Acórdão nº 166/03.8TAVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTERROSO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário: I) No crime de abuso de confiança a apropriação incide sobre uma coisa entregue licitamente ao agente Não se exige um prévio acto formal e material de entrega do objecto, mas é necessário que o agente, no momento em que ocorre a inversão do título de posse, já possa dispor dele para o desencaminhar ou dissipar.

II) Ora nada disto está configurado nos factos da acusação. Nos termos desta, a arguida usou as procurações que lhe foram outorgadas, para se apropriar de bens e dispor deles. Falta, de todo, o requisito da «entrega».

Nenhum espaço temporal existe entre o momento em que a arguida Teresa detém os bens e aquele em que passa a comportar-se como proprietária. Aliás, não sendo, hipoteticamente, as procurações válidas elas nunca poderiam configurar a existência de uma entrega, ainda que mediata, dos bens a esta arguida.

III) Não sendo os factos da acusação imputados à arguida Teresa P... subsumíveis à previsão do crime de abuso de confiança, tem também de decair a acusação quanto à arguida Maria P... a quem foi imputado um crime de receptação.

É que, é requisito do crime de receptação que a coisa tenha sido obtida mediante facto ilícito típico contra o património — v. norma do n° 1 do art. 231 do Cod. Penal.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães No 2° Juízo Criminal de Viana do Castelo, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo (Proc.n° 166/03.8TAVCT), foi proferido acórdão que: - absolveu a arguida TERESA P....

da prática do crime de abuso de confiança qualificado; - absolveu a arguida MARIA P...

da prática do crime de receptação dolosa; e - absolveu as arguidas do pedido de indemnização civil contra elas deduzido pela assistente Vera M....

* A assistente Vera M...

interpôs recurso deste acórdão suscitando as seguintes questões: - o julgamento é nulo por falta de gravação do depoimento duma testemunha; e subsidiariamente - impugnam a decisão sobre a matéria de facto, visando que "após a renovação da prova serem as argui-das condenadas nos crimes pronunciadas".

* Respondendo, o magistrado do MP junto do tribunal recorrido e a arguida Teresa P... defenderam a improcedência do recurso.

Na sua resposta a arguida Teresa suscita ainda a questão da falta de interesse em agir da recorrente, por, enquanto assistente, não ter deduzido acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial de factos.

Nesta instância, a sra. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 n° 2 do CPP.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*I – No acórdão recorrido recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): Em data concretamente não apurada, mas há mais de 40 anos, a arguida Teresa travou conhecimento com Magna V....

Nos últimos anos de vida de Magna V..., a arguida Teresa visitava-a, ajudava-a a levar as compras, ia à médica de família buscar as receitas, comprava-lhe os medicamentos, tratava-lhe da documentação e fazia-lhe companhia.

A partir do quarto trimestre de 2001, altura em que Magna V... ficou acamada, e porque precisava de alguém para dela cuidar a tempo inteiro, a arguida Teresa, a pedido de Magna V..., contactou a arguida Maria para tal fim, por ser a pessoa que tinha tratado do pai de Magna V... até à morte dele, e que esta já conhecia. Maria aceitou tal incumbência, passando a pernoitar em casa de Magna V....

A data referida no parágrafo anterior, Magna V..., nascida a 6 de Setembro de 1930, solteira, sofria de esquizofrenia paranóide e de diabetes.

Nos meses que se seguiram, as arguidas Teresa e Maria foram incrementando a sua relação com Magna V....

Por causa do apoio e atenção que a arguida Teresa prestou a Magna V... nos últimos anos de vida, esta tinha intenção de lhe deixar parte dos seus bens (dois apartamentos na Abelheira, Viana do Castelo, e os certificados de aforro); Magna V... tinha ainda vontade de deixar a casa onde residia em Viana do Castelo à arguida Maria, que dela cuidava, e que a casa de Coimbra fosse vendida, e o produto da venda distribuído por instituições de caridade ao critério da arguida Teresa. Magna V... queria ainda que, depois da sua morte, a arguida Teresa entregasse à sua prima Vera e ao seu afilhado Francisco a quantia de 1 500 000$00 a cada um.

Magna pediu à arguida Teresa que contactasse um advogado no sentido de elaborar os documentos que fossem necessários para que a arguida Teresa pudesse administrar os bens que lhe queria deixar e para, após a morte daquela, cumprir as suas outras vontades.

Consultada uma advogada, a arguida Teresa foi informada de que Magna V... teria de assinar uma declaração onde constasse a sua vontade e de outorgar uma procuração a favor da arguida Teresa, conferindo-lhe poderes para fazer o que entendesse com os seus bens. Magna V... concordou com tal procedimento.

Em 5 de Março de 2002, Magna V... assinou um documento sob a epígrafe "Declaração de Última Vontade", em que se refere "desejo que o destino dos meus bens seja o seguinte, pelo que, para o efeito, darei os necessários poderes, mediante procuração bastante à minha amiga TERESA P.... (...): A minha casa da Rua Nova de S. Bento n°19, desta cidade será para a minha empregada Maria P..., residente nesta cidade, em paga dos serviços que me tem prestado; A minha casa de Coimbra destina-se a ser vendida e o produto da sua venda a ser distribuído por instituições de caridade ao critério da minha amiga e procuradora; Todos os meus restantes bens, incluindo os meus apartamentos sitos na Rua Cirne de Castro e Rua Ramalho Ortigão, bem como os meus certificados de Aforro serão para a minha dita amiga TERESA P...., como penhor de toda a sua amizade e do apoio e carinho com que me tem tratado".

Em 11 de Março de 2002, Magna V... assinou um documento sob a epígrafe "Declaração Complementar", em que se refere "tendo já determinado o destino dos meus bens, em complemento, determino que a minha procuradora, TERESA P.... (...), dê cumprimento aos seguintes encargos: PRIMEIRO: Entregar a quantia de MIL E QUINHENTOS CONTOS (7.481,97 euros) à minha prima Vera, residente no Porto.

SEGUNDO: Entregar a quantia de mil e quinhentos contos (7.481,97 euros) ao meu afilhado FRANCISCO, residente no Brasil".

No dia 27 de Junho de 2002, Magna V... foi internada de urgência no Hospital de Viana do Castelo, situação em que se manteve até 10 de Julho de 2002; na altura do internamento, Magna V... apresentava um quadro clínico de debilidade mental, com alterações do estado de consciência e desorientação no espaço, no tempo e na situação.

No dia 25 de Julho de 2002, à tarde, a arguida Teresa, por intermédio de uma advogada, chamou a casa de Magna V..., sita na rua Nova de S. Bento, 19, Viana do Castelo, uma ajudante de notário, que exarou duas procurações.

Numa, "a outorgante declarou que constitui procuradora TERESA P.... (...), a quem concede poderes para junto da «CGD, S.A. ", ou quaisquer bancos ou instituições bancárias, inclusive ao abrigo do sistema «poupança reforma», movimentar as suas contas, mesmo em caso de antecipação, podendo assinar cheques, recibos, ordens de pagamento, e tudo o que necessário se tornar aos...

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