Acórdão nº 980/09.0TBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO JESUS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTºS 1282º, 1460º, 1475º E 1480º DO C. CIV, ; 381º, Nº 1, CPC.

Sumário: I – O artº 1460º, nº 1, do C. Civ. trata de saber se, e em que termos, podem ser constituídas pelo proprietário e pelo usufrutuário servidões relativas ao prédio em regime de usufruto – tal normativo tem o alcance de equiparar, quanto às servidões activas, os poderes do usufrutuário aos do proprietário a quem não são retirados os poderes inerentes ao seu direito de propriedade.

II – Da análise de tal normativo resulta que se o proprietário pode constituir servidões activas no prédio usufruído por terceiro, também as pode defender.

III – Sempre que é lesada a forma ou substância do bem, sem atingir os poderes de que goza o usufrutuário, como está em causa apenas o direito do proprietário, só ele tem direito de demandar e ser indemnizado pelos danos causados.

IV – Se, porém, a acção de terceiro atingir simultaneamente os direitos do proprietário e do usufrutuário, da conjugação do disposto nos artºs 1475º e 1480º do C. Civ., resulta que em primeira linha será ao proprietário que competirá legitimidade para defender o bem de qualquer acto que possa prejudicar o seu exercício.

V – Na providência cautelar não especificada, relativamente ao direito que corre o perigo de lesão grave e dificilmente reparável, pede-se ao tribunal apenas uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança, pois que na acção principal o requerente terá de fazer a prova strito sensu da existência do direito acautelado, mas quanto ao periculum in mora deve usar-se um critério mais rigoroso na apreciação dos seus factos integradores.

VI – Para efeitos do decretamento de providência cautelar não especificada a que alude o nº 1 do artº 381º do CPC, a lei não estabelece um critério de aferição da gravidade da lesão, mas no caso de conflito entre direitos de personalidade e direitos patrimoniais, deve reconhecer-se, em regra, prevalência aos primeiros.

VII – Impedir na totalidade, e não apenas condicionar ou limitar, o exercício do direito de servidão de passagem, dessa forma prejudicando a exploração de um terreno agrícola, deve ser considerado uma lesão “grave”.

VIII – A lesão do direito ao aquecimento dos residentes numa habitação no decurso das estações frias é instrumental de um verdadeiro direito à qualidade de vida e mesmo do direito à saúde, e a lesão da saúde é, por natureza, uma lesão grave insusceptível de uma reparação completa.

IX – A caducidade do artº 1282º do C. Civ. não é de conhecimento oficioso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I— RELATÓRIO A...., residente ...., intentou o presente procedimento cautelar não especificado contra B.....

e marido C...., D...., por si e em representação do seu filho menor E....

e F...

e mulher G....., todos residentes em Queluz, pedindo: a) Se reconheça que o requerente é dono e legítimo possuidor do prédio que identifica no artº 1º da petição; b) Se ordene a restituição da posse da faixa de terreno que constitui o leito da servidão de passagem do seu prédio para a via pública, da qual foi esbulhado, por forma a que o requerente tenha livre acesso ao seu prédio a pé e de carro, com a sua consequente desobstrução, devendo, para tanto, ser ordenada a demolição e remoção dos muros nela construídos de modo a permitir a passagem do requerido e, por último, ordenar a remoção do portão em ferro colocado junto à via pública, caso não seja entregue uma cópia da chave do mesmo portão ao requerente.

Para fundamentar tal pretensão, alega, em síntese, que é dono de um prédio urbano que identifica, o qual lhe foi doado por seus pais, mediante escritura pública.

Nas traseiras da referida casa existe um pátio, currais e arrecadações, que não tem comunicação directa com a via pública e cujo acesso sempre foi feito pelo logradouro do prédio dos 1ºs e 2ºs requeridos, que identifica, por um trilho que, iniciando-se junto à via pública, seguia até um portão de madeira muito antigo, que dava acesso ao pátio do requerente, numa extensão de cerca de 15/25m e com uma largura inicial de 2,5m, ficando a casa de habitação dos requeridos a norte dessa passagem.

Acontece que entre os anos de 2002 e 2004, os requeridos transformaram uma velha adega existente a sul da passagem em causa numa casa de habitação e, de lá para cá, têm vindo através de actos sucessivos primeiro a reduzir o leito da passagem, depois a dificultar o respectivo acesso, até que, em Abril de 2008, em toda a largura da passagem, atrás dos portões (o da rua e o que dá acesso ao pátio do requerente) acabaram por construir um muro em blocos de cimento que, definitivamente bloqueou a passagem do requerente pela referida faixa de terreno, impedindo o mesmo de agricultar o terreno, de armazenar lenha no pátio para o seu aquecimento ou sequer de dali retirar os bens que ali estão colocados.

Acontece que o requerente que reside com seu pai, de idade avançada e fisicamente debilitado, necessita de armazenar lenha com vista a enfrentar o rigor do Inverno não dispondo de outro tipo de aquecimento e está impedido de o fazer, sendo que dela necessita uma vez que gastou toda a que tinha armazenada, assim estando fundamentado o recurso ao presente procedimento cautelar.

Citados, os requeridos deduziram oposição na qual alegam a falta de capacidade judiciária do requerente por ter proposto sózinho e sem o consentimento da esposa esta providência, a ilegitimidade passiva dos 3ºs requeridos que nada têm a ver com a situação em litígio, limitando-se a fazer alguns recados para os demais requeridos, a ilegitimidade activa do requerente pois que em conformidade com o art. 1460º do Código Civil cabia ao usufrutuário a legitimidade para intentar a presente providência.

Mais alegam os requeridos ser falso tudo o que é alegado na petição inicial, pretendendo o requerente apropriar-se do terreno dos requeridos ali levando a cabo vários actos destrutivos, e, não sendo o requerente dono do que quer que seja, também não tem o direito de passar em qualquer faixa de terreno ou direito a qualquer servidão, devendo, ao invés, ser condenado como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor dos requeridos.

Procedeu-se à audiência no início da qual o requerente respondeu à matéria de excepção alegada pelos requeridos, e produzida a prova oferecida veio a ser proferida decisão que concluiu pela capacidade judiciária e legitimidade do requerente, legitimidade dos 3ºs requeridos, e julgou procedente a providencia requerida: “reconhecendo-se que o requerente é dono e legítimo possuidor do prédio que identifica no artº 1º da petição, se ordena a restituição provisória da posse da faixa de terreno que constitui o leito da servidão de passagem o seu prédio para a via pública por forma a que o requerente tenha livre acesso ao seu prédio a pé e de carro, com a sua consequente desobstrução, devendo, para tanto, ser demolidos e removidos os muros nela construídos de modo a permitir a passagem do requerido e ordenando-se a remoção do portão em ferro colocado junto à via pública, caso não seja entregue uma cópia da chave do mesmo portão ao requerente.

”.

É desta decisão que vem interposta a presente apelação pelos requeridos que concluem da seguinte forma as suas alegações: [……………………………………………………………………….] Não houve contra- alegações.

Colhidos os...

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