juntamente com os seus filhos T. e J., deduzido pedido de indemnização civil contra: 1. AXA Portugal – Companhia de Seguros, S.A., sedeada em Lisboa, com os demais sinais identificadores constantes dos autos; 2. J., acima identificado; 3. M., acima identificado; 4. L., também acima identificada, pedindo a condenação solidária dos demandados a pagarem: - a título de dano moral da vítima (sofrimento gerado) nos momentos imediatamente antecedentes e posteriores ao atropelamento em quantia nunca inferior a € 50.000,00; - a título de perda do direito à vida de A., num quantitativo nunca inferior a € 125.000,00; - a título de danos morais sofridos pela viúva e pelos filhos menores da vítima, resultantes da dor sofrida pela perda do marido e pai, nos montantes nunca inferiores, respectivamente de, € 100.000,00 para a viúva e em valor nunca inferior a € 100.000,00, a dividir em partes iguais pelos dois filhos menores (€ 50.000,00 para cada filho menor); - a título de danos patrimoniais, dos previsíveis lucros cessantes e a título ‘Jure hereditario”, a favor dos demandantes, em quantia nunca inferior a € 500.000,00; - a título danos patrimoniais futuros dos dois filhos menores que podiam exigir alimentos à vítima, em valor nunca inferior a € 100.000,00, a dividir em partes iguais (€ 50.000,00 para cada filho), para cobertura das respectivas necessidades, até perfazerem a idade de 24 anos; - a título das despesas do funeral que a viúva de A. pagou à empresa “L. Agências Funerárias - … Lda.”, a quantia total de 1.421,00 €; - juros de mora à taxa legal, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.

Alegaram, para o efeito, e em síntese, que o veículo interveniente em «acidente», de que resultou a morte de A. – à data marido da 1.ª demandante e pai dos restantes – tinha a responsabilidade emergente de acidentes de viação transferida para a seguradora demandada AXA, SA, e os danos decorrentes desse «acidente».

Por sua vez, o Hospital Distrital de Faro deduziu pedido de indemnização civil contra (i) Fundo de Garantia Automóvel, (ii) J. (iii) M. e (iv) L., acima identificada, em que pede a condenação dos demandados a pagar-lhe a...

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