Acórdão nº 619/05.3TAPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 406 - FLS 108.

Área Temática: .

Sumário: I - O exame crítico da prova é imposto pela necessidade de explicitar e reconstituir o substrato racional que conduziu à formação da convicção do tribunal, designadamente a credibilidade atribuída a cada meio probatório produzido na audiência e respectivos fundamentos.

II - Ocorre nulidade não só nas hipóteses de total omissão de motivação mas também quando a fundamentação da convicção for insuficiente para efectuar uma reconstituição do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado.

III - O crime de falsificação de documento pressupõe, a nível subjectivo, a constatação de um especial propósito, já que esta infracção visando a protecção da verdade intrínseca dos documentos e a fé pública que os mesmos devem merecer, pressupõe e impõe sempre a intencionalidade da conduta, consistente na intenção de causar prejuízo a terceiros ou ao Estado ou a obtenção de um benefício que, de outro modo, não seria devido.

IV - Padece de insuficiência da fundamentação de facto, incorrendo em nulidade insanável, a decisão que não concretiza o dolo específico imposto pela infracção.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 619/05.3TAPVZ.P1 2ª Secção Criminal Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO Por sentença proferida no processo comum com intervenção de tribunal singular do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, foi o arguido B……….

, com os demais sinais dos autos, julgado e condenado na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), o que perfaz o montante global de € 1.000 (mil euros), pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art. 256º n.ºs 1 b) e 3, do Cód. Penal, hoje previsto e punível pelo art. 256º n.ºs 1 d) e 3, do Cód. Penal.

Inconformado com o assim decidido, interpôs recurso o arguido, finalizando a sua douta motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) «1 – Por sentença de fls., foi o Arguido B………. condenado na prática de um crime de falsificação de documentos na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 4,00.

2 – Entende o Arguido que não foi reunida prova nos autos que permitisse concluir, como concluído no ponto 7 da matéria de facto assente, que o mesmo agiu com intenção de se eximir, a si e à sociedade, das responsabilidades pecuniárias, e de que o mesmo sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo resultado daí prejuízos para a Demandante.

3 – Efectivamente, aquando da dissolução e liquidação da sociedade, o Arguido encontrava-se a ultrapassar uma fase muito difícil da sua vida pessoal, pelo que não tinha condições psicológicas para continuar com a actividade que se encontrava a desenvolver.

4 – Por esse motivo, seguindo as instruções do seu contabilista, aprovou as contas e celebrou a escritura de dissolução e liquidação da sociedade.

5 - Não é pelo facto de se dissolver e liquidar as sociedades que as dívidas deixam de existir, ou que as responsabilidades dos sócios se extinguem.

6 - Inclusive, no caso dos autos, por sentença transitada em julgado, foi a sociedade do Arguido condenada a pagar ao Demandante a quantia de €465,60, acrescida de juros, reclamada naqueles autos, encontrando-se aquela dívida em fase de cobrança.

7 - Pelo que nunca poderia o Arguido ter agido com o propósito de se eximir às responsabilidades pecuniárias, como consta da douta sentença posta em crise.

8 – Por outro lado, embora o Arguido admitisse parte da dívida em tribunal, nessa altura estava convencido que, ainda que existisse alguma dívida, o que não admitiu, tal não era impeditivo de proceder à dissolução e liquidação da sociedade.

9 – O Arguido, ao proferir aquela declaração, ainda que tivesse consciência que não estava a declarar a verdade, o que não admitiu em tribunal, não tinha a consciência de com isso estar a praticar qualquer crime, ou que tal comportamento implicasse a prática, concretamente, do crime de falsificação de documentos.

10 – O Arguido não tinha pois consciência da ilicitude do facto.

11 - Desconhecimento este que não é de censurar ao Arguido, uma vez que não é do conhecimento geral que uma eventual declaração que não corresponde à verdade pode implicar a falsificação de um documento.

12 - Ainda para mais, quando o próprio magistrado do Ministério Público acusou o Arguido pela prática do crime de falsidade de testemunho, p. e p., no artigo 360 do CP, o que só por si revela a real dificuldade da qualificação destes factos e se os mesmos constituem efectivamente crime, ou seja, se tais condutas se encontram tipificadas criminalmente ou não.

13 – Por outro lado, da declaração de que a sociedade não tinha passivo a quando da sua dissolução e liquidação não resultou qualquer prejuízo material para a Demandante, para qualquer terceiro ou para o Estado, como se afirma no ponto sete da matéria de facto assente, ou o Arguido pretendeu com isso obter para si qualquer benefício ilegítimo.

14 – Uma vez que não existe qualquer nexo de causalidade entre a declaração do Arguido e o não pagamento das apontadas facturas, conforme resulta da douta sentença.

15 – O Arguido não agiu com a intenção de se eximir ao cumprimento das suas responsabilidades pecuniárias, e de que o mesmo não tinha consciência da ilicitude dos factos descritos no despacho de pronúncia, sendo que dos mesmos não resultou qualquer prejuízo para a Demandante, qualquer terceiro ou o Estado, contrariamente ao vertido no ponto 7 da matéria de facto assente.

16 - Pelo que não se encontram preenchidos os elementos subjectivos do ilícito do qual o Arguido foi condenado, nomeadamente, que o mesmo agiu com a intenção de prejudicar terceiros, o estado ou obter qualquer benefício ilícito para si ou para terceiros.

17 - O Arguido desconhecia ainda a ilicitude dos factos, pelo que agiu sem culpa, nos termos do artigo 17º n.º 1 do CP.

18 – A douta sentença violou, entre outros, o artigo 256º n.º 1 al. b) e n.º 4 e o artigo 17º n.º 1, ambos do CP.

Terminou pedindo a revogação da decisão e a sua absolvição.

***A tal pretensão respondeu o Ministério Público, defendendo, em síntese, que o arguido na sua motivação não pôs em causa que se provaram os factos necessários e suficientes à verificação, em termos objectivos, do crime de falsificação, limitando-se o recurso ao elemento subjectivo, sem, contudo, dar cumprimento ao disposto no art. 412º n.º 4, do CPP.

Todavia, o invocado erro de julgamento estará intimamente relacionado com a motivação da sentença, não tendo o julgador explicitado o processo lógico e racional que seguiu, evidenciando as provas em que se baseou, para concluir que o arguido actuou com o específico intuito de se eximir e/ou eximir a sociedade de qualquer responsabilidade pecuniária, causando prejuízos a terceiros, circunstância que determinará...

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