Acórdão nº 223/05.6PAVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 389 - FLS 142.

Área Temática: .

Sumário: I - A par da indemnização pela perda do direito à vida é autonomamente indemnizável o dano correspondente ao sofrimento físico e moral da vítima no período que mediou entre o momento da lesão e o momento da morte.

II - O direito à vida como o direito à integridade física comportam duas dimensões: uma dimensão abstracta que tem por base o princípio da dignidade da pessoa humana e é igual para todas as pessoas; uma dimensão concreta que respeita ao modo e qualidade de vida de cada um, sob as perspectivas individual, social, familiar, afectiva, económica.

III - São os aspectos que caracterizam o modo e a qualidade de vida em concreto de cada um que impõem a diferenciação dos montantes indemnizatórios a fixar pela lesão daqueles direitos.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 223/05.6PAVLG.P1 4ª Secção Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto, I - RELATÓRIO No processo comum, com intervenção de tribunal singular n.º 223/05.6PAVLG, do .º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, por sentença de 28/11/2008, o arguido B……….

, com os sinais dos autos, foi condenado pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 13.º do Cód. Estrada, na coima de € 100,00 (cem euros); pela prática de um crime de homicídio negligente e de dois crimes de ofensa à integridade física negligente, p. e p., respectivamente, pelos arts. 137º, n.º 1 e 148º n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares de 8, 1 e 1 mês de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.

A mesma sentença condenou a demandada “Companhia de Seguros C………., S.A.”, a pagar aos demandantes, D………. e marido E………., a quantia de € 105.885,44 (cento e cinco mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros à taxa de 4% ao ano desde a notificação até integral pagamento, absolvendo-a do mais por aqueles peticionado.

Inconformada com tal condenação, dela interpôs recurso a demandada “Companhia de Seguros C………., S.A.”, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: “1 - A recorrente não se conforma quanto a algumas das questões de direito decididas pela mesma Instância na sobredita sentença, porquanto, entende, não serem da exclusiva responsabilidade do seu segurado - e consequentemente, sua – a totalidade dos danos sofridos pelo infeliz F………. no acidente aqui em apreço.

2 - Não se conforma com o montante arbitrado pelo Tribunal recorrido aos progenitores da vítima como indemnização pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com o decesso daquela, em virtude do mesmo sinistro.

3 - Finalmente, não se conforma igualmente a recorrida com a atribuição, aos herdeiros do malogrado F………., de uma indemnização correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado, entre a data do acidente e a data da ocorrência da sua morte.

4 - Não obstante ser o arguido o único responsável pelo sinistro dos autos, a matéria factual demonstrada nos presentes autos permite a imputação ao sinistrado de uma parte significativa da responsabilidade pela ocorrência dos danos por ele sofridos.

5 - É matéria factual provada nos autos que "Todos os referidos motociclistas traziam capacete colocado na cabeça no momento do embate com o TX, tendo o do falecido F………. saído da cabeça deste antes da sua queda ao chão." e que "Como consequência directa e necessária do embate sofreram:... a vítima F………. lesões traumáticas crânio-encefálicas as quais, associadas a broncopneumonia que surgiu como complicação, lhe determinaram directa e necessariamente a morte no dia 29-03-2005. " 6 - Concordamos com a asserção feita na sentença que não obstante não envergar capacete de protecção no momento do acidente, tal facto não quebra o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano da morte.

7 - No entanto, entendemos que podia o Tribunal, independentemente de apurar se o nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo arguido e o resultado da morte do ofendido se quebrou ou não, podia apurar, dizíamos, se a falta do capacete na cabeça do sinistrado no momento do acidente, contribuiu ou não para o agravamento dos danos que ele sofreu.

8 - Incumbia ao lesado utilizar um capacete de protecção na cabeça, devidamente apertado e que não saísse da cabeça em caso de acidente, o qual tem como função proteger a cabeça de lesões graves em consequência de pancadas que sofra em acidente de viação.

9 - Apurou-se que no momento em que o capacete de protecção era necessário, não se encontrava na cabeça do malogrado F………., para o que a actuação do arguido foi totalmente alheia.

10 - Apurou-se nos autos que os danos corporais mais graves sofridos pelo inditoso F………. se localizaram essencialmente ao nível na cabeça - tendo sido até as lesões crânio-encefálicas que padeceu a causa directa e necessária da sua morte.

11 - Incumbia ao lesado (no caso aos seus representantes) a prova da culpa (total) do autor das lesões que aquele sofreu.

12 - Parece à recorrente que deviam os demandantes ter demonstrado que essas lesões sempre teriam ocorrido mesmo que este cumprisse com o disposto na lei estradal, que o obrigava a usar um capacete de protecção que o protegesse dos efeitos do sinistro automóvel.

13 - Na situação ajuizada, sabe-se que o infeliz F………. não protegia a cabeça com o respectivo capacete no momento em que caiu ao solo - por motivo a que foi absolutamente alheio o condutor do veículo seguro na demandada seguradora -, sabendo-se igualmente, que as lesões que o vitimaram foram com especial incidência as graves lesões cranianas sofridas no acidente.

14 - Entende a recorrente que, em virtude da culpa do lesado, se justifica uma redução da indemnização a atribuir nestes autos aos demandantes, em 20%, nos termos do n.° 1 do art. 570° C. Civil, por a conduta da vítima se apresentar como concausal do dano em concorrência com a do condutor do veículo seguro, ainda que seja pouco significativa.

15 - Trata-se de uma solução que tem sido preconizada pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, tal como defendido no douto Acórdão do ST J, proferido em 08-11-2007 (consultável em www.stj.pt, Ac. n.º 07B3544), por unanimidade, pelos Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros Alberto Sobrinho, Maria dos Prazeres Beleza e Salvador da Costa.

16 - A decisão recorrida arbitrou aos Pais do falecido F………. a quantia de 25.000,0 € para cada um deles, como indemnização pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com o decesso de seu filho.

17 - Em face do entendimento que vem dominando a generalidade da Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, pretendemos igualmente com o presente recurso dizer e salientar que, em casos idênticos ao que ora se acha em discussão, vêm sendo atribuídas aos progenitores de lesados falecidos em consequência de acidente de viação, pelos respectivos danos não patrimoniais sofridos, quantias substancialmente inferiores à que o Tribunal recorrido entendeu fixar aos demandantes.

18 - Na verdade, não obstante considerarmos os danos não patrimoniais sofridos pelos recorridos muito relevantes e dignos de uma compensação pecuniária muito expressiva, não deixamos, por esse motivo, de ter presente, que não é o valor de 25.000,00 € por progenitor, o montante que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem entendido arbitrar em casos semelhantes.

19 - Atentemos, para exemplificar esta afirmação, no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido por unanimidade em 13 de Dezembro de 2007, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt (n.º 07A3927) e para o qual chamamos a atenção para o trecho que transcrevemos supra no corpo das alegações.

20 - Julga a recorrente determinante, quando se pretende indemnizar danos desta natureza de forma justa e equilibrada, que sobre esta matéria deva recair uma certa uniformidade de julgados, o que nos parece óbvio não suceder no caso vertente.

21 - Tal montante, de acordo com o conjunto da nossa Jurisprudência deve fixar-se sempre em valor inferior a 20.000,00 €, quantia que traduz de forma muito expressiva a gravidade dos prejuízos não patrimoniais sofridos pelos demandantes e que não ofende os valores usualmente arbitrados em situações de gravidade idêntica.

22 - Finalmente, passemos à análise do último ponto da discórdia da recorrente quando à decisão proferida nestes autos, a qual versa sobre a indemnização atribuída aos demandantes, correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido F………. desde o momento do acidente dos autos até ao momento do seu decesso.

23 - Unicamente aos demandantes competia fazer prova da existência dos aludidos danos não patrimoniais para que pudesse ser atendido pelo Tribunal.

24 - Compulsado o elenco dos factos provados, constatamos que apenas um lhe diz indirectamente respeito, a saber, "O F………. em consequência do referido acidente entrou em coma barbitúrico em 24/03/2005." 25 - O mesmo é dizer que dos factos provados não se extrai um único facto, ou indício sequer, de que desde o acidente até à data da sua morte, o falecido F………. tenha sofrido dores ou qualquer percepção do que lhe sucedeu com o ajuizado sinistro.

26 - Por falta de qualquer facto provado que o sustente, não pode de forma alguma proceder o pedido por formulado pelos demandantes, ainda que de forma parcial.

27 - Não se compreende nem aceita a justificação aduzida pelo Tribunal recorrido para fundamentar a atribuição da verba de € 5.000,00 aos recorridos, correspondente a danos não patrimoniais sofridos pelo inditoso F………. .

28 - Aduz a Meritíssima Juiz a quo, sem explicar como, ser sua convicção que em algum momento antes de entrar em estado de coma o F………., ainda que por alguns segundos, viveu e sentiu angústia de não saber as consequências e a gravidade daquele embate.

29 - Seguindo de...

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