Acórdão nº 24/09.2GAMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 613 - FLS 121.

Área Temática: .

Sumário: I - A concreta taxa de álcool no sangue não pode ser provada por meio de confissão ou de depoimento: nos termos legais, só pode ser feita através de teste no ar expirado ou por meio de análise ao sangue.

II - O arguido não pode confessar que conduzia com uma determinada taxa de álcool no sangue: falta-lhe, para o efeito, razão de ciência.

III - Ainda que a margem de erro legalmente admissível seja levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites definidos por aquelas margens de erro.

IV - O princípio in dubio pro reo impõe a dedução do erro máximo admissível ao valor registado no talão emitido pelo alcoolímetro.

Reclamações: Decisão Texto Integral: RECURSO N.º 24/09.2GAMAI.P1 Tribunal Judicial da Maia - ..º Juízo Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. No processo sumário n.º 24/09.2GAMAI, do ..º Juízo de competência criminal do Tribunal Judicial da Maia, o arguido B………., melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento e condenado, pela autoria de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez que lhe havia sido imputado, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º1, 294.º n.º 1 e 69.º, n.º1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, num total de 420,00€, e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor pelo período de 4 meses.

  1. Inconformado, o Ministério Público recorreu da sentença absolutória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I) Consta dos autos que efectuado ao arguido teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, no aparelho Drager Alcotest 7110MKIII p, acusou uma taxa de 1.70/g/l.

    II) A M.ma Juíza “a quo” efectuou desconto naquela taxa com base em “margem de erro admissível nos alcoolímetros”.

    III) In casu, não se pode fazer correcção na TAS por aplicação das margens de erro.

    IV) - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

    1. - Em face do constante quer do regime do Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, da Portaria n.º 748/94 de 13 de Agosto, da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, a solução para o caso concreto, na nossa modesta opinião é a mesma, ou seja, não podia no caso concreto ser efectuado tal desconto.

      VI) - De facto, os erros a que se alude no artigo 6 da Portaria n.º 748/94 e no art. 8 da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, são considerados nas operações de aprovação e de verificação dos aparelhos em apreço, efectuados pelo Instituto Português da Qualidade, sendo de ter em conta o referido no artigo 10.º desta última Portaria quanto à validade dos aparelhos que tenham sido autorizados ao abrigo de legislação anterior à entrada em vigor da mesma.

      VII) - Ao valor que consta dos talões emitidos por aquele alcoolímetro, não têm de se fazer desconto, uma vez que os níveis máximos de erro já foram tidos em consideração, na aprovação, verificações e ensaios a que aquele é sujeito.

      VIII) - Ao fazê-lo a Douta Decisão padece do vício de erro notório na apreciação da prova, cfr, artigo 410.º, n.º2, al. c) do C.P.P.

      IX) - Assim atento o resultante do auto de notícia e elementos de prova, que foram vertidos na acusação e em função da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, dentre a qual o documento de fls. 10, a confissão do arguido e a não pretensão de realização de contra-prova, o Tribunal não podia deixar de decidir de acordo com aquela, e dever considerar a taxa de 1, 70 g/l, ou seja, o facto dado como provado está em desconformidade com o que realmente se provou.

    2. - Não se reportando, em termos de facto provado ao valor que resulta do exame, decidiu contra Direito.

      XI) - Da Sentença recorrida não se verificam os pressupostos de aplicação do principio in dubio pro reo, dado que da prova produzida não resultou qualquer elemento que pudesse causar a dúvida razoável sobre a taxa detectada e colocasse em causa o valor registado no talão de fls. 10. Da fundamentação de facto não consta que algum elemento de prova tenha infirmando ou suscitado alguma dúvida em relação ao valor registado.

      XII) - Deve a al. b) dos factos provados ter a seguinte redacção b) - Na ocasião acima referida era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,70 g/l.

      XIII) - Em face a TAS de 1, 70 g/l, consideramos ser como justa nos termos conjugados dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal uma pena multa não inferior a 75 dias, mantendo-se quanto a nós adequada a proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por 4 meses.

      XIV) - Ao não considerar para efeito de pena a aplicar a TAS de 1, 70 g/l e considerar, ao invés, a TAS 1,57 g/l, a M Juíza "a quo" violou os artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2, 71.º, n.º l e 2, 77.º, n.º 1 e 2, 292.º, n.º 1 e 294.º, n.º l, do Código Penal, artigo 410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P., artigos 153.º, n.º 1 e 158.º, n.º 1, al) e b) e 170.º n.º 3 e 4 do Código da Estrada e Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, o Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, a Portaria n.º 1006/98 de 30 de Novembro, e, presentemente, a Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e a Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de Agosto e Portaria n.º 1556/07 de 10 de Dezembro e o princípio do in dubio pro reo.

      Nestes termos e nos demais de direito, que os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto se dignarão suprir, revogando-se parcialmente a Douta Sentença, dando-se como provado que o arguido era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,70 g/l. e consequentemente condenando-o numa pena de multa não inferior a 75 dias, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez agravado, far-se-á a já costumada justiça.

  2. O arguido não respondeu ao recurso.

  3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

  4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    II – Fundamentação 1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

    Assim, atento o teor das conclusões, a questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se a sentença recorrida enferma do vício do erro notório na apreciação da prova, por ser inadmissível descontar à concreta TAS do arguido, aferida pelo alcoolímetro, o valor do erro máximo admissível previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros; e bem assim se, alterada a matéria de facto quanto à TAS, o arguido deverá ser condenado em pena não inferior a 75 dias de multa.

  5. Da sentença recorrida 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: a) No dia 05.Janeiro.2009, pelas 22h 40m o arguido conduziu o automóvel pesado de mercadorias de matrícula ..-..-RZ, pela Rua ………., Maia b) Na ocasião acima referida era portador de uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,57 g/l.

    1. Actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que conduzia veículo por via de circulação terrestre, afecta ao trânsito público, tendo ingerido bebidas alcoólicas, e querendo fazê-lo.

    2. O arguido é motorista de pesados, e no dia referido em a) realizara, no exercício da sua profissão e ao volante do ..-..-RZ, um transporte de mercadoria, que continuaria no dia seguinte.

    3. O arguido parara para jantar e pernoitar, e depois do jantar decidira estacionar o seu camião noutro local, mais seguro, a cerca de 500 metros do local onde o parara anteriormente, por forma a seguir viagem no dia seguinte.

    4. Foi nesse percurso que lhe foi detectada a taxa de alcoolémia referida em b).

    5. O arguido aufere 545 € mensais, acrescidos de suplementos de viagens.

    6. É divorciado mas vive em união de facto e a sua companheira aufere 1000 € mensais como encarregada de refeitório.

    7. É pai de 2 filhos, um dos quais vive com a respectiva mãe, não contribuindo o arguido para o seu sustento. O outro vive com o casal.

    8. Pagam 360 € mensais em amortização de empréstimo para compra de casa e 280 € mensais em amortização de empréstimo referente a uma segunda habitação.

    9. Confessou os factos descritos na acusação e declarou-se arrependido.

    10. O arguido não tem antecedentes criminais.

    2.2. Consignou-se, a propósito dos factos não provados: «Com pertinência ao objecto de processo não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos constantes no ponto anterior, designadamente que o arguido fosse portador de uma taxa de 1,70 g/l de álcool no sangue.» 2.2. O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (transcrição): «O tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido, que admitiu ter conduzido a viatura depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, ter efectuado o teste de pesquisa de álcool no sangue e ter o aparelho Drager 7110 MKIII P acusado taxa de 1,70 g/l., o que resulta também da análise do talão de fls. 10. O arguido relatou depois o que consta nas alíneas d) e j).

    No que diz respeito à quantidade de álcool no sangue de que o arguido era portador, o tribunal considera que a medição efectuada no Drager 7110 MKIII P está sujeita a uma margem de erro, conforme a menção constante a fls. 18 do “manual de operações” do...

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