Acórdão nº 555/05.3TAVVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA AUGUSTA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE Sumário: I – Nem toda a anomalia psíquica “condena” o seu portador à abstinência de actos sexuais com outrem. Existem anomalias que conduziriam à inimputabilidade, mas que não acarretam a incapacidade para formar e exprimir a vontade da prática do acto sexual.

II – No crime de abuso sexual de pessoa incapaz o que releva é o efeito concreto que da doença ou anomalia psíquica resulta para a capacidade e vontade de resistência da vítima e não a sua qualificação médica abstracta.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo comum colectivo nº555/05.3TAVVD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, foi o arguido FRANCISCO condenado, pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 165º, nº2 do C.P., na redacção da Lei nº59/2007 e artº30º, nº2 do mesmo diploma, na pena de 4 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, sob a condição de pagar à ofendida a indemnização atribuída.

Foi ainda condenado no pagamento da quantia de € 12 500,00, a título de indemnização, acrecida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a notificção do pedido.

***** Inconformado, recorreu o arguido, terminando a sua motivação com 50 conclusões Nos termos do nº1 do artº412º as conclusões devem ser um resumo das razões do pedido. Por isso, devem ser concisas, precisas e claras a fim de que se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem.

As conclusões do recorrente, salvo o devido respeito, são exactamente o contrário. Contudo, por uma questão de celeridade e eficácia e porque é possível determinar quais as questões a decidir e o sentido da sua pretensão, optou-se por não o convidar a reformulá-las.

das quais se retira serem as seguintes as questões a decidir: 1. Saber se foram incorrectamente julgados os factos provados sob os §§3º, 4º, 5º, 6º, 7º, parte final, 9º, 10º e 11º, por violação do artº340º, nº1 do C.P.P., por errada valoração da prova e por violação dos princípios in dubio pro reo e presunção de inocência ; 2. Saber se o acórdão padece dos vícios das als.a) e c) do nº2 do artº410º do C.P.P.; 3. Saber se, mesmo a manterem-se os factos provados, estes não integram a prática de qualquer crime, designadamente aquele que lhe é imputado por falta de um dos elementos objectivos do tipo; 4. Saber se a pena em que foi condenado é desproporcionada; 5. Saber se o montante indemnizatório é desproporcional e inadequado 6. Saber se os deveres impostos ao recorrente como condição da suspensão da pena são impossíveis de cumprir.

***** O recurso foi admitido tendo a ele respondido o MºPº e a ofendia, que concluem pela sua improcedência.

***** O Exmo Procurador–Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no qual conclui pela mesma forma.

***** Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

***** Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir: Factos provados, não provados e fundamentação de facto (transcrição): MATÉRIA DE FACTO PROVADA: O arguido e Carla B... residem há mais de 10 anos no lugar de V..., freguesia de A..., neste concelho e comarca de Vila Verde.

A Carla nasceu no dia 1 de Janeiro de 1971 e padece de oligofrenia de natureza congénita, por virtude da qual apresenta atraso mental e diminuição da capacidade de entendimento, facto que é do conhecimento de todas as pessoas que com ela convivem e que é imediatamente perceptível em função do seu comportamento e do modo como se exprime.

Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde o ano 2000 e até Setembro de 2005, o arguido manteve, por diversas vezes, sempre durante o dia, relações sexuais de cópula completa com a Carla, designadamente no interior de bouças situadas no referido lugar de V... e no interior da residência de uma sua filha, situada nas proximidades da residência da Carla e que se encontra desabitada durante quase todo o ano, já que os proprietários estão emigrados em França e apenas se deslocam a Portugal para gozarem um mês de férias no Verão.

Durante o referido lapso de tempo, o arguido abordava a Carla quando a encontrava sozinha nos caminhos rurais que ambos frequentavam ou assomava a uma janela da residência da filha, cujas chaves possuía, donde avistava o logradouro da residência daquela e de uma residência contígua, pertencente a um irmão dela, locais onde a mesma executava trabalhos agrícolas, e, gesticulando, instava-a a ir ter consigo, deixando, para o efeito, aberta uma porta de acesso ao imóvel.

Acedendo a esses convites, com o intuito de conseguir os objectos em ouro que o arguido lhe prometia em troca dos seus favores sexuais - promessas essas que, aliás, nunca cumpriu -, a Carla embrenhava-se com ele no interior da mata ou dirigia-se à casa da filha dele, onde o acompanhava até um dos quartos situados no piso superior.

Nesses locais, o arguido despia a Carla ou aguardava que ela se despisse, a seu pedido, e, depois de se libertar da sua própria roupa, designadamente das calças e das cuecas, acariciava-lhe os seios e introduzia o seu pénis erecto na vagina dela, friccionando-o repetidamente até ejacular.

Mercê da anomalia psíquica de que padece, a Carla não tem capacidade para avaliar em toda a sua extensão o sentido e o significado do relacionamento sexual e suas consequências e, também por esse motivo, de lhe resistir, circunstância que o arguido conhecia e de que se aproveitou para satisfazer os seus instintos libidinosos, mantendo com aquela, repetidamente, relações sexuais de cópula completa.

Na sequência da denúncia dos factos, os pais da Carla passaram a assumir uma atitude mais vigilante com vista a prevenir novos abusos ou represálias, impedindo-a de se afastar deles e fechando-a em casa quando necessitam de se ausentar, o que lhe causa tristeza e angústia.

Sentiu ainda durante algum tempo receio de represálias por parte do arguido, bem como vergonha por ter de se sujeitar a diversos exames médicos e psicológicos e pela exposição e publicidade decorrentes da denúncia da situação.

O arguido agiu livre e deliberadamente, com o propósito de satisfazer a sua lascívia e obter satisfação sexual, com plena consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Praticou esses actos durante vários anos aproveitando a circunstância de dispor de um local onde podia encontrar-se a sós com a ofendida e confiando na discrição desta e consequente impunidade da sua conduta por falta de denúncia às autoridades.

É casado e tem quatro filhos, todos maiores e independentes.

É reformado, subsistindo da sua pensão de reforma e da pensão de reforma da sua mulher, ambas no valor aproximado de €250,00 mensais.

Vive em casa própria.

É iletrado.

Não tem antecedentes criminais.

Os pais da ofendida e o arguido encontram-se de relações cortadas há cerca de 10 anos devido a uma questão de vizinhança.

* MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão, designadamente que o arguido tivesse mantido relações sexuais de cópula completa com a ofendida Carla desde, pelo menos, o ano de 1995.

Ficou igualmente por demonstrar a factualidade alegada pelo arguido na contestação e, oralmente, em sede de audiência de julgamento e que se encontra em oposição com a dada como provada, designadamente que a ofendida tivesse sido “manipulada” pelos pais para imputar falsamente àquele os abusos sexuais pelos quais foi acusado e bem assim que o arguido sofra de uma disfunção eréctil impeditiva da consumação da cópula.

Por último, não se provou que em consequência dos abusos de que foi vítima a Carla se sinta envergonhada e vexada e bem assim que viva em permanente sobressalto, agitada e deprimida com receio de represálias por parte do arguido.

* FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto fundou-se na ponderação crítica da prova produzida, maxime nas declarações prestadas pela ofendida Carla B... e por sua mãe, Rosa, anotando-se que aquela, não obstante a deficiência psíquica de que padece, se mostrou muito coerente na forma como relatou os abusos de que foi vítima, explicando o motivo pelo qual correspondia aos apelos do arguido (o desejo de conseguir os objectos em ouro que o mesmo lhe prometia em troca dos seus favores sexuais) e descrevendo os locais e circunstâncias em que tais abusos ocorreram.

Acresce que descreveu a residência onde, pelo menos, um dos abusos terá ocorrido de forma minuciosa e coincidente com a sua configuração e decoração reais, ilustrada nas fotografias insertas a fls. 35 a 42, sendo certo que, como o próprio acusado admitiu, a mesma não lhe era acessível.

Mais. A única desconformidade entre a descrição da ofendida e o interior da citada residência na data em que foi efectuada a reportagem fotográfica deve-se, inequivocamente, a obras que ali terão sido realizadas após o termo dos abusos, obras essas que o arguido refutou categoricamente, mas cuja realização foi admitida por diversas testemunhas por ele próprio arroladas, designadamente por Alice A... e pela sua filha Cidália A..., que referiram espontaneamente que a filha do arguido “anda sempre a fazer obras” e a primeira ainda que a mesma terá construído uma “cozinha nos fundos” há cerca de dois anos, embora depois, confrontada com essa afirmação e porque, certamente, se apercebeu da sua relevância, tivesse procurado retirá-la, refugiando-se em evasivas.

Por sua vez, a mãe da ofendida sustentou, de forma que se nos afigurou coerente e isenta, que surpreendeu a filha e o arguido em três ocasiões, duas delas na mata e uma na casa da filha deste (esclarecendo que em nenhuma delas os viu relacionarem-se sexualmente ou, sequer, despidos, mas apenas abandonarem a residência da filha do arguido ou o local, oculto entre o mato, onde se haviam encontrado), sendo certo que já tinha conhecimento da situação há alguns anos...

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