Acórdão nº 501/05.4TBTNV-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTº 771º, ALS. B) E C), DO CPC (REDACÇÃO DO DL Nº 303/2007, DE 24/08), E ARTºS 11º, Nº 1, E 12º, Nº 1, DO D.L. Nº 303/2007 Sumário: I – No comum das situações, um processo instaurado posteriormente a 01/01/2008 mas cuja tramitação ocorra por apenso a um processo matriz instaurado anteriormente a essa data (ou seja, até 31/12/2007), deve seguir, na adjectivação da respectiva instância de recurso, o regime anterior ao DL nº 303/2007.

II – Porém, o regime dos recursos em processo civil emergente do DL nº 303/2007, de 24/08, aplica-se a um recurso extraordinário de revisão (artºs 771º e segs. do CPC), mesmo que a decisão a rever tenha sido proferida num processo já pendente em 01/01/2008.

III – Deve entender-se que o disposto no artº 11º, nº 1, desse DL 303/2007 apenas se refere, ao definir o critério de aplicação da lei no tempo, aos recursos ordinários e não aos recursos extraordinários, como sucede com a revisão.

IV – A falta, no regime introduzido pelo DL nº 303/2007, de uma norma com o conteúdo do artº 710º, nº 2, do CPC (revogado por esse DL nº 303/2007), não significa que um recurso interposto de um despacho interlocutório que, em função da decisão final adoptada, não influa no exame ou decisão da causa, deva ser apreciado pelo Tribunal de recurso.

V – Funciona no nosso direito adjectivo recursório o princípio da instrumentalidade dos recursos, nos termos do qual só a concreta influência que a apreciação do recurso, ou de uma sua dimensão destacável, possa ter no julgamento da causa, legitima a apreciação do recurso, ou dessa dimensão.

VI – A questão da veracidade de um documento é inoperante para a apreciação de um recurso reportado a uma decisão final de improcedência de um recurso extraordinário de revisão, se esse documento (pressupondo a sua veracidade) for inócuo para fundamentar a revisão pretendida.

VII – A asserção, documentalmente comprovada, de que alguém não está (individualmente) colectado por determinada actividade, não exclui, por si só, a asserção de que esse alguém se dedique a essa actividade.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Deu início ao recurso de revisão[1] de cuja decisão final emergiu a presente apelação o requerimento de fls. 11/16, apresentado em 25/09/2008 (apensado, então, à acção ordinária nº 501/05.4TBTNV, no qual havia sido proferida a decisão revidenda), por A...

(Requerente da revisão e aqui Apelante), sendo tal recurso dirigido contra B...

e mulher, C...

(doravante referidos, no contexto desta apelação, como Requeridos e Apelados)[2].

Respeita a revisão à Sentença proferida pelo Exmo. Juiz de Círculo de Tomar a fls. 382/404 (referimo-nos aqui à paginação do processo apenso), completada esta pelo Acórdão desta Relação de fls. 513/521[3] e, finalmente, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 595/614[4].

Resultou de tal Sentença, na parte que tematicamente interessa à presente revisão, a condenação do aqui Requerente A...– aí R. – a satisfazer aos ora Requeridos “[…] a quantia de €56.250,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação [do R.] (30/08/2005) e até integral pagamento” (transcrição de fls. 403 do apenso).

Corresponde esta quantia a uma prestação indemnizatória que tem na sua base uma situação de responsabilidade civil extracontratual desse R. aqui Requerente, desencadeada pela apropriação indevida por este de uma máquina industrial multicarregadora cuja propriedade dos ora Requeridos foi reconhecida nessa mesma Sentença, como passo prévio da afirmação – também contida nessa decisão – de ter o aqui Requerente violado ilicitamente esse direito de propriedade[5].

1.1.

É sobre essa determinação judicial que o Requerente pretende aqui actuar, modificando-a e privando-a, através do presente recurso extraordinário de revisão, da cobertura do caso julgado material, invocando como fundamento deste a circunstância de ter entretanto obtido dois documentos (os que juntou com o requerimento inicial a fls. 5/10), emanados da Administração Fiscal, dos quais afirma resultar que os Requeridos, em 2008 e antecedentemente, não se encontravam colectados por qualquer actividade comercial, industrial, agrícola ou profissão liberal. A relevância desta situação na condenação do Requerente na prestação indemnizatória revidenda, decorreria – e estamos a reproduzir a tese do Requerente – da circunstância de a determinação dessa indemnização ter pressuposto o exercício pelos Requeridos da actividade de construção civil[6], actividade esta que os referidos documentos desmentiriam[7].

Invoca o Requerente a este respeito os pressupostos do recurso de revisão constantes das alíneas b) e c) do artigo 771º do Código de Processo Civil (CPC)[8], dizendo serem esses dois documentos suficientes para modificar a decisão revidenda num sentido mais favorável ao Requerente (fundamento da alínea c)) e acrescentando que deles resulta, também, “[…] a falsidade do depoimento das testemunhas em que o tribunal se baseou para dar as respostas aos quesitos 12º e 15º” (nº 14 do requerimento de revisão a fls. 14 destes autos, referindo-se este trecho ao fundamento da alínea b) do referido artigo 771º)[9].

1.2.

Responderam os Requeridos ao requerimento de revisão (fls. 23/28) negando-lhe fundamento, impugnando o conteúdo do documento (o referido ao Requerido marido) no qual se pretende basear o recurso (argúem-no de falso no conteúdo atestado), juntando a esta resposta quatro documentos (fls. 29/41) – igualmente provenientes da Administração Fiscal – visando demonstrar o exercício pelo mesmo Requerido da actividade de “construtor civil”[10].

1.2.1.

A esta resposta pretendeu o Requerente retorquir através de um outro articulado que integrou (antes de mandado desentranhar) fls. 50/64 desta revisão[11]. Nesta peça, procurou o Requerente, invocando a aplicação ao caso da tramitação do processo sumário (concretamente do artigo 785º do CPC, ex vi do disposto no artigo 775º, nº 2 do CPC), responder ao que qualificou como dedução de “excepções” pelos Requeridos na respectiva resposta (nºs 1 a 39 dessa peça disponível, como já se disse, na aplicação habilus). Cumulativamente, integra este articulado desentranhado uma arguição de falsidade dirigida aos documentos 1 (fls. 29/32) e 3 (fls. 35/38) juntos pelos Requeridos com a respectiva resposta (nºs 40 a 47 da mesma peça consultada na mesma fonte).

1.2.1.1.

Ao oferecimento deste articulado suplementar do Requerente, reagiram os Requeridos através da reclamação de fls. 66/68, pedindo o seu desentranhamento, por não prever a respectiva existência a tramitação aplicável ao caso (o artigo 775º, nº 1 do CPC), juntando adicionalmente novas versões em original dos documentos que o Requerente havia arguido de falsos.

1.3.

Surge então o despacho de fls. 89/92 (que, enquanto decisão interlocutória, integra o objecto de um dos recursos de apelação interpostos a final) o qual, no trecho de fls. 89/91 que aqui nos interessa, depois de considerar só serem admissíveis no recurso de revisão, nos termos do artigo 774º, nº 2 do CPC, dois articulados, determina o desentranhamento dessa resposta do Requerente (a que se encontrava, então, a fls. 50/64).

1.4.

Entretanto, prosseguindo o recurso de revisão os seus termos, com a remessa dos autos ao Exmo. Juiz de Círculo de Tomar, proferiu este Magistrado o julgamento final da revisão consubstanciado na decisão de fls. 98/107 (constitui esta, portanto, a decisão culminante do recurso de revisão e o objecto da presente apelação), decisão essa, dizíamos, que julgou improcedente a revisão pretendida[12].

1.5.

Inconformado, interpôs o Requerente o presente recurso, fazendo-o nos seguintes termos: “[…] [I]nconformado com o despacho de fls. 89 a 92[[13]] e [com] a Sentença datada de 15/12/2008[[14]], pretende recorrer para a […] Relação de Coimbra.

[…]” [transcrição de fls. 121] Anexou a este requerimento a motivação conjunta dos dois recursos, sendo que a rematou formulando as conclusões que aqui se transcrevem: “[…] 1.

Ao abrigo do disposto no artigo 785º do CPC, aplicável ex vi do artigo 775º, nº 2 do CPC, o recorrente apresentou articulado em que responde às excepções invocadas pelos recorridos (1º a 26º), contesta a alegação de falsidade quanto aos documentos juntos com as alegações iniciais (27º a 34º), exerce o contraditório quanto aos documentos juntos pelos recorridos (35º a 39º) e, separadamente, argui a falsidade dos documentos 1 a 3 juntos pelos recorridos (40º a 64º).

  1. O despacho que ordenou o desentranhamento da resposta do recorrente impediu o exercício do contraditório (artigo 526º do CPC) quanto aos documentos juntos pela parte contrária, e, saneou a arguição da falsidade dos documentos sem tomar posição quanto à mesma (artigo 546º do CPC).

  2. Além disto, ao admitir a junção aos autos de um segundo articulado, acompanhado de novos documentos, pelos recorridos, o Tribunal a quo tratou as partes de forma desigual e acabou por «deixar entrar pela janela o que expulsara pela porta», isto é, permitiu, afinal, mais do que dois articulados.

  3. O Tribunal a quo fez, pois, errada interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 3º,nº 3, 3º-A, 523º, 526º, 546º, 548º e 549º do CPC.

  4. Nos casos das alíneas b) e [c)][15] do artigo 771º, como o dos autos, é permitida a resposta às excepções, pelo recorrente, isto é, após a resposta dos recorridos seguir-se-ão os termos do processo sumário, designadamente os previstos pelo artigo 785º do CPC.

  5. É nulo o despacho que não se pronunciou sobre a falsidade dos documentos 1 e 3 apresentados pelos Recorridos.

  6. Esta falsidade é evidente em face dos sinais exteriores do documento, pelo que deverá, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 372º do Código Civil, este Tribunal, oficiosamente, declarar falso o documento 1 junto pelos Recorridos.

  7. O Tribunal a quo refere «uma vez que os fundamentos invocados para o recurso são os que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT