Acórdão nº 484/07.6GEOER.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA E SILVA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 484 - FLS. 83.

Área Temática: .

Sumário: I- O arguido, ao prestar Termo de Identidade e Residência, é livre de escolher a residência para a qual pretende que lhe sejam feitas as notificações, como é, igualmente, livre para alterá-la mediante carta registada dirigida nesse sentido ao processo.

II- Tendo o arguido prestado TIR e sido prevenido de que as futuras notificações seriam feitas por via postal simples para a residência por ele indicada, é legítima e não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, a notificação que lhe seja feita por carta simples com prova de depósito para aquela morada, posto que tal morada seja também a da queixosa.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Relator: Ricardo Silva Adjunto: Abílio Ramalho Recurso nº 484/07.6GEOER.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

I.

  1. Por sentença, proferida, em 2008/10/01 no processo nº484/07.6GEOER, do …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi decidido, além do mais sem interesse para a pressente decisão: – Condenar o arguido B…………., com os demais sinais dos autos, pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artº152º, nº 1, al. a), e nº 2 do Código Penal de 2007, na pena de 3 (três) anos de prisão.

    – Suspender a execução da pena aplicada, pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova e condicionada ao pagamento, por parte do arguido, à ofendida, do montante de €3300,00 (três mil e trezentos euros) no prazo de 6 (seis) meses, a contar do trânsito em julgado da sentença, devendo fazer prova nos autos desse pagamento.

    – Julgar o pedido de indemnização civil de deduzido pela demandante C……………. contra o demandado B………… procedente, por provado, e, em consequência, condená-lo a pagar-lhe e quantia de €3300,00 (três mil e trezentos euros) acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde 6 de Julho de 2008, até efectivo e integral pagamento.

  2. Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido condenado.

    Rematou a motivação de recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões:IA sentença recorrida que condenou o arguido como autor de um crime de violência doméstica deve ser revogado por razões de facto e de direito uma vez que o arguido foi julgado na ausência, com violação dos princípios do contraditório, e de todas as garantidas de defesa.

    IIA notificação a arguido, residente na mesma morada da denunciante, dos despachos de acusação e que designa data para julgamento, por carta simples com prova de depósito, não constitui meio processual idóneo a levar ao conhecimento daquele as decisões proferidas e que lhe devem ser pessoalmente notificadas, do que resultam violadas as garantias de defesa.

    IIISão materialmente inconstitucionais as normas dos artt. 113°/3 e 196°/2 do Código de Processo Penal, na dimensão normativa que legitima a notificação pessoal do Arguido por carta simples com prova de depósito em morada que seja também a da queixosa, por violação das garantias de defesa consagradas nos artt. 32°, n°s 1, 2, 5, 6 e 7 da CRP.

    IVA inacção da defensora nomeada a arguido julgado na ausência importa a violação quer do princípio do contraditório, quer das garantias de defesa, sendo materialmente inconstitucionais as normas dos artt. 61/1/f e 64/1/f na dimensão normativa segundo a qual a garantia de assistência por defensor se basta com a nomeação e presença de advogado em audiência sem qualquer intervenção, por violação das garantias de defesa consagradas no art. 32/1/3 da CRP.

    VDeve ser alterada a matéria dos factos 2, 3, 5, 6, 7, 8, 13, 14, 15, 18, 25, 35 e 36 da sentença, por resultar do depoimento gravado da própria ofendida - e especificamente das passagens assinaladas a fls 25 e 26 desta motivação, que se dão por reproduzidas - que a mesma é pessoa doente e que a razão da subsistência do casamento e da coabitação se pretende com interesses patrimoniais dela ofendida e não com qualquer ascendente exercido pelo arguido.

    VIAceite pela própria ofendida que (i) que os anos de 2000 a 2003 foram relativamente tranquilos, (ii) apesar da saída dos filhos não houve agressões a partir de 2003, (iii) foi quem confrontou o marido, ora arguido, e ao longo de anos, com as acusações de relações extra-matrimoniais não concretizadas, (iv) permanece deprimida e doente desde o ano de 1993, e portanto há mais de 15 anos, (v) ambos mantêm actividades profissionais regulares, (vi) pode sair e sai sem a companhia do marido, ainda que só com ele possa fazer os períodos de férias, deve ter-se por excluída quer a verificação de ascendente e de relação de dependência, quer a ocorrência reiterada dos maus tratos requisitados pelo tipo legal, havendo-se por violado o regime do artigo 152 do CP.

    Terminou com o pedido de revogação da sentença recorrida e absolvição do arguido das condenações penal e civil; ou, quando menos, de reenvio do processo para novo julgamento.

  3. Notificado do recurso, o Ministério Público (MP) apresentou resposta no sentido de lhe ser negado provimento.

  4. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-geral-adjunto apôs o seu visto.

  5. Realizado o exame preliminar, não havendo obstáculos ao conhecimento do recurso e devendo este ser julgado em audiência, colhidos os vistos legais, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.

    II.

  6. Atentas as conclusões da motivação do recurso, que, considerando o disposto no artº412º, nº1, do CPP, definem o seu objecto, as questões postas no recurso são as seguintes: – Da inidoneidade das notificações do despacho de acusação e do que designou dia para julgamento, feitas por notificação simples com prova de depósito – Da inconstitucionalidade material das normas dos artos 113º, nº3, e 196º, nº2, ambos do Código de Processo Penal (CPP) interpretadas no sentido de que é legítima a notificação pessoal do arguido por carta simples com prova de depósito, em morada que seja também a da queixosa, por violação do artº32º, nos 1, 2, 5, 6 e 7 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    – Da inconstitucionalidade material das normas dos artos 61º, nº1, al. f), e 64º, nº 1, al. f), interpretadas no sentido de que a garantia de defesa por defensor se basta com a nomeação e presença de advogado em audiência, sem qualquer intervenção, por violação do artº32º, nº 32º, nos 1 e 3, da CRP.

    – Da impugnação dos factos dados por provados em 2, 3, 5 a 8, 13 a 15, 18, 25 35 e 36, do correspondente passo da sentença recorrida.

  7. É a seguinte a fundamentação de facto da sentença recorrida: Factos Provados: 1 - Desde 1974 que o arguido é casado com a ofendida C…………., tendo desta relação nascido dois filhos actualmente de maior idade e independentes.

    2 - Por volta dos finais da década de 1970, a ofendida veio a descobrir que o arguido mantinha uma relação extra-matrimonial com outra mulher pelo que passou a confrontá-lo com essa situação, o que não era do agrado do arguido.

    3 - Por via disso, B…………. passou a maltratá-la psicologicamente e, de vez em quando, a bater-lhe com as mãos ou a dar-lhe empurrões, na sequência de discussões de qualquer natureza que mantivessem as quais culminavam em ameaças e insultos que em regra ocorriam no interior da habitação conjugal, sita na Rua ………, nº …., em …….., nesta comarca de Vila Nova de Gaia.

    4 - Com efeito, no seguimento de discussões entre os dois, em tom de voz ameaçador, o B………… terminava a conversa dizendo à ofendida “Tu vais ver o que te vai acontecer”, querendo com isso significar que lhe iria fazer mal, o que a amedrontava e lhe provocava medo e receio pela sua integridade física e pela sua vida.

    5 - Por vezes, em plena via pública e na presença de pessoas, de viva voz, dizia-lhe que era “burra, estúpida e que tinha a mania que era importante”, o que a enxovalhava perante os olhares dos transeuntes.

    6 - Noutras ocasiões, durante longos períodos, que se prolongavam muitas das vezes por um mês, o arguido ignorava a ofendida não estabelecendo nem permitindo qualquer tipo de diálogo, como ocorreu durante uma parte dos meses de Maio e Junho de 2007.

    7 - Nessas alturas o arguido não dirigia à ofendida qualquer palavra nem permitia que ela lha dirigisse.

    8 - Proibia-a ainda de fazer vida social ou de ir de férias, o que a levou a entrar em depressão.

    9 - Por via disso, e porque se sentia só e para se restabelecer física e psiquicamente, em 25 de Julho daquele ano, a ofendida decidiu aceitar o convite que o filho lhe fizera para passar uns dias com ele na sua casa situada na Rua …….., nº …, …º esquerdo, em Porto Salvo.

    10 - No dia 27 daquele mês e ano, pelas 06:30 horas, o arguido apareceu em casa do filho e ao ver a ofendida deitada no sofá, apenas vestida com a camisa de dormir, agarrou-a pelos braços e, mediante o uso da força muscular, procurou arrastá-la para a porta da casa e, após para o carro, a fim de a fazer regressar à casa de morada de família, só não tendo alcançado os seus objectivos por a ofendida ter resistido e por ter sido socorrida pelo filho.

    11 - Nessa ocasião o arguido dirigiu-se à ofendida dizendo que “se não saísse pela porta, sairia pela janela”.

    12 - Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, sofreu a C…………. múltiplas escoriações no antebraço esquerdo e direito, escoriações na face posterior do cotovelo direito e equimose na perna esquerda, que lhe demandaram cinco dias de doença, sem incapacidade para o trabalho (cf. exame médico de fls. 14 e ss, cujo conteúdo aqui se reproduz).

    13 - Tais...

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