Acórdão nº 198/1998.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 325 - FLS 213.

Área Temática: .

Sumário: I - Sendo solidária a responsabilidade dos demandados em acção emergente de acidente de viação (art. 497.° do CC), não há que apreciar nesta acção a repartição da culpa ou do risco entre os diversos demandados, na medida em que cada um deles responde perante o lesado pelo pagamento integral da indemnização (art. 512.º, n.° 1, do CC).

II - Tem-se por adequada a indemnização fixada na quantia € 35.000,00 por conta dos danos futuros inerentes à perda da capacidade de ganho, considerando que a lesada tinha apenas 16 anos de idade, auferia a remuneração mensal de € 349,16 e ficou afectada de incapacidade permanente geral de l5%.

III - Não pode considerar-se excessiva a atribuição da quantia de €32.500,00 para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela lesada, estando provado que: sofreu traumatismo crânio-encefálico grave, escoriações nos pés e ferida cortocontusa na perna esquerda; ficou coma profundo durante 13 dias, em que esteve ligada a ventilador, algaliada e com soro, entre a vida e a morte; sofreu prolongado período de internamento hospitalar; foi submetida a intervenções e tratamentos dolorosos; esteve bastante tempo sem recuperar a fala e mantendo o uso de fraldas depois de regressar a casa, manteve-se na situação de acamada e totalmente dependente da assistência de terceira pessoa durante cerca de seis meses; ficou com uma cicatriz de 15 cm na perna esquerda, bem visível; ficou a padecer de dores de cabeça, por vezes muito intensas, tonturas, lapsos de memória, irritabilidade e cansaço; ficou afectada na sua auto-estima em grau elevado.

IV .- Do art. 804.º do Código Civil resulta que a ratio da obrigação de reparar com base na mora não é a actualização do valor da prestação, mas a de reparar o prejuízo causado pela mora e sancionar o atraso no cumprimento da prestação.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 198/1998.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 25-06-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. B………., residente na Rua ………., ………., Porto, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Gondomar, acção declarativa de condenação, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, com processo comum sumário nos termos do art. 462.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, então vigente (foi eliminado pela Lei n.º 3/99, de 13-01), contra o GABINETE PORTUGUÊS DE CARTA VERDE, com sede na ………., em Lisboa, e a C………. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua ………., no Porto.

Pediu a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia total de 28.205.000$00 (€ 140.685,95), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que diz ter sofrido em consequência de acidente de viação ocorrido em 11-08-1993, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação dos réus.

Justifica a demanda dos réus alegando, em síntese, que seguia como passageira no motociclo com a matrícula LM-..-.., conduzido por D………., pela EN …, quando aquele motociclo foi embatido pelo veículo de matrícula belga «HGX …», conduzido pelo seu proprietário, que executara uma manobra de inversão de marcha em local onde existia uma linha continua, que sobrepôs, e imediatamente a seguir a uma curva, donde surgiu o motociclo, indo o veículo belga embater no motociclo e projectando-o para o solo, com os respectivos ocupantes. Acrescentando que o motociclo pertencia a E………., cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros estava transferida para a ré C………., por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……, e que a responsabilidade civil relativa ao veículo belga estava transferida para a seguradora F…….., através de contrato de seguro titulado pela apólice/carta verde n.º ./T-…......./……/.., cuja representação em Portugal cabe ao GABINETE PORTUGUÊS DE CARTA VERDE.

Os dois réus contestaram a acção. O GABINETE PORTUGUÊS DE CARTA VERDE alegou, em síntese, que o acidente se deveu a conduta infractora e culposa do condutor do motociclo, o qual saiu de uma curva a velocidade superior a 60 km/h e avançou desgovernado para a hemifaixa de rodagem por onde já circulava o veículo HGX, indo embater neste. Por sua vez, a C………. aceitou, no essencial, a versão do acidente narrada pela autora, atribuindo a culpa ao condutor do veículo belga, apenas corrigindo que o motociclo em que seguia a autora era, à data, propriedade do próprio condutor, D………., e impugnando a matéria dos arts. 13.º e 14.º da p.i., a respeito da presunção de culpa que ali era imputada ao condutor do dito motociclo.

Devidamente citado, veio também o CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DO NORTE deduzir pedido de reembolso da quantia de 100.536$00 (€ 501,47), que alegou ter pago à autora a título de subsídio de doença (fls. 56). Pedido que foi contestado pela ré C………., alegando a prescrição desse direito (fls. 60).

Realizada a audiência de julgamento e decidia a matéria de facto controvertida que constava da base instrutória, nos termos do despacho a fls. 376-379, foi proferida sentença, a fls. 381-390, a qual, em consequência de recursos interpostos pela autora e pelos dois réus, veio a ser anulada por acórdão desta Relação a fls. 559-567, que decidiu “anular as respostas dadas aos quesitos 30, 31 e 36 da base instrutória, a que o tribunal responderá novamente tendo em conta, também, os dados que se vier a obter na 2.ª perícia, cuja realização se ordena, … devendo a repetição do julgamento observar o disposto no art. 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil”.

Realizada a 2.ª perícia ordenada, cujo relatório consta a fls. 624-629, e repetido o julgamento quanto aos factos constantes dos quesitos n.º 30, 31 e 36 da base instrutória, cujas respostas constam do despacho a fls. 667, foi proferida nova sentença, a fls. 669-710, que decidiu condenar solidariamente os dois réus: a) a pagarem à autora a quantia de € 77.227.89, acrescida de juros de mora assim contados: 1) sobre o montante de € 9.727,89, desde 25-04-1998 à taxa de 10%, a partir de 18-04-1999 à taxa de 7%, e a partir de 01-05-2003 à taxa de 4% (art. 559.º do Código Civil, Portaria n.º 1171/95, de 25 de Setembro, Portaria n.º 2 63/99, de 12 de Abril, e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril) até efectivo pagamento e sem prejuízo de outras taxas legais que venham sucessivamente a vigorar; 2) e sobre o montante de € 67.500,00 — correspondendo € 35.000,00 à indemnização dos danos patrimoniais futuros correspondentes à perda de capacidade de ganho e € 32.500,00 à compensação dos danos morais que sofreu — contados à taxa anual de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), sem prejuízo de outras taxas legais que venham sucessivamente a vigorar, desde a presente data até efectivo pagamento.

  1. a pagarem ao CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DO NORTE a quantia de € 501.41, acrescida de juros de mora contados desde 17-06-2000 à taxa de 7%, e a partir de 01-05-2003 à taxa de 4% até efectivo pagamento (art. 559.º do Código Civil, Portaria n.º 263/99, de 12 de Abril, e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), sem prejuízo de outras taxas legais que venham sucessivamente a vigorar.

  1. Desta sentença voltaram a recorrer a autora e os dois réus, que apresentaram as respectivas alegações a fls. 738-740, 748-760 e 764-770.

    2.1. A autora limitou o objecto do seu recurso à decisão sobre os juros de mora, concluindo as suas alegações (fls. 738-740): 1.º - O momento da constituição em mora encontra-se objectivamente fixado na 2.ª parte do n.º 3 do art. 805º do Código Civil: a data da citação.

    1. - O atraso constituiu o devedor em mora e a sanção é o pagamento de juros desde a mora.

    2. - A douta sentença recorrida violou o art. 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do Código Civil.

      2.2. A ré C………. (fls. 748-760) alegou estar em desacordo com a sentença recorrida no que respeita aos seguintes pontos: 1.º) proporção da repartição do risco entre os dois veículos intervenientes; 2.º) montante da indemnização pelos danos patrimoniais futuros; 3.º) montante da indemnização pelos danos não patrimoniais; 4.º) erro de soma nos danos patrimoniais emergentes.

      E concluiu as suas alegações dizendo: 1.ª - Não é verdade que, à falta de outros elementos, seja igual a contribuição do veículo ligeiro e do motociclo para o acidente dos autos.

      1. - A repartição do risco não deve ser feita em abstracto, mas sim em concreto, tendo em conta as especificidades de cada um dos veículos.

      2. - Mesmo não tendo sido apurada a largura da via, é do senso comum que um veículo ligeiro, tendo maiores dimensões, ocupando, por isso, maior largura da faixa de rodagem, e tendo um peso várias vezes superior ao de um motociclo vulgar, é susceptível de criar maior risco e de provocar maiores danos que o motociclo.

      3. - Daí que, ao arrepio do que é normal em inúmeras decisões judiciais, a sentença recorrida tenha entendido que a responsabilidade pelo risco do veículo ligeiro e do motociclo sejam iguais no caso dos autos.

      4. - Entendemos que essa não é a melhor interpretação do disposto no art. 506º nº 2 do Código Civil, devendo, nesse ponto, a sentença recorrida ser revogada e alterada por outra que reparta as responsabilidades (pelo risco) em 2/3 ou 5/7 para o veículo ligeiro, e 1/3 ou 2/7 para o motociclo.

      5. - Foi nesse sentido, aliás, e com os mesmos factos provados, que decidiu o Tribunal de Gondomar na acção proposta pelo condutor do motociclo – processo nº 186/1998, decisão essa que está junta aos autos.

      6. - A indemnização destinada a compensar a perda da capacidade aquisitiva derivada da incapacidade permanente de 15% de que a autora está afectada, fixada no montante de € 35.000,00 é manifestamente exagerada.

      7. - Os preceitos dos arts. 562.º e 564.º do Código Civil foram violados na sentença recorrida ao fixar-se um montante indemnizatório superior aos danos decorrentes das lesões sofridas pela autora.

      8. - Tendo em conta o seu...

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