Acórdão nº 8860/06.5TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE Sumário: O proprietário do veículo tem o direito de usar, fruir e dispor da coisa, pelo que a privação desse uso e fruição constitui, de per si, um dano que justifica indemnização, tanto nos casos em que é viável a reparação do veículo como naqueles em que ocorre a perda total deste.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães (Relatora: Isabel Fonseca; Adjuntas: Maria Luísa Ramos e Eva Almeida) I. RELATÓRIO Emílio, residente em C..., Braga, intentou a presente acção, com forma de processo ordinário, contra a Companhia B..., S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 15.260,68€, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, ter ocorrido um embate entre quadriciclo de sua propriedade e por si conduzido e o veículo automóvel de passageiros, matrícula ...-11-OZ (cujo proprietário havia transferido para a ré a responsabilidade pelos danos decorrentes da sua circulação, por via do contrato de seguro), embate que ficou a dever-se a culpa do condutor do veículo seguro e do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais para o autor.

A ré contestou, impugnando a factualidade invocada na petição inicial.

Elaborou-se despacho saneador, com fixação da factualidade assente e base instrutória, objecto de reclamação, indeferida.

Procedeu-se a julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 6.230,70€ (seis mil duzentos e trinta euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4%, ou outra que entretanto venha a vigorar, desde a citação e até integral pagamento.

Custas por autor e ré na proporção do decaimento.

Registe e notifique”.

A ré recorreu da sentença, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: “1. Relativamente ao circunstancialismo do acidente entende a Recorrente que, quer a prova já constante dos autos quer sobretudo a prova produzida em sede de julgamento imporiam decisão diversa quanto à matéria fáctica dos arts. 4°; 5°; 8° e 50°; 52°; 53°; 55° e 56° da base instrutória devendo aqueles ser considerados não provados e estes últimos provados, ao invés da decisão proferida e constante do ponto 4° da sentença.

  1. Aliás, a nosso ver, a própria motivação da resposta à matéria fáctica contraria a decisão que veio a ser proferida e que enquadrou o acidente no instituto da responsabilidade pelo risco com fundamento na impossibilidade de dirigir a qualquer dos condutores um juízo de censura.

  2. Com efeito, quer a própria testemunha do Autor — Francisco Mendes quer a condutora do veículo seguro na Ré — Maria da Conceição Antunes foram explícitos na parte dos seus depoimentos em que peremptoriamente afirmaram que o quadriciclo do Autor se encontrava estacionado em frente à porta do Café, o qual se situa mesmo em frente à Adega Cooperativa para onde o Autor se pretendia dirigir, pelo que, para fazer tal manobra teria necessariamente que atravessar a faixa de rodagem obliquadamente.

  3. Face à própria configuração do local seria até inexequível, ou pelo menos altamente improvável, a manobra descrita na petição inicial.

  4. De todo o modo, e qualquer que tenha sido a manobra realizada pelo Autor para efectuar a travessia da faixa de rodagem dúvidas não restam que sempre consubstanciará uma manobra perigosa que, como tal, requer especiais deveres de cuidado — deveres estes que o Autor manifestamente não cumpriu.

  5. Desde logo, não atentou nos veículos que por ali circulavam, e aos quais era obrigado a ceder passagem — caso contrário, teria avistado o veículo seguro na R., o qual, atenta a visibilidade existente no local, já era necessariamente visível.

  6. Além do mais, e estando definitivamente assente que a condutora do veículo automóvel desviou e guinou à esquerda, onde veio ocorreu o embate, bem denota que aquela foi surpreendida pela manobra do Autor e quando se encontrava a escassos metros destes — o que demonstra, por outro lado, que o Autor não sinalizou a sua manobra.

  7. Aliás, na própria motivação da resposta à matéria de facto bem se reconhece que a condutora do veículo foi surpreendida pelo quadriciclo a entrar de repente na estrada.

  8. Assim, em suma, perante esta factualidade parece-nos estarmos perante uma conduta transgressional do condutor do quadriciclo que permitirá, contrariamente ao decidido, concluir-se que o acidente ocorreu por sua culpa única e exclusiva.

  9. Sem conceder, relativamente aos danos, e mais precisamente quanto ao valor do quadriciclo, também entendemos que a matéria fáctica do art. 42° (ora ponto 30° da sentença) foi incorrectamente julgada.

  10. Dos depoimentos do perito da Ré — Sr. Álvaro C... e do próprio mecânico do Autor resulta que o quadriciclo, após o embate, teria não um valor como sucata mas antes o valor de € 2.000,00.

  11. Assim, ao valor — assente — que tinha antes do acidente - € 4.000,00 — haverá eu deduzir o valor do salvado - € 2.000,00 — ascendendo, assim a indemnização, a este título, à quantia de € 2.000,00, e não € 4.000,00, conforme foi decidido.

  12. Por último, e no que concerne o dano pela privação do uso, questionamos apenas o período da sua contabilização, ou seja, desde a data do acidente até à data em que o Autor (6 meses depois) adquiriu um novo para sua substituição por até essa data não ter tido meios financeiros para tal.

  13. Afigura-se-nos algo excessivo, sobretudo se atendermos a que, de acordo com a tese exposta na sentença, e no limite, se poderia atingir valores de indemnizações pela privação do uso totalmente descabidos e desconformes à realidade — o que até configuraria situações de enriquecimento sem causa e até de abuso de direito.

  14. Sendo perda total — facto este assente — tal danos só será indemnizável até à data em que o Autor teve conhecimento de tal facto, por lhe ter sido comunicado pela Ré, tal como, de resto, tem sido entendimento da nossa Jurisprudência e é espírito da lei surgindo consagrado no art. 42° do D.L 291/2007.

    Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso e revogando-se a sentença proferida se cumprirá a lei e far-se-á inteira justiça!” O autor apresentou contra alegações, propugnando pela manutenção da decisão.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

    1. FUNDAMENTOS DE FACTO A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade: 1º- Cerca das 14.30 horas do dia 9/03/2004 ocorreu na Variante do Cavado, km 87,800, na Confeiteira, Braga, um embate no qual tiveram intervenção o quadriciclo 3 ILH-3..., conduzido pelo autor, seu proprietário e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ...-11-OZ, conduzido por Maria A... – A; 2º- O quadriciclo encontrava-se parado na berma do lado direito da E.N. 101, atento o sentido Palmeira/Braga – B; 3º- No lado esquerdo da E.N. 101, atento o sentido Palmeira/Braga existe a Adega Cooperativa de Braga – C; 4º- O autor iniciou a marcha, no local referido no anterior facto 2º, e circulou na EN 101, dirigindo-se para a Adega Cooperativa de Braga – 3º, 4º, 5º, 7º, 52º e 55º; 5º- O veículo ...-11-OZ circulava no sentido Palmeira/Braga – F; 6º- O veículo automóvel circulava a velocidade não apurada – 8º e 50º; 7º- No local os sentidos de trânsito estão separados por linha longitudinal contínua, salvo em parte situada em frente à entrada para a Adega Cooperativa de Braga, onde a referida linha é descontínua – 12º; 8º- A condutora do veículo automóvel travou e desviou-se para a esquerda – 58º e 59º; 9º- O veículo OZ invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Palmeira/Braga – G; 10º- O embate ocorreu entre a parte da frente do lado direito do veículo ...-11-OZ e a parte lateral esquerda, porta, do quadriciclo – D; 11º-No momento do embate o quadriciclo encontrava-se na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Palmeira/Braga – E; 12º- Em consequência do embate o quadriciclo foi projectado contra o muro existente junto da entrada da Adega Cooperativa de Braga, onde se imobilizou – H; 13º- Em consequência do embate o autor sofreu traumatismo da grade costal esquerda com fractura dos 6º e 7º arcos costais, sofreu traumatismo abdominal fechado e sofreu traumatismo da anca esquerda, com contusão – 13º, 14º e 15º; 14º- Do local do embate foi transportado do local do embate para o S.U. do Hospital de S. Marcos, Braga, onde foi assistido, submetido a estudo radiológico simples e a ecografia abdominal, sendo avaliado por Cirurgia Geral e Ortopedia – 16º, 17º, 18º, 19º e 20º; 15º- O estudo radiológico revelou existência de fractura dos dois arcos costais à esquerda, sem aparente lesões pleuro-pulmonares – 21º; 16º- O RX da anca não revelou existência de fracturas recentes – 22º; 17º- A ecografia abdominal não revelou a existência de lesões traumáticas de órgãos intra-abdominiais – 23º; 18º- Teve alta hospitalar e recolheu a casa, mantendo-se em repouso durante um mês, acamado, com dor e incapacidade funcional da anca esquerda e com dor torácica à esquerda, nomeadamente com a tosse e as mudanças posicionais no leito e fora dele – 24º, 25º, 26º, 27º, 28º e 29º; 19º- Ficou a padecer definitivamente de deformidade na consolidação da fractura das costelas e dor local – 30º e 31º; 20º- As sequelas referidas determinam ao autor incapacidade parcial permanente para o trabalho de 3% – 35º; 21º- Provocam-lhe um quantum doloris de grau 3 – 36º; 22º- As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas no momento do embate e no decurso do tratamento – 37º; 23º- As sequelas de que ficou a padecer provocam-lhe incómodo e mal-estar – 38º; 24º- O referido no anterior número e dores referidos no anterior número 21 vão acompanhar o autor durante toda a vida, exacerbando-se com as mudanças de tempo – 39º e 40º; 25º- O autor nasceu no dia 20/09/1932 – I; 26º- Ao tempo do embate...

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