Acórdão nº 485/02.0TAVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 599 - FLS 26.

Área Temática: .

Sumário: A alteração legal introduzida pelo art. 113º da Lei 64-A/2008, de 31.12, não conduziu à descriminalização dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social, ainda que as quantias retidas (não entregues) não ultrapassem o montante de € 7.500,00.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 485/02.0TAVLG.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO No .º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo foram submetidos a julgamento, em processo comum e perante Tribunal Singular os arguidos B………. e C………., Lda., tendo a final sido proferida sentença que condenou: - o arguido B……….

como autor material e na forma consumada de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada, previsto e punido pelo art. 107º, n.º 1 e 105º/1 do R.G.I.T., na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, subordinada à condição do arguido, no prazo de 1 (um) ano proceder ao pagamento ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social das quantias em dívida a acréscimos legais; - a sociedade arguida C………., Lda.

, como responsável nos termos do art. 7º/1 do RGIT na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, no total de €1500.00 (mil e quinhentos euros).

Mais decidiu condenar ambos os arguidos no pagamento da importância de € 84. 753,64 (oitenta e quatro mil, setecentos e cinquenta e três euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de contribuições em dívida, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 49.405,24, até 13 de Julho de 2005 e vencidos desde então e vincendos até efectivo pagamento, calculados à taxa legal em vigor nos termos do art. 16º do DL n.º 411/91, de 17-10 e art.º 3º do DL n.º 73/99, de 16.03.

*Não se conformando com a decisão condenatória, dela vieram ambos os arguidos interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: A. A arguida C………., Lda.: 1. Da sentença de que se recorre, resulta que a moldura penal abstracta aplicável ao crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, é de 1 mês a 3 anos de prisão; 2. É de 5 anos o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal; 3. Os presentes autos prescrevem ao fim de 7 anos e meio, isto é, em 15 de Fevereiro de 2009, sendo certo que, desde o dia da prática do último acto (15 de Agosto de 2001) até ao dia 15 de Fevereiro de 2009, decorrem sete anos e meio, ou seja o prazo normal de prescrição acrescido de metade, nos termos dos artºs 118 nº 1 al.c) e 121º nº 3 do C.P..

  1. Verificando-se assim que a prescrição ocorre antes de decorrido o prazo para interposição de recurso (20 de Fevereiro de 2009); 5. Face ao exposto a sentença de que se recorre violou claramente os artºs 118 nº 1 al.c) e 121º nº 3 do CP.; 6. Caso assim não se entenda, considera a sociedade arguida que, os factos provados apontam para que a sua responsabilidade seja considerada diminuta, o que permitiria que a fixação da pena de multa aplicada fosse mais próxima do seu limite mínimo, 20 dias de multa; 7. Na aplicação da medida concreta da pena o tribunal deveria atender ao facto das quantias descontadas nos vencimentos dos trabalhadores, terem sido destinadas ao pagamento a fornecedores e, salários dos trabalhadores, garantindo dessa forma a manutenção dos postos de trabalho e a laboração da empresa; 8. A actuação da sociedade arguida, e do sócio B………, ao não entregarem as contribuições devidas à Segurança Social, tiveram em vista a defesa de interesses de natureza patrimonial e social; 9. A arguida não se encontra a laborar, aliás está declarada falida, não dispondo de meios financeiros que lhe permitam suportar o pagamento da multa em que foi condenada; Conclui pela revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a prescrição do procedimento criminal ou, se assim se não entender, se condene a recorrente numa pena de multa próxima do seu limite mínimo.

    *B. O arguido B……….: 1. Deram-se como provados, na sentença recorrida, além do mais, os seguintes factos: “O arguido B………. …vinha a assumir a gerência da sociedade arguida....” “O arguido B………., na qualidade de gerente da sociedade arguida…dirigiu os negócios da mesma.” “A sociedade arguida, através do arguido, descontou as contribuições da previdência…e apropriou-se das mesmas, integrando-as na sua esfera patrimonial, não as entregando à Segurança Social Portuguesa, como podia e devia.” “O montante das contribuições retidas e não entregues…perfazem o montante global de € 84.753,64.” “O arguido …tinha plena consciência de que estava obrigado a entregar as quantias nos prazos legais, e actuou de forma deliberada livre e consciente, com intenção de se apropriar das quantias mensais em causa…” “O arguido entregou à Segurança Social, através de cheques pessoais seus, a quantia de € 27.912,46 para pagamento de contribuições à Segurança Social relativas a períodos diversos dos elencados em 4”.

  2. Estes factos foram incorrectamente julgados e devem ser considerados como não provados; 3. Isto porque, da análise conjugada de toda a prova produzida no processo não resultaram aos olhos do comum mortal elementos que permitam criar a convicção do arguido ter praticado os factos constantes da acusação pública. Porque de tudo o que se conseguiu retirar deste julgamento não se consegue uma certeza absoluta que o arguido estaria a gerir de facto a Sociedade, isto porque, quem decidia os destinos da Sociedade era o Sr. D………., tal em conformidade com o depoimento do arguido e testemunhas atrás indicadas; 4. O único indício para condenar o aqui arguido foi porque o mesmo seria gerente de direito (o que leva obviamente seja o mesmo a assinar cheques e vários outros tipos de declarações na representação da Sociedade); 5. Como a gerência de facto era exercida pelo Sr. D………. (que exercia o seu poder com os 70% de quota que estavam em nome da irmã e os 20% que lhe pertenciam derivados do contrato promessa de Cessão de Quotas cuja formalização estava apenas dependente da sua vontade), o que colocava o arguido numa posição subalterna. Assim, existindo esta situação fáctica não poderia deixar de haver no mínimo dúvida sobre a responsabilidade o arguido, ou seja, deveria-se(?) deitar mão do Princípio Constitucional da Presunção de Inocência art.º32º n.º2 (In dubio pro reo); 6. “As presunções de culpa têm de haver-se como banidas em processo penal...” (Ac. STJ de 7 de Novembro de 1990; Proc. 41294/3.ª). Ou seja, a gerência de direito nem sempre espelha uma gerência de facto, como era o caso; 7. Requer-se, segundo o art.º 412º n.º3-c), do C.P.P., a renovação de toda a prova constante da gravação da audiência do tribunal recorrido (cuja transcrição foi acima requerida, e se entenderem necessária; 8. É do entendimento da defesa que, a sentença em crise violou o artigo 2º do Código Penal, ou seja, a Lei mais favorável para o arguido, relativamente à verificação dos elementos tipos do crime, seria o art.º 27.º B e 24.º n.º1 doD/L 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção dada pelo D/L n.º140/95, de 14 de Junho; 9. Pois, a mesma é mais favorável ao arguido, uma vez que exigia a apropriação, apropriação efectiva, a qual não foi avaliada por si, o que levaria a que tivesse de existir necessariamente uma absolvição; 10. No crime em questão tem de existir dolo e analisando a questão factual do arguido ser apenas gerente de direito e não de facto, levaria a impossibilidade de ocorrer dolo por parte deste. Houve assim violação do artigo 14º do Código Penal; 11. Além disso, a suposta opção da sociedade em pagar os salários dos trabalhadores (com quantias injectadas pelo aqui arguido) configura uma causa de exclusão da ilicitude e/ou conflito de deveres, tendo em atenção a mesma dignidade constitucional entre o dever de respeitar os direitos dos trabalhadores e o dever de pagar impostos, situação que limita efectivamente a liberdade de escolha (art.º 31 e 36 do Código Penal). Logo houve violação dos artigos 31 e 36 do Código Penal; 12. Da prescrição do procedimento criminal dos factos sobre a qual recaiu a sentença em crise, nos termos do art.º 21 do RGIT e artigo 118.º e seguintes do Código Penal, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos, tempo que já decorreu em todas as situações que se encontram abrangidas na Sentença em crise; 13. Prescrição que desde já se invoca e que é de conhecimento oficioso. Logo houve violação do artigo 21º do RGIT e artigo 118º do Código Penal; 14. Por último, entende-se que a sentença sendo de condenação deveria ter optado primeiramente por pena de multa, tendo em atenção que o arguido é primário e todos os condicionalismos atenuantes dados como provados, inexistindo quaisquer razões de prevenção especial em contrário (art.º 43 e 42 do Código Penal). Violando-se o preceituado no disposto do artigo 43º do Código Penal; 15. Caso não se entenda, a condenação em pena de prisão domiciliária suspensa ou numa pena de prisão no mínimo legal suspensa pelo período máximo legal de 5 anos, de forma a possibilitar o cumprimento do condicionalismo imposto (artigos 44, 50, 70, 71 e 72 todos do Código Penal).

    Conclui pela revogação da sentença e pela sua substituição por outra que considere não provados os factos de que o arguido vinha acusado ou que considere prescrito o procedimento criminal e, em consequência, o absolva da prática do crime 1 crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelo art. 107º, n.º1 e 105º n.º1 do R.G.I.T.

    Ou, se assim não se entender, altere-se a pena prisão para uma pena de multa ou para uma pena de regime de permanência na habitação suspensa ou pena de prisão no mínimo legal suspensa pelo prazo máximo legal de 5 anos...

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