Acórdão nº 505/08.5TTPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 88 - FLS 129.

Área Temática: .

Sumário: I - O direito de consulta do processo disciplinar previsto no art. 413° do C. do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08, obriga a que seja facultada ao trabalhador a possibilidade de consultar o processo disciplinar, incluindo a documentação probatória que dele conste, mas não abrange a obrigação de ser facultada cópia dessa documentação.

II - A permissão de consulta dessa documentação probatória, mas não de entrega ou extracção de fotocópias da mesma, não determina a invalidade do procedimento disciplinar, tanto mais quando, alegado pelo trabalhador que essa omissão prejudicou o exercício do seu direito de defesa, disso não fez prova atenta a resposta negativa ao quesito da base instrutória em que tal questão era colocada.

III - Constitui justa causa de despedimento, o comportamento da trabalhadora, gerente de uma instituição bancária, que sempre tendo acompanhado o movimento das contas bancárias de uma cliente, pessoa singular, e da sociedade de que esta era legal representante, sabia, permitiu e nada fez para impedir que as referidas clientes, de forma continuada, movimentassem fundos provenientes de cheques que se encontravam pendentes de boa cobrança, permitindo uma rotação de cheques entre as contas dessa cliente e da sociedade de que era legal representante, no que tudo resultou num descoberto de € 12.748,76, sabendo a trabalhadora que tal prática não era consentida pelo Banco, bem como sabendo das muitas ordens de revogação de cheques (a maioria das quais foi pela referida trabalhadora introduzida no sistema informático) por forma a não serem devolvidos por falta de provisão e, não obstante tudo isso, tendo ainda, em 02.05.07, disponibilizado um livro de 150 cheques e, em 09.07.07, um outro de 15 cheques.

IV - À justa causa do despedimento não obstam o propósito humanitário (face às dificuldades financeiras da sociedade, ao falecimento dos pais da legal representante dessa sociedade e de problemas de saúde desta), a inexistência de proveito próprio por parte da trabalhadora, a insistência desta junto da cliente com vista à regularização da conta e a posterior reposição do montante do descoberto (após ser detectado e referido pelo Director Regional que queria a conta regularizada).

Reclamações: Decisão Texto Integral: Procº nº 505/08.5TTPNF.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 253) Adjuntos: Des. André da Silva Des. Machado da Silva (reg. nº 1.405) Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: A A., B………., intentou, aos 25.03.2008, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a Ré, C………., S.A., pedindo que: a) a ré seja condenada a reconhecer como ilícito o seu despedimento; e, em consequência: b) a reintegrá-la no seu posto de trabalho de gerente da agência de Paredes; c) a pagar-lhe as retribuições vencidas desde o despedimento até à reintegração efectiva ou trânsito em julgado da decisão, se vier a optar pela indemnização de antiguidade, com juros legais sobre a data de vencimento de cada obrigação; d) a indemnizá-la dos danos não patrimoniais sofridos, com juros desde a citação; e) a pagar-lhe a comparticipação nos lucros que devia ter recebido se não tivesse sido o despedimento; f) a pagar-lhe o subsídio de alimentação do período de suspensão preventiva; g) a repor as condições contratuais do empréstimo à habitação, desde a data da alteração após o despedimento, com juros legais sobre o pagamento de maior valor; h) seja fixada uma sanção pecuniária compulsória de valor adequado à capacidade financeira do Banco réu, que é muita.

Para tanto, e em síntese, alega que: foi admitida ao serviço da ré em 17.08.1998, tendo sido promovida a gerente bancária em Junho de 2004.

Por carta datada de 22.02.2008, recebida em 28.02.2008, a ré comunicou à autora o seu despedimento, com a alegação de justa causa, o qual é ilícito por inexistência de justa causa e por violação do direito de defesa.

Quanto à inexistência de justa causa, sustenta a autora o seguinte: A cliente “D………., Lda.” era uma pequena empresa de fabrico a feitio de vestuário, que trabalhava para grandes empresas e marcas. Tal empresa, em 2007, lidou com dificuldades resultantes de atrasos na entrega de encomendas, o que lhe acarretou encargos com o pagamento de penalidades contratuais e redução de preços, tendo começado a sentir dificuldades de pagamento no mês de Abril desse ano, sendo que a primeira dificuldade séria resultou da penhora pela Segurança Social da conta que tinha no E………., em 11.05.2007, provocando-lhe a devolução de três cheques, que totalizaram €9.232,80.

Nessa altura, a cliente apareceu na agência de luto e em choro, dizendo que não podia resolver de pronto a situação, porque o seu pai, que lhe valia nos momentos aflitivos, tinha acabado de falecer, mais referindo à A. que andava a realizar exames e biopsias a quistos no peito por receio de serem cancerígeno, para além de que, posteriormente, em Junho de 2007 faleceu a mãe da cliente.

A autora, condoída com o drama da cliente, foi amparando-a, de molde a poder resolver os seus problemas, que eram de dimensão financeira controlável, sendo que a A. ia sempre insistindo, por consulta à conta, com a regularização.

No C……… existiam duas contas: uma em nome pessoal da gerente e outra da referida sociedade, tendo a cliente usado as duas contas, consoante a proveniência das receitas, sacando cheques de uma conta para a outra, revogando inclusivamente cheques para evitar a falta de provisão.

No dia 16 de Agosto de 2007 notou-se o primeiro descoberto, por cheque depositado em 9 e que veio sem cobertura em 13.

A gestora de risco estabeleceu contacto com a autora, por telefone e correio electrónico, a dar nota do descoberto e a lembrar a regularização.

Em 19 de Setembro, o Directo Regional telefonou à autora, dizendo que queria a conta da cliente – que apresentava um descoberto de € 12.748,76 – regularizada messe mesmo dia.

Impossibilitada a cliente de satisfazer o pedido nesse mesmo dia, a autora reuniu fundos pessoais e depositou na conta particular da cliente €12.750,00, que cobriram a dívida descoberta e as despesas.

Quanto à coarctação do direito de defesa, sustenta a autora que o processo disciplinar apenas tinha duas peças: o Relatório da Inspecção do Banco de 24,10.2007 e a cópia da nota de culpa que lhe foi enviada.

Ora, a autora só pôde consultar o Relatório de Inspecção no dia 30 de Novembro, quando faltavam 5 dias para o termo do prazo para apresentação da sua defesa, não lhe tendo, então, sido facultada fotocópia do referido Relatório, com o que se visou dificultar a sua defesa.

Mais tarde, a ré, muito embora lhe haja facultado maior prazo para defesa e nova consulta do processo disciplinar, voltou a não lhe entregar cópia do relatório e sem permitir à autora que a extraísse.

O instrutor do processo sabia perfeitamente que o Relatório de Inspecção constituía a única prova em que a acusação se baseava, que era uma prova técnica e que, para boa defesa, deveria ter sido facultada cópia.

Assim, ao não permitir que a autora tivesse em seu poder cópia do dito relatório, o instrutor do processo disciplinar obstou e dificultou a defesa, pois que evitou a demonstração de que a acusação desrespeitava a prova em que se baseava.

Acresce que a decisão/relatório que o instrutor fez para deliberação da administração não fez um único comentário sobre a defesa, não a valorizou, nem a ponderou no grau de culpa e tipo de culpabilidade, bem como omitiu o que de favorável existia no Relatório de Inspecção.

Sustenta a autora que se deixou envolver emocionalmente com a situação da cliente, com os seus dramas pessoais, numa preocupação de fazer sobreviver uma pequena empresa; os valores em débito eram de pequeno montante, controláveis e facilmente repostos; uma agência de província, como é a agência do Banco em Paredes, lida com um factor humano local da maior importância no seu relacionamento com a clientela; a autora promoveu o desenvolvimento da agência, demonstrou ser uma trabalhadora interessada e defensora estrénua dos interesses do Banco; trabalhava há 9 anos no Banco e sempre com as melhores informações de serviço; os factos são explicáveis humanamente e se a autora alguma censura mereceria seria a do apelo ao não envolvimento emocional.

Conclui, pois, a autora que não existe qualquer facto ou circunstância que dirima a sua boa-fé e o seu único propósito foi o de assistir a uma situação que o senso mínimo de humanidade e de tolerância social postula, não se verificando a prática querida e consentida da rotação de cheques e a perda de confiança, em que única e exclusivamente se baseia o despedimento.

A Ré contestou, sustentando, em síntese que: a autora foi despedida com comprovada justa causa, devidamente apurada no processo disciplinar válido, findo o qual ficou provado que desenvolveu uma actividade à margem das normas e em colisão com os mais elementares interesse do Banco e das normas que regulam a concessão de crédito numa instituição financeira.

Para tanto, refere que a autora permitiu que a cliente F………., que era titular de uma conta na agência do Banco, movimentasse fundos provenientes de remessas de cheques que se encontravam pendentes de boa cobrança, consentindo numa rotação de cheques entre esta conta e outra titulada por “D………., Lda.”, de que ela era legal representante.

Deste modo, enquanto não ocorreram devoluções de cheques, a situação das contas esteve “controlada”.

Todavia, a partir do momento em que começaram a ser devolvidos, a conta passou a apresentar saldo devedor, sendo que em lugar de pôr cobro a essa situação, a autora, de modo a esconder dos seus superiores a verdadeira situação daquelas contas, permitiu à cliente a prática duma rotação de cheques entre elas.

De tudo a autora foi sabedora, consentiu e foi conivente com a cliente que, após...

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