Acórdão nº 5752/08.7TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA E SILVA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 409 - FLS 317.

Área Temática: .

Sumário: O limite de € 7.500,00 a que alude o nº1 do artº.105º do RGIT, aprovado Pela Lei 15/2001, na redacção que lhe foi conferida pelo Artº 113º da Lei 64-A/2008, não é aplicável ao crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107º do RGIT Reclamações: Decisão Texto Integral: Recurso nº 5752/08.7TDPRT:P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto, I.

  1. No termo do processo de inquérito nº 5752/08.7TDPRT, do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Ministério Público (MP) do Porto, o MP deduziu, em 2008/11/11, acusação contra B………., com os demais sinais dos autos, imputando-lhe a autoria material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e. p. p. pelas disposições conjugadas dos artos 107º, nos 1 e 2, e 105º, nº 1, do RGIT aprovado pelo artº 1º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho (com referência aos artos 5º, nos 2 e 3, e 6º do DL nº 103/80, de 09/05, 18º do DL nº 140/86, de 14/06, 10º, nº 2, da Lei nº 199/99, de 08/06, 6º do Decreto Regulamentar nº 26/99, de 27/10, 47º, nº 1, da Lei nº 32/2002, de 20/12, actualmente, 59º da Lei nº 4/2007, de 16.01, 3º do DL nº 327/93, de 23/09 e 5º do DL nº 103/94).

  2. Constituiu-se assistente no processo o «Instituto de Segurança Social, I. P.» que deduziu pedido de indemnização civil contra o mesmo arguido.

  3. Remetidos os autos para julgamento, o Ex.

    mo Juiz, tendo em vista a enteada em vigor da nova redacção do nº 1 do artº 05º do RGIT, introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, abriu contraditório ao MP, arguido e demandante, após o que, em 2005/05/24, proferiu o despacho que, a seguir, na parte que ora interessa, se transcreve: «A fls. 124/130, veio o M.P. deduzir acusação, contra B………. imputando-lhe a prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo art. 107º, nºs 1 e 2, do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 05.06, pelos factos ali constantes e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais.

    Como resulta do disposto no artigo 311º., nº 1, do C.P.P., “recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”.

    A fls. 162 consignou o M.P. parecer no sentido que as alterações introduzidas pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, ao art. 105º, do RGIT não têm aplicação nos presentes.

    A ora assistente pronunciou-se em termos idênticos e pelos fundamentos expostos a fls. 163-168, cujo teor damos por reproduzido.

    Notificado o arguido para se pronunciar nada disse.

    Cumpre apreciar.

    O art. 113º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro – Lei do Orçamento Geral do Estado para 2009, alterou o Regime Geral das Infracções Tributárias, nomeadamente o seu art. 105º – crime de abuso de confiança fiscal -, o qual passou a ter a seguinte redacção: “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.” Conjugando esta nova redacção com o teor do nº 7, do mesmo preceito, entendemos que a melhor interpretação e a correcta é a que considera aquele montante de 7500 euros como correspondente a cada uma das prestações individuais, que foram declaradas e não pagas à administração tributária, que tanto pode ser uma única, como várias e não a sua soma total.

    O que significa que se se tratar de uma só prestação superior a 7500 euros, continua a ser crime. Mas se se tratar de uma ou várias prestações, sendo cada uma delas inferior a 7500 euros, pese embora o seu total ultrapasse largamente aquele montante, não existe crime.

    Com esta nova redacção, é pois inquestionável que foram descriminalizadas as condutas antes previstas em que o valor da prestação tributária – o de cada declaração a apresentar à administração tributária, de acordo com o nº 7 do referido art. 105º - não exceda os 7.500 €.

    A mesma Lei, no seu art. 115º, procedeu à revogação do nº 6 do art. 105º, do RGIT, que previa a extinção da responsabilidade criminal, nos casos em que a prestação não excedia 2.000 € e o agente procedia ao pagamento da prestação, juros respectivos e valor mínimo da coima aplicável pela falta de entrega da prestação no prazo legal, até 30 dias após notificação para o efeito pela administração tributária.

    Ora, compreende-se tal revogação tendo em conta o conteúdo da condição de punibilidade que veio a ser consagrada na al. b) do nº 4 do art. 105º pela Lei nº 53-A/2006 de 29/12 (OE 2007) e cujo âmbito de aplicação abrange todas as prestações (ou contribuições) não entregues, independentemente do respectivo valor.

    No entanto, a Lei nº 64-A/2008 de 31/12 (OE 2009) não alterou o art 107º, do RGIT, o qual dispõe que: 1 - “As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105º 2 - É aplicável o disposto nos n.os 4, 6 e 7 do artigo 105º” Temos pois que o nº 2, do citado art. 107º, mantém formalmente a remissão para uma norma revogada, o que denota, com o devido respeito, pouco cuidado por parte do legislador na elaboração da lei e que não pode ter outro sentido senão o de uma revogação tácita, por falta de objecto, no que àquela parte da remissão diz respeito.

    Pergunta-se então se a descriminalização em causa opera também relativamente aos crimes de abuso de confiança contra a segurança social p e p. pelo mencionado art. 107º, do RGIT.

    O Tribunal da Relação do Porto e o Tribunal da Relação de Coimbra têm entendido que tal não acontece, essencialmente, pela seguinte ordem de razões: Os elementos típicos do crime de abuso de confiança contra a segurança social constam integralmente do nº 1 daquele art. 107º, sendo a remissão que nele é feita para os nºs 1 e 5, do art. 105º circunscrita apenas às penas que neles vêm cominadas. Tal remissão não abrange o novo limite introduzido no nº 1 do art. 105º, quer se considere este como um novo elemento do tipo incriminador do crime de abuso de confiança fiscal, quer como uma nova condição de punibilidade.

    Em contrário, não se pode invocar a remissão que também é feita para o nº 5 do art. 105º, porque esta norma se limita a prever uma circunstância agravante qualificativa (e não um elemento decisor do próprio tipo), que interessa unicamente à delimitação entre o crime simples e o crime agravado, influindo em exclusivo na moldura penal aplicável, que passa para prisão de um a cinco anos, quanto às pessoas singulares, e de multa de 240 a 1200 dias, quanto às pessoas colectivas, quando a não entrega for superior a 50.000 €.

    Tudo indica não ter sido essa a intenção do legislador, realçando-se que O abuso de confiança fiscal relativamente à falta de entrega de prestações não superiores a 7.500 € continua a ser punível como contra-ordenação (cfr. nº 1 do art. 114º do RGIT), enquanto que a falta de entrega de contribuições devidas à segurança social não vem prevista em nenhum diploma legal como contra-ordenação, consequentemente, a entender-se que o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social foi despenalizado, cria-se um espaço de absoluta impunidade para comportamentos bem mais censuráveis do que aqueles que são tipificados como contra-ordenações contra a Segurança Social.

    O comprometimento que acarretaria para a sustentabilidade da segurança da segurança social (já que o orçamento do IGFSS assenta primordialmente nas receitas advenientes das contribuições resultantes dos descontos nas remunerações devidas). O que resultaria num contra-senso a entender-se que o legislador pretendeu deixar totalmente impune essa falta de entrega nos casos em que não ultrapasse aquele limite, quando se trata de comportamento bem mais censurável do que outros que vêm tipificados, nomeadamente no DL nº 64/89 de 25/2, como contra-ordenações contra a segurança social, e para mais quando o próprio confronto entre o nº 2 do art. 103º e o nº 1 do art. 106º do RGIT denota que o legislador parte de limites diferentes - mais baixos no que concerne à fraude contra a segurança social - para estabelecer a punição como ilícito criminal das condutas ali previstas.

    Por outro lado, o art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12 (Lei do Orçamento de 2009) integra-se na sua secção II –“Procedimento e Processo Tributário” do Capítulo XI –“Procedimento, processo tributário e outras disposições”, enquanto as alterações legislativas que o OE contempla para o regime da Segurança Social se inserem no seu Capítulo V –“Segurança Social” (art.s 55º e seguintes) e, nesta parte é que poderia – deveria – caber qualquer alteração aos crimes contra a segurança social.

    Seria uma incoerência sistemática admitir a identidade entre o art. 105º, nº 1, e o art. 107º, nº 1, ambos do R.G.I.T., no que respeita ao valor de 7.500 €, posto que no art. 103º, nº 2, respeitante à fraude fiscal, se refere o valor de 15.000€ e no art. 106º, nº 1, respeitante à fraude contra a segurança social, se refere o valor de 7.500 €, ou seja, não pode haver a mesma proporção entre o nº 1 do art. 105º e a do nº 1 do art. 107º do R.G.I.T. - Ac TRP de 25-03-2009, in http://www.dgsi.pt/jtrp.

    e Ac.

    TRC de 04-03-2009 in http://www.dgsi.pt/jtrc.

    Pese embora os valiosos argumentos vertidos nos citados arrestos, somos a defender posição inversa, seguindo de perto o entendimento vertido no Ac. TRL de 25-02-2009, in http://www.dgsi.pt/jtrl, por com o mesmo concordarmos inteiramente.

    Vejamos.

    No crime de abuso de confiança contra a segurança social como no crime de...

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