Acórdão nº 1137/06.8PBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 205º DO CP E 127º3, 410ºE 412 º, TODOS DO CPP.

Sumário: 1.

O «erro notório na apreciação da prova», identificado como um dos vícios susceptíveis de possibilitar a reapreciação da prova pelo tribunal de recurso, consubstancia-se numa errada apreciação probatória efectuada pelo Tribunal, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

2 O reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.

  1. No crime de abuso de confiança a questão essencial delimitativa do tipo criminal decorre da inversão do título de posse da coisa efectuada pelo agente, «que recebera a coisa uti alieno, passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela – naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais – uti dominu» (cf. Comentário Conimbricense do Código penal», Tomo II, p. 103). É nesta inversão do título que se encontra o núcleo essencial que permite a identificar o elemento essencial «apropriação» para si, a que se refere aquele artigo 205º do C.Penal.

  2. A apropriação para si não quer dizer necessariamente que o agente fique com a coisa na sua posse. Pode transmitir nesse ou noutro momento a coisa a terceiro, não deixando, por isso, num determinado momento de se ter apropriado da coisa.

Decisão Texto Integral: 25 I. RELATÓRIO.

No processo Comum singular n.º 1137/06.8PBFIG.C1 foi deduzida acusação contra o arguido LZ pela prática de um crime de abuso de confiança p.p. pelo artigo 205º n.º 1 e 4 alínea a) do CP e um crime de burla qualificada p.p. pelo artigo 217º n.º 1 e 218º n.º 1 do C. Penal.

No mesmo processo, J e A. deduziram, autonomamente, pedidos de indemnização civil contra o arguido, o primeiro pedindo a sua condenação no pagamento do montante de €18 000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal e o segundo peticionando a condenação do arguido a pagar-lhe €31250,29, acrescido de juros à taxa legal Realizado o julgamento, o arguido foi absolvido do crime de burla qualificada p.p. pelo artigo 217º n.º 1 e 218º n.º 1 do C. Penal de que estava acusado e condenado pela prática de um crime de abuso de confiança p.p. pelo artigo 205º n.º 1 e 4 alínea a) do CP do Código Penal, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), que perfaz o montante global de €1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), nas custas do processo fixadas em 3 UCs a taxa de justiça e nos encargos fixando-se a procuradoria em 1/4, acrescida de 1%, nos termos do art. 13º nº 3 do DL nº 423/91, de 30-10.

Relativamente ao pedido de indemnização civil foi o mesmo julgado parcialmente procedente e, em consequência, condenado o arguido / demandado a pagar ao demandante a quantia de €15.200,00 (quinze mil e duzentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% a contar da notificação do Pedido de Indemnização Civil até integral e efectivo pagamento e ainda condenado a pagar €350 (trezentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa de 4% desde a data de condenação até integral pagamento. Demandado e a demandante foram condenados nas custas do pedido civil tendo em conta o vencimento.

Foi ainda absolvido do pedido de indemnização cível formulado por A.

Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: 1º Foram incorrectamente julgados pelo Tribunal recorrido os pontos 1 a 3 e 8 da matéria enumerada na “Motivação de facto” 2° Na verdade, os depoimentos das testemunhas, R, AA e J impõem concluir que não foi o arguido que foi ao stand do J, buscar o Audi…; 3° Foi a testemunha R ali o foi buscar e o foi levar ao arguido à localidade onde este reside, Ponte de Vagos; 4º Assim, no que se refere à matéria levada aos pontos 1 daquela motivação ocorreu erro notório na apreciação da prova produzida e no que tange à matéria levada aos pontos 2 e 3 da mesma motivação, carece de qualquer suporte testemunhal e é impossível, uma vez que o arguido não esteve na entrega do veículo, pelo que para além do mesmo erro, ocorre manifesta insuficiência de prova para a decisão da mesma; 5° Por outro lado, não foi possível apurar, com segurança, a que título é que o Audi A6 foi entregue ao arguido, pelo que não é possível aquilatar se se encontra preenchido o elemento entrega, para ocorrer o crime que é imputado ao arguido, ocorrendo também aqui a mesma insuficiência de prova; 6° Também a matéria levada ao ponto 4 da mesma motivação foi mal julgada, no que tange ao “animus domini” por parte do arguido.

  1. Do depoimento do ofendido A, há que concluir que o arguido nunca lhe pretendeu vender o Audi… tendo-lhe dito que não era carro para ele.

  2. Também esta lacuna, imporia, em obediência ao princípio “in dubio pro reo” a absolvição do arguido.

  3. A douta decisão recorrida, padece dos vícios previsto nas alíneas c) e a) do artigo 410º do CPP e violou o disposto no artigo 32°, n° 2, do CRP, pelo que deve ser parcialmente revogada, absolvendo-se o arguido também do crime de abuso de confiança, assim se fazendo; O Ministério Público, nas suas contra-alegações pronunciou-se pela improcedência do recurso, posição que o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação corroborou no seu parecer.

    * II FUNDAMENTAÇÂO As questões a decidir: Em face das conclusões do recorrente a questões a decidir sustentam-se: i) no eventual erro notório na apreciação da prova efectuada pelo Tribunal; ii) na inexistência de prova referente ao elemento crime de abuso de confiança, inversão do animus possidendi, tendo sido desta forma violado o princípio da presunção de inocência do arguido.

    * Importa antes de mais atentar na matéria de facto e respectiva fundamentação dada como provada e que consta na decisão em apreciação.

  4. - Em data não concretamente apurada mas anterior a 28 … de 2006, no “Stand Auto G..”, sito em …, Espinho, pertença do ofendido J, o arguido mostrou-se interessado no veículo de marca Audi, modelo …, com a matrícula…-RV, com o valor de 12 000,00 euros, que ali se encontrava exposto para venda, pertença de J., referindo ao ofendido que tinha um cliente/ comprador interessado na compra do mesmo, pelo que pediu ao ofendido que lhe deixasse levar o dito veículo para mostrar ao interessado no mesmo.

  5. - O ofendido, convencido de que o arguido iria diligenciar pela exibição do seu veículo ao potencial comprador, acedeu ao pedido daquele, entregando-lhe o dito veículo, com a condição de o mesmo lhe ser devolvido no dia seguinte.

  6. - Sucede que o arguido não mais entregou o veículo, nem no dia seguinte, nem até ao presente, isto apesar dos sucessivos pedidos do ofendido no sentido de que lhe devolvesse o veículo.

  7. - Com efeito, o arguido levou o veículo Audi, consigo, sem pagar ao ofendido o preço do mesmo, dele se apoderando, fazendo-o seu, não obstante saber que não lhe pertencia.

  8. - No dia 28 de … de 2006, o arguido procedeu, então, à entrega do referido veículo de marca Audi ao ofendido A., tendo-o levado até às proximidades da clínica médica onde aquele trabalhava, para que este o experimentasse e utilizasse e caso o ofendido viesse a gostar dele, ficar com ele em substituição do veículo BMW … que lhe havia vendido, procedendo ao respectivo acerto de contas com o ofendido.

  9. - Porém, e não obstante os vários contactos de A solicitando ao arguido os documentos do veículo, este nunca lhos entregou, o que impediu o ofendido de circular com o veículo.

  10. - O arguido não devolveu, nem pagou, ao anterior proprietário J., o valor do veículo de marca Audi, motivo porque não conseguiu obter os documentos para entregar ao ofendido A.

  11. - O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito concretizado, de se apoderar e fazer seu o veículo pertença do ofendido J., bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário. Quis, ainda, o arguido entregar ao ofendido A. um veículo para substituição do veículo BMW …. que lhe havia vendido, veículo que não lhe pertencia, já que era propriedade de J., apoderando-se do mesmo, que desta forma se viu desapossado do veículo e do seu valor, logrando assim prejudicar o ofendido J.

  12. -Não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se absteve o arguido de a levar a acabo.

    Mais se provou: 10º- - No dia 14 de … de 2006, em contacto pessoal estabelecido na clínica médica “ D…”, sita …, local de trabalho do ofendido, o arguido vendeu a A., pelo valor de 19.000€, um veículo BMW…, valor que o ofendido pagou com outro veículo – um Jeep , modelo…., no valor de 15 000,00 euros, que deu à troca e entregou-lhe ainda um cheque no valor de 2 500,00 euros, datado de 14/07/06 com o nº 6100000281, e um outro cheque no valor de 1 500, 00 euros, datado de 24/07/06, com o nº …, ambos sacados...

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