Acórdão nº 772/06.9TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA Legislação Nacional: ARTIGO 3º, Nº 3, DA “PRIMEIRA DIRECTIVA” COMUNITÁRIA DAS MARCAS (DIRECTIVA DO CONSELHO Nº 89/104/CEE, DE 21 DE DEZEMBRO DE 1988).

Sumário: I – A obrigatoriedade de os elementos integrantes de uma marca assumirem capacidade distintiva, exclui, em princípio, quando uma marca é integrada por palavras, o uso de expressões genéricas, meramente descritivas ou equívocas, porque referenciáveis a mais entidades partilhando a mesma natureza.

II – A expressão “CAIXA”, não obstante corresponder a uma designação partilhada por diversas entidades bancárias (desde logo a Caixa Geral de Depósitos e as diversas Caixas de Crédito Agrícola), adquiriu, ao longo do tempo, na sua referenciação à Caixa Geral de Depósitos, uma tal exuberância significativa, que passou a ser intuitivamente associada a esta última instituição e não a qualquer outra cujo nome integre.

III – Este processo de associação da expressão “CAIXA” à Caixa Geral de Depósitos corresponde à situação designada no Direito industrial como “secondary meaning”, correspondendo a um efeito modificativo sobre a compreensão originária de uma palavra ou símbolo, em termos de propiciar uma outra compreensão desses elementos que ultrapasse o carácter (original) descritivo, genérico ou ambivalente, passando a identificar uma entidade ou produto em concreto.

IV – A relevância do princípio do “secondary meaning” decorre do artigo 3º, nº 3 da “Primeira Directiva” comunitária das marcas (Directiva do Conselho nº 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988).

V – Esta Directiva, relativamente à aquisição de um “secondary meaning” que seja anterior ao registo da marca, impõe directamente aos Estados-membros a consideração (o registo como marca) desse elemento particularizador da expressão ou símbolo.

VI – A determinação do surgimento de um “secondary meaning” faz-se alargando o processo de aferição do carácter distintivo à ponderação de todas as circunstâncias de facto relevantes para a caracterização do uso do elemento proposto como marca.

VII – Traduz um acto de concorrência desleal, determinada a existência de uma relação de concorrência entre duas empresas, o emprego por uma delas de um elemento referenciável como marca à outra.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em Fevereiro de 2006[1], a Caixa Geral de Depósitos, S.A.

(A. e nesta instância Apelante) demandou a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL (R e aqui Apelada), imputando a esta o uso da expressão “CAIXA DE LEIRIA”, em diversas circunstâncias comunicacionais com incidência pública (na fachada do seu estabelecimento em Leiria; num anúncio publicado numa revista), sendo que esse procedimento da R. consubstancia, cumulativamente, na visão das coisas da A., um “uso ilegal de firma ou denominação”, uma “violação do direito à marca”, um acto de “concorrência desleal” e um acto de “publicidade enganosa”.

Com efeito – e disto decorrem os referidos desvalores comportamentais atribuídos à R. –, a A. é titular do registo de marca nacional consubstanciado na expressão “CAIXA”, no domínio dos serviços e negócios bancários, não correspondendo a referida expressão empregue pela R. a nenhum sinal distintivo cujo registo esta tenha obtido em seu nome. Daí – afirma-o a A. – o carácter “ilegal, ilícit[o] e danos[o]” (fls. 6) da utilização dessa expressão nos contextos mencionados, devendo cessar tal uso.

Em função destes argumentos, formula a A. os seguintes pedidos: “[…] 1) Condenar-se a R. a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão «CAIXA DE LEIRIA», nomeadamente no exterior ou no interior dos seus estabelecimentos, em publicidade e quaisquer outros documentos ou materiais de carácter comercial e/ou promocional.

2) Condenar-se a R. a pagar uma quantia de €500,00 a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento do pedido anterior, desde a data de citação até prova de total cumprimento, nos termos do artigo 829º-A, nºs 1, 2 e 3 do Código Civil.

3) Condenar-se a R. a pagar à A. a indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual que se liquidar em execução de sentença acrescida de juros vencidos e vincendos, com todas as legais consequências.

[…]” [transcrição de fls. 17] 1.1.

Citada em 07/02/2006 (fls. 48), apresentou-se a R. a contestar pugnando pela improcedência da acção, negando qualquer propósito de, com o emprego da expressão “CAIXA DE LEIRIA”, se ver confundida com a A.. Invoca, todavia, a falta de carácter distintivo do termo “CAIXA” e, alicerçada em tal asserção, afirma a inadequação legal desse termo a constituir uma marca e a impossibilidade de através dele se originar algum tipo de confusão entre a R. e a A..

Adicionalmente, invoca a R. a ineptidão, por falta de causa de pedir, relativamente ao pedido indemnizatório referido em 3) do pedido da A..

1.2.

Findo o julgamento[2], fixados os factos provados por referência à base instrutória (despacho de fls. 183/185) e produzidas, por escrito, as alegações de direito da A. (fls. 187/196), proferiu o Tribunal de Leiria (Juiz de Círculo) a Sentença de fls. 201/210 vº – constitui esta a decisão objecto do presente recurso –, julgando a acção improcedente e absolvendo a R. do pedido.

In itinere deste pronunciamento decisório julgou a mesma Sentença improcedente a alegação da R. respeitante à ineptidão da petição inicial no que respeita ao pedido indemnizatório[3]. 1.3.

Inconformada reagiu a A. através do presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 215/262, nele formulando as conclusões que aqui se transcrevem: [………………………………………………………………..] II – Fundamentação 2.

Encetando a apreciação da apelação, importa ter presente que as conclusões formuladas pela Apelante na sua motivação operaram a delimitação temática do objecto do recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)].

Começando pelos factos, sublinha-se que a Apelante os não discute – rectius, não suscita a reapreciação destes por referência aos poderes de controlo desta instância previstos no artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC –, devendo os factos fixados no Tribunal a quo terem-se por definitivamente estabelecidos, nos exactos termos em que a Sentença recorrida, conjugando o teor dos despachos de fls. 73/75 e 183/185, os indicou no seu texto. É esse elenco fáctico que aqui reproduzimos visando propiciar a total compreensão da situação através do texto do presente Acórdão: “[…] 1.

A A. [a Caixa Geral de Depósitos] é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que se dedica à actividade bancária – alínea A) da especificação.

  1. No preâmbulo do Decreto-lei n.º 287/93, de 20 de Agosto (diploma que aprovou os estatutos da autora), consta escrito que a Caixa Geral de Depósito «chegou aos nossos dias com uma posição de grande destaque no conjunto das instituições de crédito portuguesas, já não dependendo dos depósitos públicos, actuando como um banco universal e sendo a matriz do maior grupo financeiro português» – alínea B) da especificação.

  2. A A. detém uma rede de balcões que se estende por todo o território nacional, incluindo uma agência em Leiria (na Praça Goa, Damão e Diu), um gabinete de empresas em Leiria (ao Largo Santana, 14) e outras agências no distrito de Leiria, a saber, na Caranguejeira e na Marinha Grande – alínea C) da especificação.

  3. A R. [a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria] é uma caixa de crédito agrícola mútuo e uma instituição de crédito cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária – alínea D) da especificação.

  4. Para além da sua sede em Leiria, a R. tem também delegação noutras localidades do distrito de Leiria, a saber, na Caranguejeira e na Marinha Grande – alínea E) da especificação.

  5. A denominação completa da R. é «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, C.R.L.» – alínea F) da especificação.

  6. A R. utiliza na fachada do seu estabelecimento em Leiria a expressão «Caixa de Leiria» – alínea G) da especificação.

  7. Na referida fachada não se visualizam quaisquer outras palavras ou expressões – alínea H) da especificação.

  8. A mesma expressão, «Caixa de Leiria», surgiu, pelo menos, num anúncio publicado na revista Invest de Julho de 2005 – alínea I) da especificação.

  9. Nesse anúncio, a expressão «Caixa de Leiria» é reproduzida duas vezes: a primeira com letras de pequena dimensão, sublinhadas e acompanhadas pela denominação integral Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, C.R.L. e pelo símbolo do crédito agrícola; e a segunda, na parte inferior do anúncio, em letras de grande dimensão, por cima da frase «90 anos ao Serviço da Comunidade» – alíneas J) e L) da especificação.

  10. No mesmo anúncio lêem-se, na parte superior, as frases «Cada vez mais perto de si» e «Cada vez mais o Banco da Terra» – alínea M) da especificação.

  11. A A. é titular do registo da marca nacional n.º 357.310 «CAIXA», o seu registo foi requerido ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 10 de Julho de 2001 e foi concedido em 25 de Setembro de 2002 para serviços e negócios bancários, incluindo os serviços de crédito, serviços e negócios financeiros – alínea N) da especificação.

  12. A A. é titular do registo da marca nacional n.º 357.311 «CAIXA», requerido em 10 de Julho de 2001 e concedido em 7 de Outubro de 2002 para serviços e negócios bancários, incluindo os serviços de crédito, serviços e negócios financeiros – alínea O) da especificação.

  13. A expressão «Caixa de Leiria» não corresponde a nenhum sinal distintivo que a R. tenha registado em seu nome – alínea P) da especificação.

  14. A mesma abreviatura, «Caixa», era já utilizada para referir a autora desde pelo menos 1969, no diploma que constituía a lei orgânica vigente até 1 de Setembro de 1993, isto é, o Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de Abril de 1969 – alínea Q) da especificação.

  15. O símbolo colocado na frontaria...

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