Acórdão nº 2692/08.3TABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: JULGADO PROCEDENTE Sumário: O limite de € 7500 a que alude o n.º 1 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no artigo 107º do RGIT.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *I - Relatório No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, no âmbito do processo comum singular nº 2692/08.3TABRG, por despacho de 24 de Agosto de 2009, foi rejeitada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos F....,. SA, Liliana , Cristiana e Manuel, todos com os demais sinais dos autos, na qual lhes imputava a prática “em co-autoria (…) de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107º, n.ºs 1 e 2, artigo 105º, n.ºs 4, alíneas a) e b), e artigo 7º, n.º3 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/06, de 29 de Dezembro”, “por a considerar manifestamente infundada, uma vez que as condutas em causa estão descriminalizadas” *Inconformado com tal despacho dele recorreu o Ministério Público, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1. «O douto despacho recorrido considerou que a alteração ao artigo 105°, n.º 1 do RGIT introduzida pelo artigo 113° da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, descriminalizou também condutas anteriormente integradoras dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social previstas no art.º 107°, n.º 1, sempre que a prestação tributária não seja superior a € 7 500,00, como é o caso dos autos, julgando cessados os efeitos penais da condenação, em conformidade com o disposto no n.º 2, do art.º 2.° do CP.

  1. Para tanto, o Tribunal "a quo" entendeu que a "remissão feita pelo n.º 1 do artigo 107º do RGIT para as penas previstas no n.º 1 do artigo 105º do mesmo diploma, tem de se considerar feita não só para a pena como também para o respectivo valor mencionado nesse preceito".

  2. Salvo o devido respeito, esta interpretação extensiva foi além da "mens legis", não encontrando suporte nem na letra, nem no espírito da lei.

  3. Desde logo, o art.º 107.°, n.º 1, apenas remete para o art.º 105.° no que respeita às penas aplicáveis (n.ºs 1 e 5 do art.º 105.°) e não à conduta. Esta última, encontra-se integralmente prevista naquele dispositivo legal. Não é, portanto, uma remissão em bloco para o art.º 105.°, mantendo-se, por isso, intacto o art.º 107.º 5. Por outro lado, constata-se que o legislador do RGIT, na parte III (Das infracções tributárias em especial), dentro do Título I (Crimes tributários), reservou dois capítulos diferentes, um para os crimes fiscais (capítulo III) e outro para os crimes contra a segurança social (capítulo IV), atribuindo-lhes, por isso, um tratamento diferente, tendo em conta a diferente natureza das prestações.

  4. Também não se pode afirmar uma total correspondência dos regimes punitivos dos crimes fiscais e dos crimes contra a segurança social.

  5. Não obstante a similitude da construção dos ilícitos de abuso de confiança fiscal e abuso de confiança contra a segurança social, são diferentes os bens jurídicos que visam tutelar.

  6. No crime de abuso de confiança contra a segurança social o bem jurídico tutelado é um bem jurídico multifacetado, abrangendo o direito fundamental à segurança social e o dever de solidariedade e, ainda, o património da segurança social, ao passo que no abuso de confiança fiscal visa-se proteger o erário público e o interesse do Estado na integral obtenção das receitas tributárias, tendo em vista a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

  7. Sendo, como são, actuais e prementes os problemas de sustentabilidade da Segurança Social Portuguesa, por certo não esteve no espírito do legislador, com a alteração da redacção do artigo 115°, n° 1 do RGIT (que prevê e pune o crime de abuso de confiança fiscal) feita pelo artigo 113° da Lei 64-A/2008, de 31/12, restringir também a punibilidade do crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. no art.º 107.°, n.º 1 (dando um sinal de sentido negativo à sociedade, que redundaria num agravamento daqueles problemas).

  8. O douto despacho recorrido, na parte que declarou cessados os efeitos da condenação pelo crime de abuso de confiança contra a segurança social violou os artigos 113.° da Lei 64-A/2008, de 31/12, 105°, n.º 1 e 107°, n.º 1 do RGIT, 2° n° 2 do Código Penal e 9°, n.º 2 do Código Civil.» Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido “e substituído por outro que ordene o normal prosseguimento dos autos, designadamente, para efeitos do artigo 311º do CPP” *Os arguidos não responderam ao recurso.

    * *O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 271.

    *Nesta Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se pela procedência do recurso.

    *Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, não houve resposta.

    Foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.

    * II- Fundamentação 1.

    Conforme se encontra documentado nos autos: §1. O Ministério Público acusou os arguidos F....,. SA, Liliana , Cristiana e Manuel, todos com os demais sinais dos autos, imputando-lhes a prática “em co-autoria (…) de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 107º, n.ºs 1 e 2, artigo 105º, n.ºs 4, alíneas a) e b), e artigo 7º, n.º3 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/06, de 29 de Dezembro” Conforme resulta daquela acusação, as cotização não pagas ascendem ao montante global de €13630,99, reportam-se aos meses de Março e Abril de 2007 e de Junho de 2007 a Março de 2008, e nenhuma delas é superior a €7500.

    *§2. Em 24 de Agosto de 2009 foi proferido o seguinte despacho (despacho recorrido): «O tribunal é competente.

    O Ministério Público tem legitimidade.

    *Nos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos, imputando-lhes a prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada, p. e p. pelo Artigo 107, n.ºs 1 e 2 do RGIT, por referência ao Artigo 105, n.ºs 4, als a) e b), 6 e 7 e ainda Art. 7, n.º 3 do mesmo diploma.

    Acontece que em 1 de Janeiro de 2009, entrou em vigor da Lei n.° 64-A/2008, de 31.12 que no seu Artigo 113, alterou a redacção do Artigo 105 do RJIT, por forma a descriminalizar condutas anteriormente integradoras dos crimes de abuso de confiança fiscal e contra a segurança social (estas últimas por força da remissão do n.º1 do Artigo 107 do RGIT) sempre que a prestação tributária não seja superior a € 7.500,00, como é o caso destes autos.(sublinhado no original) (. A este propósito, refere-se que a remissão feita pelo n° 1 do Artigo 107 do RG IT para as penas previstas no n.º 1 do Artigo 105 do mesmo diploma, tem de se considerar feita não só para a pena como também para o respectivo valor mencionado nesse preceito, da mesma forma que a remissão feita pelo mesmo n.º 1 do Artigo 107 para as penas previstas no n.º 5 do Artigo 105, tem de se considerar feita como sempre se considerou - não só para a pena (agravada) aí prevista, mas também para o valor (superior a € 50.000,00) aí igualmente mencionado e subjacente à agravação. Não fazendo por isso sentido, em nosso modesto entendimento, interpretar a mesma norma - Artigo 105, n.º 1 do RGIT-, de forma diferente, consoante se trate da remissão nela feita para o n.º 1 ou n.º5 do artigo 105 .

    .Aliás, outra posição não se nos afigura coerente com a circunstância de, com esta nova lei, e por revogação do n.º 6 do Artigo 105 do RGIT, se ter agora eliminado para os crimes de abuso de confiança contra a segurança social, a possibilidade de extinção da responsabilidade criminal pelo pagamento, quando o valor da prestação não excedesse os € 2.000,00. Pois, se não se tivesse querido restringir a punibilidade para os casos de prestações superiores a € 7.500,00, a lógica seria transpor o antigo n.º 6 do Artigo 105 do RGIT para o Artigo 107 do mesmo diploma, de forma a deixar intocado o respectivo punitivo, o que não foi feito, obviamente por tal ter deixado de fazer sentido, uma vez que já não é criminalizada a falta de entrega de contribuições à segurança social de valor não superior a € 7500,00) Consequentemente e em conformidade com o disposto no artigo 311º, n.º2, al. a) e n.º 3, al. d) do CPP, decido rejeitar a acusação, por a considerar manifestamente infundada, uma vez que as condutas em causa nos autos estão descriminalizadas.

    Notifique» *2.

    A questão.

    Neste recurso, a única questão suscitada pelo recorrente consiste em saber se no que respeita ao crime de abuso de confiança contra a segurança social ocorreu ou não a referida despenalização, com a consequente extinção da responsabilidade criminal.

    * 3. A alteração legislativa.

    A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, consagrou importantes alterações ao Regime Geral das Infracções Tributárias, nomeadamente no que concerne ao crime de abuso de confiança fiscal.

    Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 113º da citada Lei n.º 64-A/2008, foi alterada a redacção do n.º 1 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, mediante a introdução de um limite ao valor da prestação tributária ali considerada, passando-se a exigir que ela seja de "valor superior a € 7500".

    Fruto desta alteração, a redacção do n.º1 do citado artigo 105º é agora a seguinte: “Quem não entregar à administração tributária...

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