Acórdão nº 378/07.5TBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelHÉLDER ALMEIDA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA Legislação Nacional: ART.S 566º E Nº 1, DO ARTº. 570º, DO CC; ARTº. 439, § 2º, DO CÓDIGO COMERCIAL Sumário: 1. A privação do uso de uma coisa, como seja um automóvel, é, em princípio, susceptível de constituir um ilícito e de se consubstanciar num dano indemnizável desde que sejam alegados e provados factos evidenciadores de um dano específico, tornando-se necessário para tanto -mas também suficiente-, que a realidade processual mostre que o lesado usaria o automóvel normalmente, fruindo das suas intrínsecas vantagens.

  1. No caso de dano indemnizável relativo a privação de uso de veículo dado por irrecuperável, a privação mantém-se até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização concernente, isto é, o valor pecuniário do veículo perdido.

  2. Para determinar o quantitativo diário do dano relativo à privação de uso de veículo deve, em ordem a evitar cair-se no arbítrio, considerar-se como elemento indicativo, referencial, desse almejado valor, o custo do aluguer de um veículo similar, pese embora tal preço comercial não possa ser adoptado de forma rigorosamente equivalente.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1. A....

    intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra “Companhia de Seguros B...

    ”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais por ele sofridos, as seguintes quantias: a) – 16.988,00 euros, correspondente ao valor do veículo automóvel de matrícula “00-00-ZC” e que teve perda total; b) – 5.000,00 euros por danos não patrimoniais; c) – 41.610,90 euros pela paralisação daquele veículo acidentado; d) – 153,67 euros pelas despesas que o A. teve de suportar; e) – a que se apurar em liquidação de sentença relativa aos dias de paralisação da viatura desde a data de entrada desta acção até efectivo pagamento; bem como f) – os juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

    Para tanto ‑ e em síntese‑ alega o A. a existência de um acidente de viação, ocorrido no dia 15.08.2006, na E.N. nº 17), junto à localidade de Segade, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “00-00-ZC”, pertença do A. e por este conduzido, e o veículo ligeiro de matrícula “00-BC-00”, seguro na R. e conduzido então por C...

    , que, de forma inopinada, e perfilando-se assim como exclusivo responsável do evento, saindo da sua mão de trânsito foi embater frontalmente naquele “ZC”, que circulava em sentido contrário, pela respectiva metade direita da via, nada tendo o A. podido fazer para evitar o sinistro, do qual lhe resultaram esses reclamados danos.

    A Ré apresentou contestação, impugnando diversa factualidade afirmada na p. i., mormente atinente aos invocados danos, reconhecendo embora a obrigação de indemnizar o A. em consequência do sinistro.

    Mais invocando direito de regresso sobre o condutor do veículo sinistrante, o aludido, C... ‑fundado em este conduzir sob a influência de álcool ‑, terminou a requerer o chamamento para intervenção acessória provocada do mesmo.

    Admitido o incidente, veio o Chamado, por seu turno, deduzir contestação, alegando, ter adormecido momentaneamente ao volante do veículo que conduzia, o que se deveu ao estado de cansaço e fadiga em que se encontrava, nada tendo contribuído para o acidente a taxa de alcoolemia de que era portador.

    Prosseguindo a acção os seus ulteriores e normais termos, foi por fim proferida douta sentença, rematada com o dispositivo que segue: ‑ “Por todo o exposto, e decidindo, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por só parcialmente provada, termos em que vai a R., “Companhia de Seguros B...”, condenada a pagar ao A., A..., a título de indemnização por danos patrimoniais e morais decorrentes do acidente de viação dos autos: - a quantia global de 19.441,67 euros (dezanove mil, quatrocentos e quarenta e um euros e sessenta e sete cêntimos); - bem como respectivos juros de mora, contados desde a citação e até integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano (cfr. art.º 805.º, n.º 3, segunda parte, do CCiv., e bem assim Portaria n.º 291/03, de 08-04), ou outra taxa que no futuro legalmente vier a vigorar em sua substituição, no que concerne ao montante indemnizatório parcelar fixado por danos patrimoniais (de 18.641,67 euros); E contados, à mesma taxa supletiva legal anual, desde a data da sentença e até integral pagamento quanto ao montante indemnizatório restante, de 800,00 euros, referente a danos morais, por já devidamente actualizado.

    Ficando a caber à R. os “salvados” do aludido veículo acidentado “ZC”.

    No mais, na improcedência, por não provada, da acção, vai a R. absolvida do contra si peticionado.

  3. Irresignado com o assim decidido, o A. interpôs o vertente recurso de apelação, cujas alegações encerra com as seguintes conclusões:

    1. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, considerou, e bem, como provado que valor do veículo do Apelante era à data do sinistro de €16.988,00, B) Bem como, que a viatura acidentada era a única viatura do Apelante e que este a usava diariamente nas suas deslocações e nas deslocações dos seus pais, sendo que desde a data do acidente em 15/08/2006 o Apelante se viu obrigado a utilizar os transportes públicos e "boleias" de amigos e conhecidos para se poder deslocar, nomeadamente, para o seu posto de trabalho.

    2. Sendo que desde a data do acidente que o Apelante se encontra privado de usar o seu veículo, na medida em que lhe foi impossível substituí-lo por outro por o valor atribuído pela Apelada se revelar insuficiente para reparar ou adquirir, um outro veículo de idênticas características, D) Mais logrou o Apelante provar que o valor do aluguer de um veículo de idênticas características custa diariamente € 244,77, sendo que a Apelada não colocou à disposição do Apelante qualquer montante indemnizatório relativo à privação de uso do seu veículo, nem sequer até à data em que comunicou qual o valor que atribuía pela perda total do mesmo.

    3. O Apelante ficou impedido de o utilizar desde a data do sinistro, porquanto, ficou o mesmo inutilizado face à conduta do condutor do veículo segurado na Apelada, existindo, por isso, efectiva privação de uso, sendo este um dano ressarcível.

    4. Mesmo que exista perda total do veículo o direito de indemnização mantém-se, devendo a Apelada indemnizar o Apelante pela paralisação de privação do uso do seu veículo, porquanto, a falta de reparação ou quando esta não seja viável pela sua grande onerosidade, não retiram ao lesado o prejuízo que sofreu pela privação do veículo, pelo menos até à data em que receba da seguradora a indemnização correspondente, o que veio a acontecer em 15/12/2008, após ter sido proferida sentença nos presentes autos.

    5. Pelo que, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo, tem o Apelante, pela razões já largamente expostas, direito a ser ressarcido para efeitos de indemnização pela privação de uso todo o tempo decorrido desde a data do acidente em 15/08/2006 até à data do pagamento do montante que a Apelada foi condenada por sentença e que ocorreu em 15/12/2008, ou seja, num total de 852 dias, que deverá ser contabilizado a razão diária de € 244,77, valor locativo de um veículo de idênticas características ou no valor diário que se entenda como equitativamente justo atendendo aos factos provados quanto aos danos sofridos pelo Apelante em consequência da privação de uso do seu veículo, nomeadamente, o fim para que era utilizado.

    6. Mesmo que assim não se entenda, o que apenas se concede por mero dever de patrocínio, pelo período de 650 dias a razão diária de €244,77, pelas razões acima expostas, ao invés dos 45 dias fixados pelo tribunal a quo, ao qual deverá ser descontado o montante de €1.500,00 fixado em sentença e já liquidado pela Apelada.

    7. Isto porque resultou provado que o Apelante em nada contribuiu para o agravamento dos prejuízos relativos à paralisação do seu veículo na medida em que a indemnização disponibilizada pela Apelada em 28/08/2006 pela perda total do seu veículo não o habilitava a adquirir um veículo idêntico ao que ficou danificado, o que só veio a suceder com o pagamento do montante em que a Apelada foi condenada pelo tribunal a quo.

    8. Os "salvados" do veículo acidentado do Apelante deverão manter-se na sua posse, sendo descontado o seu valor à data em que foi proferida sentença pelo tribunal a quo no montante de €500,00, ao valor fixado, e bem, pela perda total do veículo no montante €16.988,00.

    9. Pelo que, deverá o presente recurso ter provimento e a decisão parcialmente alterada nos seus precisos termos uma vez que a douta sentença violou o disposto nos art. 483°, nº1, 562°, 564°, nº1, 566°, nº2 e 1305° todos do Código Civil, Acórdão da Relação do Porto (Ac. de 05.02.2004, CJ, I. p. 179) e art. 668°, nº 1 alínea c) do Código Processo Civil.

    3.

    Inconformada também com a mesma decisão, a Ré interpôs igual recurso de apelação, findando a respectiva alegação com as seguintes conclusões: 1.º - Pelas razões largamente expostas, o veículo acidentado deverá manter-se na posse e propriedade do A., descontando-se o respectivo valor dos salvados à data do acidente, o que somente se conseguirá em sede de liquidação em execução de sentença.

    2.º - Deverá ainda ser revogada a parte decisória da sentença no atinente à atribuição da indemnização de 1.500 euros em virtude dos alegados prejuízos sofridos com a paralisação do veículo do A. cuja perda total foi declarada em 28/08/2006, não tendo o A. logrado provar qualquer prejuízo efectivo com a alegada imobilização do veículo a partir dessa data.

    3.º - Face ao exposto, deverá ser julgado procedente o presente recurso, uma vez que a douta sentença violou os artigos 473 e seguintes do Código Civil e artigos 566º, n° 3 e 494º do Código Civil e ainda do Ac. do STJ de 29/11/2005 in...

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