Acórdão nº 1179/08.9TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | ANA PAULA AMORIM |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 400 - FLS 86.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 5° a) do DL 446/85 de 25/10, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95 de 31 /01 e DL 249/99 de 07/07 ( motivadas pela Directiva Comunitária n° 93/12/CEE do Conselho de 05/04 de 1993 ) o dever de comunicação desdobra-se em duas exigências: - a comunicação integral das cláusulas; e - a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo.
II - Não basta assim, a mera comunicação das cláusulas, sendo exigível, ainda, que a transmissão das cláusulas se concretize de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual. De igual forma, exige-se que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões.
III - Não age com abuso de direito, nos termos do art. 334° CC, quem suscita a declaração da inexistência das Clausulas Contratuais Gerais num contrato de seguro, por omissão do dever de prévia comunicação do seu teor, decorrido quatro anos sobre a data da celebração do contrato.
IV - A eliminação das Condições Gerais do contrato, nas quais se incluem as cláusulas que determinam os riscos cobertos pela apólice, gera uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais do contrato, que determinam a nulidade do contrato, nos termos do art.9°/2 do DL 466/85 de 25/10.
Reclamações: Decisão Texto Integral: Seguro-1179-08.9TJPRT-1045-09-TRP Trib Jud Porto-.ºJCv-.ªs Proc.1179-08.9 TJPRT Proc. 1045-09 -TRP Relator: Ana Paula Pereira Amorim 1ºAdjunto: Dr. José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira 2ºAdjunto: Dr. António Mendes Coelho* * * * *Acordam neste Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Na presente acção que segue a forma de processo prevista no DL 108/2006 de 08/06 em que figuram como: - AUTOR: B………., casado, residente na Rua ………., nº … – ……, Porto; e - RÉ: C………. – Companhia de Seguros, S. P.A. com sede na ………., …, Lisboa pede o Autor que se declare inexistentes as condições gerais da apólice, designadamente a clausula constante no art. 3º b.3 e na sequência, a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia não inferior a € 6.000,00, acrescida de juros de mora já vencidos a partir de 29 de Fevereiro de 2008 à taxa legal no montante de € 52,60 e vincendos até integral pagamento.
Alega para o efeito e em síntese que celebrou com a Ré um contrato de seguro mediante o qual a Ré assumiu perante o Autor a responsabilidade de lhe pagar o valor dos bens existentes na sua habitação em caso de furto dos mesmos.
Mais refere que em 21 de Janeiro de 2008 a mulher do Autor constatou que faltavam peças em ouro, que estavam guardadas dentro de um baú no guarda fatos do quarto do casal. Alega, ainda, que alguns dias antes apercebeu-se que várias gavetas dos móveis estavam abertas e desarrumadas, mas atribuiu tal facto à actuação dos filhos do casal. O valor das peças furtadas acende ao montante de € 6.000,00.
Refere, ainda, que participou à Ré a ocorrência, mas a Ré declinou a responsabilidade, porque não havia indícios da prática do furto por arrombamento, escalamento ou utilização de chaves, conforme determina a clausula 3 b).3 das condições gerais da apólice.
Por fim, alega que a Ré não comunicou ao Autor as condições gerais da apólice de modo adequado e com a antecedência necessária, pois foram entregues depois da assinatura do contrato de seguro pelo que deverão considerar-se excluídas de acordo com o regime do art. 5º do DL 220/95 de 31/08. Acrescenta, ainda, que caso tivesse noção dos limites excessivos impostos pelas condições gerais da apólice, nomeadamente da cláusula 3.b.3 não teria assinado o contrato de seguro.
-Citada a Ré contestou defendendo-se por impugnação.
Alega, em síntese, que celebrou com o Autor o contrato de seguro referenciado na petição, cujas condições gerais foram comunicadas ao Autor. Contudo, não assumiu os danos participados, porque não existem indícios que o furto foi praticado por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, únicas circunstâncias previstas na cobertura da apólice.
Por fim, refere que existindo obrigação de indemnizar o respectivo valor teria de ser determinado pelo calculo da proporção entre o valor dos bens alegadamente desaparecidos / capital seguro.
- Realizou-se o julgamento com observância do legal formalismo.
-Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
-O Autor veio interpor recurso da sentença.
-Nas alegações que apresentou o Autor-recorrente formulou as seguintes conclusões: “1- Na decisão da matéria de direito fez-se uma aplicação e interpretação das normas jurídicas que não corresponde aos factos dados como provados pelo Tribunal “a quo”; 2 - Da comunicação posterior das Condições Gerais do Contrato à assinatura da proposta de seguro deverão ser as mesmas declaradas inexistentes nos termos do art. 5º n.º2 do D.L. n.º 446/85.
3 - O Recorrente invocou o direito à inexistência das Condições Gerais do Contrato com base na comunicação tardia das mesmas e não com a falta de informação e esclarecimentos sobre o seu conteúdo.
4 - Quando o Tribunal a quo invoca o abuso do direito, nos termos do art. 334º do Código Civil, refere-se a um direito que nunca foi alegado pelo Recorrente, pelo que deve cair por terra todo o raciocínio utilizado na aplicação da norma jurídica.
5- Ainda que assim não fosse, nunca resultou como provado que o Recorrente tivesse conhecimento, ao longo dos anos, da possibilidade de exercer o direito de invocar a inexistência das Condições Gerais do Contrato e muito menos que esse exercício tenha sido praticado manifestamente contra o princípio da boa fé.
6 - Ainda que o Tribunal a quo não considerasse haver abuso de direito, não poderia o mesmo invocar a ausência de risco nas Condições Particulares como pressuposto, sem qualquer base jurídica, da improcedência total da acção.
7- A consequência jurídica da ausência de risco no contrato de seguro só pode ser, em princípio, a nulidade.
8- A nulidade do contrato de seguro com base na ausência do risco não pode ser declarada oficiosamente, mas apenas invocada por ambas as partes, o que não foi o caso dos presentes autos.
9- A ausência de risco, no caso concreto, é irrelevante para a decisão da causa.
10 - Deve, por isso, ser alterada a decisão sobre a matéria de direito, substituindo-a por uma outra que considere não haver abuso de direito por parte do Recorrente, condenando a Recorrida nos termos do peticionado.
11 - A sentença recorrida violou o art.334° do Código Civil.” Conclui, no sentido de se dar provimento ao recurso.
-A Ré veio apresentar contra-alegações nas quais formula as seguintes conclusões: “1. Perante os factos provados na presente acção, bem decidiu o Tribunal a quo, ao fazer aquela que se afigura ser, não a melhor, mas a única interpretação e aplicação possível do Direito à factualidade em apreço.
-
E não se diga, como sugere o Apelante na conclusão das suas alegações, que o direito abusivamente exercido, nunca foi por si alegado. Tanto foi que o próprio Apelante afirma, no ponto terceiro das aludidas conclusões, que “invocou o direito à inexistência das Condições Gerais do Contrato”.
-
A aludida invocação da invalidade das Condições Gerais, nas circunstâncias em que foi feita pelo Apelante, consubstancia de forma indubitável um atropelo a um dos mais elementares princípios de Direito - Princípio da Boa Fé.
-
De facto, resultou provado que o Apelante teve acesso às Cláusulas Contratuais Gerais, sendo certo que o mesmo, jamais, solicitou qualquer esclarecimento, sinal inequívoco de que depreendeu o alcance das referidas cláusulas.
-
Por conseguinte, não se aceita, e bem, também assim não aceitou o Tribunal a quo que, tendo o Apelante tomado integral e efectivo conhecimento das condições gerais, só passado quatro anos venha alegar o incumprimento do dever de comunicação prévia das mesmas, 6. tanto mais que o contrato é renovado todos os anos, pelo que tal invocação, se lícita, o que também não se aceita, mas que por mera hipótese de raciocínio se concebe, sempre deverá ser considerada como manifesto abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
-
Assim, conhecendo as Condições Gerais na íntegra, tal como se verificou, o Apelante sabia, ou pelo menos, devia saber, que uma situação como aquela com a que in casu nos deparamos, não está abrangida pelo âmbito do risco.
-
Âmbito do risco esse que, contrariamente ao que pretende fazer crer o Apelante, existe no contrato em questão, simplesmente não cobre todo e qualquer tipo de furto ou de roubo, tal como resulta claro do ponto b.3 do artigo 3º das Condições Gerais da Apólice.
-
Pelo que, por tudo o supra exposto, cumpre reiterar que nenhum reparo há a fazer à douta sentença recorrida.” Termina a Ré-recorrida por pedir que se julgue totalmente improcedente o recurso, decidindo-se em conformidade com as conclusões que apresenta.
-O recurso foi admitido como recurso de apelação.
-Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
-II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO