Acórdão nº 1158/08.6GTABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução15 de Outubro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário: 1. Não prevendo a lei qualquer margem de erro, para os resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação do teor de álcool no sangue, em que são usados aparelhos certificados e não existindo quaisquer elementos de prova que suscitem dúvidas sobre a fiabilidade de aparelho concreto usado no exame, deve considerar-se assente o resultado obtido, sem dedução de qualquer margem de erro.

  1. Tendo o tribunal considerado como provado um valor inferior ao resultado do exame efectuado e não decorrendo dos autos, nem da fundamentação da decisão recorrida, que tenha sido produzida prova susceptível pôr em causa a fiabilidade do aparelho usado, ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova.

    Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, na Relação de Évora: I - Relatório Nos autos de processo abreviado ….do 2.º Juízo de Competência Criminal de Loulé, foi submetido a julgamento o arguido M.I.P., melhor identificado nos autos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art. 292.º n.º1 e 69.º n.º1, alin. a) do Código Penal, vindo, por sentença proferida em 11.03.2009 (mas apenas depositada em 25.03.2009, a ser absolvido da prática desse crime (cf. fls.66 a 78).

    Não conformado, o Ministério Público veio interpor recurso para esta Relação, nos termos constantes de fls.83 a 91, pugnando pela revogação da sentença e sua substituição por outra que condene o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1- O arguido foi submetido ao teste de despistagem de álcool no sangue, através do ar expirado, no aparelho "DRAGER 7110 MKIII P", tendo acusado uma "tas" de 1,28 g/l em contraprova.

    2- O aparelho "Drager, modelo 7110 MKIII P" foi construído, aferido, fiscalizado e aprovado para detectar taxas de álcool no sangue e não margens de erro, pelo que haverá sempre uma certeza maior na "tas" do que nas "margens de erro", e, isto dentro do relativismo em que todos vivemos e laboramos.

    3- Ao não se entender assim, O Tribunal "a quo" estará em nossa opinião a questionar o suporte legal de toda e qualquer decisão, pois a tudo, incluindo as doutas decisões ou despachos sejam de quem forem, poder-se-á aplicar margens de erro...

    4- Os analisadores quantitativos de álcool no ar expirado, maxime aquele em que o arguido foi testado, são aprovados pelo Instituto Português da Qualidade e sujeitos a verificações periódicas que obedecem a exigências técnicas, metrológicas e físicas, legalmente fixadas.

    5- Os "EMA" -erros máximos admissíveis - são considerados aquando da aprovação e das verificações periódicas a que são sujeitos os alcoolímetros e também antes da certificação pelo "IPQ", regime a que o "DRAGER 7110 MKIII P" foi submetido.

    6- Não existem razões para o Julgador aplicar uma vez mais tais "pretensas margens de erro", as quais foram oportunamente consideradas pelo Instituto Português da Qualidade.

    7- Existe Jurisprudência recente que aponta no sentido por nós preconizado no presente recurso, nomeadamente: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22/5/2007, proc.441/07-1, in www.dgsi.pt.. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/10/2007, proc.4223/2007 e da Relação do Porto de 6/2/2008, Proc.JTRP00041033,RP200802060716626, também na www.dgsi.pt., entre outras decisões semelhantes. Em sentido idêntico Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Recurso n°3095/07, de 25 de Março de 2008, Proc. 1026/07 9GB LLE, do 2° juízo criminal, tendo sido anulado o julgamento da 1.ª instância, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Recurso n°1213/08-1, de 24/6/2008.

    8- Apesar de na douta sentença se explicitarem os argumentos que levaram à aplicação ao caso concreto das margens de erro admissíveis:"EMA", afigura-se-nos que são insuficientes e não adequados ao caso concreto, devendo ser afastados.

    9- Ao decidir pela absolvição do arguido violou a douta sentença recorrida, o consignado no art. 292°, n°1, do Código Penal e 410°,n°2, al. c) do Código de Processo Penal, devendo ser substituída por outra que retire os factos dados como não provados, considerando-os provados e condene o arguido pela prática de um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artigo 292°, n°1 Código Penal.

    10- Deverá também o arguido ser sancionado na inibição de conduzir veículos com motor, aliás como o impõe o art. 69° do Código Penal.” O arguido não respondeu ao recurso, que veio a ser admitido por despacho de 25.06.2009.

    Nesta Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanhando e subscrevendo os fundamentos invocados pelo Ministério Público na motivação do recurso, emitiu o douto parecer de fls.109 a 113 no sentido da procedência deste.

    Foi cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, não tendo o arguido usado do direito de resposta.

    Efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência cumpre agora decidir.

    II – Fundamentação.

    Delimitação do objecto do recurso.

    Como é amplamente sabido, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões e por elas limitado - veja-se o Ac. do S.T.J. de 19/4/94, C.J., Ano II, Tomo II, pg. 189 e ainda, entre muitos outros, os Ac. do S.T.J. de 29/2/96, proc. n.º 46740, de 21/4/97, proc. n.º 220/97, de 2/10/97, proc. n.º 686/97 e de 27/5/98, proc. n.º 423/98, no C.P.P. Anotado de Simas Santos e Leal Henriques, 2ª Ed., pag. 808, 795 e 797, respectivamente - isto sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são as nulidades insanáveis e os vícios da sentença prevenidos no art. 410 n.º2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” - Ac. do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R. I-A Série de 28.12.95.

    No presente recurso está em causa, no essencial, saber se o julgador incorreu em erro notório na apreciação da prova ao aplicar à TAS revelada pelo alcoolímetro uma margem de erro de 8% e as consequências daí decorrentes.

    O tribunal deu como provados e não provados os seguintes factos: Factos provados.

  2. No dia 17 de Outubro de 2008, pelas 22h30m, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula ---LLE----, na Rua Marçal Pacheco, área desta comarca de Loulé.

  3. O arguido efectuava a condução do aludido veículo automóvel, naquelas condições de tempo e lugar, com uma taxa de álcool no sangue de 1,1776 g/l.

  4. O arguido não tem antecedentes criminais.

    Factos não provados Não se provou que: 1. O arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,28g/l.

  5. O arguido, agindo de forma livre, consciente e deliberada, conduziu o referido veículo na via pública bem sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe poderia determinar, como determinou, uma TAS superior a 1,2 g/l e que, por isso, não lhe era lícito conduzir, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    O tribunal recorrido fundamentou o julgado em matéria de facto nos termos seguintes: “O tribunal fundou a sua convicção, desde logo, no depoimento da testemunha A.G., que foi o militar da GNR que procedeu à fiscalização e autuação do arguido e que depôs com conhecimento directo dos factos em discussão de forma segura, isenta, pormenorizada e espontânea e, por conseguinte, credível.

    O decidido fundou-se ainda nos documentos constantes dos autos, designadamente, o auto de notícia de fls. 4, os talões extraídos do alcoolímetro de fls. 3 e o certificado de registo criminal de fls. 65.

    No que concerne à taxa de álcool no sangue que concretamente resultou provada, fundou-se o decidido no teor do já mencionado talão de contraprova extraído do alcoolímetro e constante de fls. 3. Nos termos do exame efectuado acusou o alcoolímetro uma TAS registada de 1,28 g/l. Sucede, porém, que tal resultado registado não basta para que se considere provado que o arguido conduzia com uma tal taxa.

    Efectivamente, os resultados dos alcoolímetros revelam uma taxa de erro máximo admissível (EMA).

    Os EMA – para os quais nos remete a Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, a qual, por seu turno, remete para a Recomendação OIML R 126 da Organização Internacional de Metrologia Legal - são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, representam um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto de aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento.

    Atendendo à margem de erro legalmente admissível no caso dos alcoolímetros, deve apenas ser considerada, no caso dos autos, uma taxa de álcool no sangue que reflicta a dedução da margem de erro de 8 % (de acordo com os limites máximos de erro do valor efectivamente registado estabelecidos em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal - Recomendação R 126 - e na Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, ou seja, uma TAS de 1,1408 g/l.

    Tendo o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT