Acórdão nº 1602/07.0TBOVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRODRIGUES PIRES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 344 - FLS 113.

Área Temática: .

Legislação Nacional: ARTº 12º, Nº 1 DA LEI Nº 24/2007, DE 18.7 Sumário: I - O art.12, n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18.7 tem natureza interpretativa, sendo assim aplicável aos acidentes de viação ocorridos antes da sua entrada em vigor; II - De acordo com o que se dispõe neste preceito, nos acidentes que são provocados pela presença de animais nas auto-estradas concessionadas é de presumir a culpa das concessionárias, que, porém, a poderão ilidir se conseguirem demonstrar que essa presença se verificou por motivos que não lhe são imputáveis.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. 1602/07.0 TBOVR.P1 Comarca do Baixo Vouga – Ovar – Juízo de Média e Pequena Instância Cível Apelação Recorrente: “B………., SA” Recorrido: “C………. – Companhia de Seguros, SA” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora “C………. – Companhia de Seguros, S.A.” veio intentar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra “B………., S.A.”, pedindo a condenação desta no pagamento do montante de €5.360,70, acrescido de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alega em síntese que: ocorreu um acidente que envolveu o veículo ..-..-UL e um cão na A29 (auto-estrada concessionada pela ré); a responsabilidade civil pela circulação do veículo, tal como os danos próprios, encontrava-se transferida para a autora; o condutor do veículo foi surpreendido por um cão que entrou na A29, porquanto as vedações da ré não se encontravam em boas condições; incumpriu assim a ré as obrigações de assegurar permanentemente as boas condições de segurança e comodidade na A29, tendo actuado de forma negligente.

Regularmente citada, a ré defendeu-se por impugnação, alegando em síntese: o cumprimento das obrigações de conservação e fiscalização das vedações na A29; procedeu com toda a diligência e cuidado que lhe era exigível, não lhe podendo ser assacada qualquer culpa na produção do acidente; os deveres que impendem sobre as concessionárias são meros deveres de meio e não de resultado; a existir qualquer responsabilidade sempre seria responsabilidade extracontratual, pelo que caberia à autora o ónus de alegar e provar que a ré procedeu com culpa.

A ré veio, ainda, deduzir incidente de intervenção principal provocada de “Companhia de Seguros D………., S.A.”, o qual veio a ser deferido.

Também a interveniente alegou o cumprimento das obrigações da ré de conservação e fiscalização das vedações na A29, concluindo pela improcedência da presente acção.

Atendendo à simplicidade da causa, foi dispensada a realização de audiência preliminar e o tribunal absteve-se de fixar a base instrutória (art. 787 do Cód. do Proc. Civil).

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, tendo o tribunal respondido à matéria de facto através do despacho de fls. 171/5, que não teve qualquer reclamação.

Foi depois proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente, tendo condenado, solidariamente, a ré “B………., S.A.” e a interveniente principal “Companhia de Seguros D………., S.A.” a pagar à autora “C………. – Companhia de Seguros, S.A.” o montante de €5.360,70, sendo no que respeita à interveniente “Companhia de Seguros D………., S.A.” deduzido a tal montante a franquia de € 4.987,00, acrescido este de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, interpôs recurso de apelação a ré “B………., SA”, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. No que concerne à solução de direito adoptada (Lei nº 24/2007, de 18 de Julho), temos que falece a razão à douta sentença do Tribunal “a quo”, desde logo porque inaplicável ao sinistro “sub judice” que, aliás, ocorreu em data bem anterior ao seu início de vigência (cfr. artigo 12º do Cód. Civil e ac. RP de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt, procurado pelos descritores “acidente de viação and auto-estrada”); 2. De resto, nada naquela Lei nos diz que é interpretativa de uma Lei anterior, diversamente do que sustenta a douta decisão, devendo designadamente presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento adequadamente (vide Cód. Civil, artigo 9º nº 3); 3. Aliás, estamos antes em presença, não de uma Lei, mas de uma disposição contratual do contrato de concessão que, de forma incontroversa (veja-se o artigo 2º do Decreto-Lei nº 87-A/2000, de 13 de Maio e a Base LXXIII, encimada esta última pelo capítulo XVI – “Responsabilidade Extracontratual perante terceiros”), afasta a aplicação de qualquer outra solução jurídica a acidentes ocorridos nesta auto-estrada que não seja a responsabilidade extracontratual; 4. Por isso, vale neste caso tanto o princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual (Cód. Civil, artigo 483º nº 1), como o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 487º do Cód. Civil, sendo que a aplicação deste último artigo (e concretamente do seu nº 1) não está de modo algum excluída; 5. Na verdade, não existe qualquer presunção legal de culpa aplicável “in casu”, seja a do artigo 492º nº 1 do Cód. Civil como até é intuitivo, seja a do artigo 493º nº 1 do mesmo Código, pois é indiscutível que o acidente dos autos decorreu de causas totalmente estranhas à auto-estrada; 6. Não esquecendo a ré, aqui apelante, que se formaram duas correntes principais de opinião na doutrina e na jurisprudência a propósito desta problemática (sendo predominante, no entanto, aquela que defende a responsabilidade extracontratual), não logra, apesar disso, vislumbrar de que forma a solução da responsabilidade contratual (e suas variantes, mormente o contrato com eficácia de protecção de terceiros) encontra correspondência (na letra ou no espírito) com o contrato de concessão e concretamente com aquela Base LXXIII do DL nº 87-A/2000, de 13 de Maio, sendo – parece-nos – essa filiação minimamente obrigatória; 7. Acresce dizer que são vários os sinais que arredam a possibilidade de aplicação da responsabilidade contratual a um sinistro como o dos autos, ou seja, a inexistência de liberdade de celebração e de vinculação contratual, a falta de consciência de celebração, a impossibilidade de a(s) concessionária(s) recusar(em) a utilização da auto-estrada a qualquer utente, a impossibilidade de conformação ou alteração de um pretenso contrato, além de que o pagamento de uma taxa constitui a retribuição que a(s) concessionária(s) obtém(êm) directamente dos utentes pelo investimento feito (recorde-se, por relevante, que a auto-estrada onde eclodiu este sinistro é uma SCUT, não portajada); 8. Depois, quanto à eventual hipótese de o contrato de concessão celebrado com o Estado Português ter eficácia de protecção de terceiros (com o que também não se concorda, diga-se) é de reter que as obrigações/deveres da concessionária são de meios (de diligência, de envidar esforços) e não de resultado ou de garantia (nomeadamente aquela garantia incomportável e seguramente injusta de que os utentes cheguem sãos e salvos ao seu destino), uma vez que uma coisa é a finalidade do dever (o resultado que com ele se quer alcançar) e outra, bem diversa, é saber se o conteúdo (teor) do dever inclui um resultado (que, no caso, seria a ausência de acidentes – a resposta tem, aliás, de ser negativa, tal como no caso do médico cujos deveres – de meios – se direccionam para a cura do seu doente) - por isso, o facto de um utente sofrer um acidente por ocasião da sua circulação na auto-estrada não justifica e nem legitima a presunção de que a causa do dano sofrido tem origem num comportamento da concessionária contrário aos seus deveres; 9. Mais: mesmo a Base LIII invocada pela douta sentença (e também o advérbio “permanentemente”) tem forçosamente de ser entendida em termos de razoabilidade, segundo o critério do “bonus pater familias” previsto no artigo 487º nº 2 do Cód. Civil, sob pena de poder ser exigido da concessionária, aqui apelante (injustamente, acrescenta-se), que tenha o dom da ubiquidade; 10. Segue-se que para que uma lei nova possa ser interpretativa é necessário que a solução do direito anterior seja controvertida e que a solução da lei nova se fique dentro dos quadros da controvérsia e de tal modo que a ela se poderia chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei. Será antes inovadora se, em face de textos antigos, nem o julgador, nem o intérprete se podiam sentir autorizados a adoptar a solução que a lei nova consagra (Prof. Baptista Machado, ob. e loc. citados); 11. Por isso, e com muito mais propriedade, estamos antes diante de uma lei inovadora (que supre uma lacuna), exclusiva deste tipo de sinistros em auto-estrada, que não pode ter aplicação retroactiva e que, também por essa razão, afasta a solução assumida pela douta sentença de aplicar a Lei referida ao sinistro dos autos; 12. Nessa medida, e de harmonia, de resto, com o disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 87-A/2000, de 13 de Maio, o sinistro dos autos só poderia ter sido enquadrado no âmbito da responsabilidade extracontratual, sendo certo que, nesse caso, e como é evidente, impor-se-ia a absolvição da apelante; 13. Aliás, apesar da presunção que agora impende sobre as concessionárias, esta Lei nº 24/2007, de 18 de Julho tem a grande virtude de clarificar de uma vez por todas que os acidentes de viação em auto-estrada encontram (como já sucedia antes) na responsabilidade extracontratual o seu terreno de eleição (tal como sucede com os acidentes ocorridos noutras vias), o que...

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