Acórdão nº 6600/04.2TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelGONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGO 655.º DO CPC E ARTIGO 258.º DO CC Sumário: 1) A prova pericial tem razão de ser quando estejam em causa matérias que exijam conhecimentos especiais, o que não é necessariamente o caso de um vulgar contrato de compra e venda de mercadorias; 2) A violação do princípio dispositivo não configura nulidade da sentença, mas nulidade de carácter geral, a apreciar nos termos do artigo 201.º do CPC; 3) Por força do princípio da aquisição processual, a matéria carreada para os autos por uma das partes aproveita à outra; 4) Só a desconformidade flagrante entre os elementos de prova e o julgamento de facto pode conduzir à alteração da matéria provada; 5) Age como mero representante do comprador o franquiador que, por acordo com o franquiado, recebe as encomendas feitas por este e ordena ao fabricante a confecção de produtos, para serem entregues directamente ao franquiado, que assumiu a obrigação de os pagar.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A...

, sociedade comercial de direito espanhol com sede em ..., Espanha, instaurou acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra B...

., com sede na .... Leiria, alegando, em resumo, que.

No exercício da sua actividade de confecção e comercialização de produtos têxteis, vendeu à ré, a pedido da mesma, artigos no valor de € 249.420,45, de que ela só pagou € 3.239,90, pelo que está em dívida a importância de € 246.180,55.

As mercadorias foram, de facto, entregues e deveriam ser pagas até às datas de vencimento apostas nas facturas emitidas, mas a ré não o fez, apesar de várias vezes interpelada para o efeito.

Concluiu pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe o montante de € 246.180,55, acrescido de juros de mora vencidos, no valor de € 55.877,35, e de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde 30.10.04 e até efectivo pagamento.

Regularmente citada, a ré contestou por excepção e por impugnação. Excepcionando, alegou ter celebrado um contrato de franchising com a sociedade C....

., ao abrigo do qual explorava em exclusivo os direitos de comercialização dos produtos da marca “D...

” em Portugal; na qualidade de franquiador, a C..... fabricava ou mandava fabricar as mercadorias e entregava à ré as destinadas a Portugal, que, como master-franchising da marca D..., as distribuía pelos vários franquiados portugueses.

A autora era um dos fabricantes exclusivos da dita marca (provedor) que, como tal, recebia as encomendas da C...e não da ré, que não tinha qualquer autonomia e nem podia, sequer, a não ser em casos excepcionais, ter contactos directos com os fabricantes.

A ré nunca contratou com autora, razão pela qual não tem interesse directo em contradizer, sendo, nessa medida, parte ilegítima.

Acrescentou, ainda, que intentou em Espanha uma acção contra a C..., em que a autora é igualmente parte, que é prejudicial da presente e deve determinar a respectiva suspensão.

Impugnando, afirma que nada lhe foi fornecido pela autora e que só por uma questão de simplificação os artigos lhe foram facturados, já que a devedora é a C..., e se aceitou as mercadorias foi, apenas, por saber que as encomendas haviam sido efectuadas pela C..., única responsável pelo pagamento aos provedores, mas não recebia as mercadorias como se tivesse sido ela própria a fazer encomendas.

Replicando, reiterou a autora o peticionado, salientando que foi sempre a ré a pagar à autora as mercadorias que esta lhe entregava directamente, sendo que a ré solicitava à C...que esta transmitisse as encomendas à autora ao abrigo de contrato de mandato.

A autora não é parte na acção em Espanha, nem se verifica qualquer prejudicialidade.

Ademais, sempre a ré recebeu as mercadorias fornecidas pela autora, nunca tendo referido não ser destinatária da mesma, e nunca devolveu quaisquer facturas emitidas pela autora, sempre tendo pago (com excepção das presentes), estando a agir de má-fé ao pretender escusar-se ao pagamento mediante a invocação de contratos com estranhos à relação com a autora. Em resposta, a ré reiterou o anteriormente alegado, salientando não existir qualquer mandato da C... no que se refere às encomendas.

Referiu, ainda, a ré que a C...violou o contrato que celebrara consigo, pelo que deixou de querer suportar obrigações que não eram suas e que foi, apenas, tolerando.

Concluiu, requerendo a intervenção principal da C..., que foi indeferida, o mesmo sucedendo, aliás, com suspensão da instância.

Estas decisões foram objecto de recurso de agravo, admitido, em qualquer dos casos, para subir em separado, e ambos julgados improcedentes por esta Relação.

Foi proferido despacho saneador, que arredou a excepção da ilegitimidade da ré e afirmou, no mais, a validade e regularidade da lide.

A selecção da matéria de facto – factos assentes e base instrutória – foi alvo de reclamação por parte da ré, parcialmente atendida.

Em sede de prova, requereu a ré perícia à contabilidade da autora, à qual esta se opôs e que veio a ser indeferida, com o argumento de que a apreciação dos factos a submeter à prova pericial não exigiam conhecimentos especiais, podendo ser provados por outros meios de prova, designadamente testemunhal ou documental.

Da decisão de indeferimento interpôs a ré recurso, admitido como agravo, com subida diferida e efeito devolutivo, relativamente ao qual foram apresentadas alegações, rematadas por 19 conclusões, facilmente redutíveis a três: a) Em face da posição das partes e, nomeadamente, do alegado contrato de franchising, interessa provar quem encomendava e quem vendia os produtos; b) A percepção e apreciação de tais factos necessitam de conhecimentos especiais, mormente ao nível da contabilidade, que só os técnicos especializados e não os julgadores têm; c) Aliás, a matéria controvertida implica relações entre várias empresas no seio de franchising internacional, configurando-se, previsivelmente, uma análise difícil de documentos e dados contabilísticos, tanto mais que a empresa objecto da perícia obedece a normas e regulamentos diferentes dos nossos.

A autora não respondeu à alegação.

A decisão recorrida foi tabelarmente sustentada. Efectuada a audiência de julgamento e fixada, sem reclamação, a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e condenou a ré a pagar à autora a importância de € 246.180,55, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde as datas de vencimento das facturas e até integral pagamento.

Inconformada, a ré interpôs recurso (admitido como apelação, com efeito devolutivo), alegou e formulou, em sequência repetitiva, 43 conclusões, que se podem sintetizar em, apenas, três: a) A matéria de facto constante dos pontos 23) e 27) da sentença foi erradamente julgada; b) A sentença é nula, por ponderar factos que não foram objecto de discussão; c) A sentença não aplicou correctamente o direito aos factos provados.

A autora respondeu à alegação da ré, tendo-se pronunciado pelo acerto da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Atento o preceituado no artigo 710.º do Código de Processo Civil[1], diploma a que pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem, terá de conhecer-se, em primeiro lugar, do agravo e, só depois, da apelação, que perderá, é óbvio, utilidade se o agravo for provido.

As questões a requerer solução são: Quanto ao agravo, a admissibilidade da prova pericial.

Quanto à apelação, a nulidade da sentença, a alteração da matéria de facto e a verificação dos elementos do contrato de compra e venda.

II. Na sentença impugnada foram dados por assentes os seguintes factos: 1) A Autora é uma sociedade comercial, de direito espanhol, que se dedica, nomeadamente, à confecção e comercialização de produtos têxteis – Alínea a) dos factos assentes.

2) A autora emitiu as seguintes facturas, em nome da ré, constando as respectivas cópias de fls. 21 a 73 dos autos, aqui se dando por integralmente reproduzido o seu demais teor: a) - Factura n.º 02 000507, emitida em 02-08-2002, no montante de € 14.602,97, vencida em 1-Dez-02; b) - Factura n.º 02 000519, emitida em 02-08-2002, no montante de € 16.366,25, vencida em 1-Dez-02; c) - Factura n.º 02 000523, emitida em 02-08-2002, no montante de € 8.509,82, vencida em 1-Dez-02; d) - Factura n.º 02 000526 emitida em 02-08-2002, no montante de € 16.064,96, vencida em 1-Dez-02; e) - Factura n.º 02 000528, emitida em 21-08-2002, no montante de € 8.001,78, vencida em 1-Dez-02; f) - Factura n.º 02 000583, emitida em 09-09-2002, no montante de € 6.435,04, vencida em 9-Dez-02; g) - Factura n.º 02 000584, emitida em 09-09-2002, no montante de € 4.057,76, vencida em 9-Dez-02; h) - Factura n.º 02 000585, emitida em 09-09-2002, no montante de € 6.951,00, vencida em 9-Dez-02; i) - Factura n.º 02 000586 emitida em 09-09-2002, no montante de € 4.871,34, vencida em 9-Dez-02; j) - Factura n.º 02 000587, emitida em 09-09-2002, no montante de € 4.079,12, vencida em 9-Dez-02; k) - Factura n.º 02 000588, emitida em 09-09-2002, no montante de € 2.326,43, vencida em 9-Dez-02; I) - Factura n.º 02 000589, emitida em 09-09-2002, no montante de € 4.421,36, vencida em 9-Dez-02; m) - Factura n.º 02 000590, emitida em 09-09-2002, no montante de € 6.498,86, vencida em 17-Dez-02; n) - Factura n.º 02 000591, emitida em 09-09-2002, no montante de € 6.138,97, vencida em 9-Dez-02; o) - Factura n.º 02 000592, emitida em 09-09-2002, no montante de € 5.054,57, vencida em 9-Dez-02; p) - Factura n.º 02 000593, emitida em 09-09-2002, no montante de € 3.590,80, vencida em 9-Dez-02; q) - Factura n.º 02 000594, emitida em 09-09-2002, no montante de € 4.219,41, vencida em 9-Dez-02; r) - Factura n.º 02 000595, emitida em 09-09-2002, no montante de € 3.369,20, vencida em 9-Dez-02; s) - Factura n.º 02 000596, emitida em 09-09-2002, no montante de € 6.227,36, vencida em 25-Set-02; t) - Factura nº 02 000597,emitida em 09-09-2002, no montante de € 2.836,82, vencida...

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