Acórdão nº 1375/07.6PBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelÁLVARO MELO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 390 - FLS 207.

Área Temática: .

Sumário: A proibição da reformatio in pejus não é absoluta mas consagra tanto a decisão do tribunal de recurso como a que venha a ser proferida em novo julgamento determinado por anterior decisão que reenvia o processo para novo julgamento.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo nº 1375/07.6PBMTS.P1 Acordam, em conferência, na segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO: No processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo nº 1375/07.6PBMTS, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, após pelo acórdão deste Tribunal da Relação de fls. 1039 a 1065 se ter declarado inválido o julgamento realizado, bem como todos os actos posteriores, nomeadamente o acórdão condenatório e ordenada a realização de novo julgamento foi o arguido B……….

submetido a julgamento e na sequência do mesmo foi proferido o acórdão de fls. 1465 a 1508 tendo o tribunal, além do mais, decidido: (…) B) Condenar o arguido, B………., pela prática como autor material, em concurso real, dos seguintes crimes praticados em 1/11/2007; - Um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelos Artigos 131° e 132°, nºs 1 e 2, alíneas g), i) e j), do Código Penal, na pena de 18 anos de prisão; - Um crime de furto qualificado, na forma consumada, previsto e punido pelos Artigos 203° e 204°, n° 1, alínea e), e n° 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão; e - Um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo Artigo 3°, n° 2, do D.L. N° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 meses de prisão.

  1. Em cúmulo jurídico dessas penas, fixar ao arguido a pena única de 20 anos de prisão pela prática de todos esses crimes, nos termos do disposto no Artigo 77°, n° 1, do Código Penal.

* * *Irresignado com o decidido, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões as quais, como é consabido, balizam e limitam o âmbito e objecto do recurso: «1ª No que respeita ao recurso que antecede, ao qual oportunamente se aderiu, e cujas conclusões ora se reiteram, cumpre dizer que, apenas os juízes que tiveram intervenção no anterior julgamento ficaram impedidos de julgar este processo e não estar todo o Juízo; 2ª O despacho que ordenou nova distribuição e nessa conformidade tudo o que lhe seguiu violou o princípio do juiz natural, previsto no n. 9 do artº.32º da CRP; 3ª Nessa conformidade o .º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos é incompetente para proceder ao julgamento deste processo, o que consubstancia uma nulidade insanável, do art. 119.º alínea e) do CPP, o que expressamente se invoca; 4ª O primeiro julgamento realizado e que por força do recurso interposto exclusivamente pelo arguido veio a ser anulado; 5ª Nesse julgamento o arguido havia sido condenado numa pena única de 18 anos de prisão.

6ª O Ministério Publico nunca recorreu de qualquer decisão contra o arguido, pelo que, não fosse a acção deste a pena teria já transitado em julgado; 7ª A decisão de que agora se recorre e que condena o arguido numa pena única de 20 anos de prisão viola o principio do reformatio in pejus previsto no artº 409º n.º 1 do CPP; 8ª No caso de reenvio para novo julgamento resultantes de anulação não pode o Tribunal agravar a posição do arguido, pelo que, no caso, claramente os 18 anos seriam o limite do tribunal ad quem; 9ª É o princípio da acusação subjacente à estrutura acusatória do processo, quem define que, caso um recurso seja interposto exclusivamente por um arguido ou no seu exclusivo interesse, são necessariamente limitados os parâmetros da decisão, ficando futuramente condicionados intraprocessualmente os poderes de decisão, à não alteração em desfavor do arguido.

10ª O principio do processo equitativo enunciado no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art.º 14 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, impõe que a proibição da reformatio in pejus seja avaliada e confrontada neste âmbito da compreensão: a lisura, o equilíbrio, a lealdade tanto da acusação como da defesa, que constituem, ao lado do contraditório, da igualdade de armas e da imparcialidade do Tribunal, momentos de referência da noção de processo equitativo, impõem ao arguido, no caso de único recorrente e que usa o recurso como uma das suas garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas, não possa ser, em nenhuma circunstância, surpreendido no processo com a decorrência de uma situação desequilibrante; o recurso, inscrito como meio de defesa, não pode, quando a acusação não o requerer, produzir sem desconformidade constitucional, um resultado de gravame – vide acórdãos do Tribunal Constitucional 499/97 e 498/98; 11ª Assim, foi já declarada inconstitucional, por violação do disposto no art.º 32º n.º 1 da CRP, a norma do art.º 409º n.º 1 do CPP, interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação, em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso interposto unicamente pelo arguido; 12ª O acórdão recorrido viola de forma flagrante o disposto no art.º 410º nº 2 al. c) do CPP, cometendo um erro notório na apreciação da prova; 13ª Tal erro decorre, desde logo, do facto de ter valorado (não valorado) de forma errada os exames periciais cuja realização foi ordenada pelo próprio tribunal a quo.

14ª Bem como da não valoração, ou diminuta valoração dos depoimentos dos peritos médicos Drª C………. e sobretudo Dr. D………., médico Psiquiatra; 15ª Na verdade, tendo resultado do teor dos relatório e das suas conclusões e das declarações dos referidos peritos que o arguido, embora imputável, tem a sua imputabilidade diminuída, como expressamente refere a terceira conclusão do relatório Médico-legal realizado pelo Dr. D………., que diz que “a entorse caracterial que transporta, condiciona-lhe discernimento e volição, roubando margem de manobra no governo de si e autorizando uma proposta de atenuação de imputabilidade.” 16ª E como referiu o Dr. D………. em audiência «...“Portanto estamos a falar de uma pessoa a quem falta aquilo que de mais precioso há no ser humano, que é a alma”...

“Mas esta pessoa não é um sociopata puro, mas é um ser humano dissocial. Estas pessoas têm uma escassez afectiva arrepiante, são pessoas que praticamente não têm acesso ao medo. Metem-se em complicações e em problemas e não têm a capacidade de fazer uma árvore das consequências dos seus actos. Metem-se em coisas que os outros não se metem porque têm medo e o medo é uma coisa extremamente importante! Eles estão privados de afectos.” Nós passamos a vida a ter compaixão de pessoas que estão limitadas na sua motricidade, mas não temos compaixão de uma pessoa que é desalmada! Dessas nós não temos compaixão. Daí que deve haver uma atenuação” (30’) “Estas são pessoas desconfiadas e que têm uma grande necessidade de controlo. Ele controla-se a ele, na medida do possível e tenta controlar terceiros.”“O álcool e outros tóxicos potenciam estes traços de carácter de que estávamos a falar.”...» - sublinhado da nossa responsabilidade.

17ª O Tribunal a quo não levou em conta, seja na qualificação do crime de homicídio, seja na determinação da medida da pena, esta atenuação de imputabilidade, o que, por se tratar de um juízo técnico e cientifico está sujeito às regras do disposto no art.º 163º do CPP.

18ª O que determina desde logo que este meio de prova não esteja sujeita ao princípio da livre apreciação de prova, previsto no art.º 127 do CPP.

19ª Pelo que deve ser valorado de acordo com o sugerido pelo perito técnico, o que in casu não ocorreu, bem pelo contrário, uma vez que o tribunal fez letra morta do teor e conclusões dos relatórios médicos, bem como, das declarações em audiência dos peritos médicos.

20ª Ora, não seguindo as orientações dos relatórios periciais e dos peritos, deveria o Tribunal, como impõe o art. 163 n.º 2 do CPP, fundamentar devidamente, e com recurso a critérios científicos, as razões do não acatamento de tais juízos técnicos.

21ª Não o fazendo, além de violar o disposto no art.º 163º n.º 2 do CPP, o Tribunal infringiu o disposto no art.º 374º n.º 2 do CPP, o que tem como consequência a nulidade da sentença/acórdão, como ordena o artigo 379º n.º 1 al. a) do mesmo diploma.

22ª Nulidade essa que desde já se invoca.

23ª De igual forma o tribunal não teve em consideração o teor do depoimento da irmã do arguido, E………., a qual esclareceu de forma que nos pareceu absolutamente honesta e coerente o percurso de vida do irmão, o arguido, a doença do pai de ambos – esquizofrenia –, a forma como esta doença e o receio de ser acometido pela mesma se fez sentir ao longo da vida do arguido, bem como os sintomas que este foi apresentando ao longo dos anos e ainda os contactos do arguido com as drogas e o álcool.

24ª De igual forma, este depoimento, principalmente na parte em que alude ao uso de drogas e ao consumo de álcool por parte do arguido, deve ser entendido e considerado de forma conjugada com o teor do relatório psicológico junto aos autos, nomeadamente na parte em que diz que “é de referir que o deficiente controlo comportamental e a impulsividade são facultadas pelo uso de álcool e de drogas”.

25ª Ora, além dos vícios já apontados, o tribunal ao não levar em conta o teor dos relatórios médicos e o depoimento da perita médica conjugado entre outros com o depoimento da irmã do arguido, não atendeu a elementos de prova absolutamente fundamentais para a decisão, facto que consubstancia o vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como prevê o art.º 2 410 º n.º 2 al. a) do CPP.

26ª O Tribunal faz, como se disse, uma errada qualificação do crime de homicídio, porquanto, para que se verifiquem presentes todos os elementos do tipo legal de crime é necessária, antes de mais, uma especial censurabilidade e perversidade no cometimento do crime.

27ª Ora...

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