Acórdão nº 2646/06.4TAGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO MONTERROSO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE Sumário: I - A lei não impõe ao denunciante que qualifique criminalmente os factos. Nem, tão pouco, que os delimite com pormenor. Essencial é que ele identifique o “episódio” a que se refere, de forma a que no futuro não haja dúvidas sobre aquilo de que se queixou.

II – Sendo a habitação o espaço fisicamente fechado destinado ao alojamento de uma ou várias pessoas, fazem dela parte as marquises, quer tenham sido construídas de raiz, quer colocadas posteriormente.

III - A lei distingue expressamente os casos em que a denúncia é feita por escrito daqueles em que é feita verbalmente. Só nesta última hipótese o denunciante deve ser informado da obrigatoriedade de se constituir assistente nos crimes com natureza particular.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Na 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo (Proc. nº2.646/06.4TAGMR), foi proferido acórdão que: I – Na parte crime 1.

Condenou o arguido Abílio L...

: a) por um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º, nº 1, do CP, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros; b) por um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artº 190º, nº 1, do CP, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros; c) por um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1, do CP, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros; e d) Em cúmulo jurídico destas três penas parcelares na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros, o que perfaz o total de 1.600 (mil e seiscentos) euros; 2.

Condenou a arguida Célia F...

, por um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º, nº 1, do CP, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, num total de 325 (trezentos e vinte e cinco) euros; 3.

Condenou o arguido José F...

, por um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º, nº 1, do CP, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, num total de 325 (trezentos e vinte e cinco) euros; 4.

Condenou a arguida Maria M...

, por um crime de injúria, p. e p. pelo artº 181º, nº 1, do CP, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5 (cinco) euros, num total de 325 (trezentos e vinte e cinco) euros; 5 – Absolveu o arguidos Abílio L... Célia F... e de um crime de injúria na forma continuada, a arguida da pronúncia p. e p. pelo artº 181º, nº 1, do CP; os arguidos Abílio L..., Célia F..., José F... e Maria M... de um crime de ameaça qualificada, igualmente na forma continuada.

II - Na parte cível: 1 Condenou o demandado Abílio L..., no pagamento à demandante Maria S... da quantia de 2.550,00 (dois mil quinhentos e cinquenta) euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida do pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento; 2. Condenou a demandada Célia F... no pagamento à demandante Maria S... da quantia de 500,00 (quinhentos) euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida do pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento; 3. Condenou o demandado José F... no pagamento à demandante Maria S... da quantia de 500,00 (quinhentos) euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida do pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento; 4. Condenou a demandada Maria M... no pagamento à demandante Maria S... da quantia de 500,00 (quinhentos) euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida do pagamento dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento; 5. Absolveu os demandados Abílio L..., Célia F..., José F... e Maria M... do demais peticionado.

* Os arguidos e demandados cíveis Abílio L...

e Célia F...

interpuseram recurso deste acórdão, suscitando as seguintes questões: - questionam a decisão sobre a matéria de facto; - argúem a nulidade da sentença por ter condenado por factos diversos da pronúncia; e - a não observância do mecanismo previsto no art. 358 do CPP; - alegam não ter sido apresentada queixa pelo crime de violação de domicílio; - que não se verificam os elementos do tipo do crime de violação de domicílio; e - questionam a validade da queixa quanto aos crimes de injúria.

* Respondendo, ao recurso a magistrado do MP junto do tribunal recorrido e a assistente e demandante cível Maria S...

defenderam a improcedência do recurso.

Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* I – No acórdão recorrido recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): 1. No dia 27.08.2006, à noite, no desenvolvimento das más relações de vizinhança existentes entre a assistente e os arguidos Abílio e Célia, estando a assistente Maria no interior da sua residência, em T... – Guimarães, a Célia , na companhia do seu pai, o arguido José , dirigiram-se à casa da referida Maria , desafiando-a para vir para o exterior, tendo-se entretanto dado uma disputa verbal entre uns e outros; 2. No dia 27.09.2006, por volta das 7.20 horas, o arguido Abílio, quando saía para o trabalho, avistou a testemunha Domingos quando este ia a sair de casa, tendo-se então munido de um pé-de-cabra e desafiou-o para uma contenda; porém, este ignorou o desafio e arrancou na viatura para ir trabalhar; acto contínuo, tendo o arguido Abílio avistado a assistente ao cimo das escadas da sua habitação e que dão acesso à marquise, muniu-se de um pé-de-cabra e, sem autorização e contra a vontade da assistente, correu em direcção a esta, penetrando nesse espaço, ao mesmo tempo que gritava “ah sua puta, tu vais já!”; 3. Surpreendida, a assistente Maria só teve tempo de entrar na marquise existente na sua habitação e, quando ia fechar a porta, o arguido Abílio...empurrou-a, impedindo-a de a fechar, entrou na marquise enquanto bradava “isto é a sério!”, tendo de imediato desferido uma pancada com o pé-de-cabra na cabeça da assistente e tendo-lhe esta entretanto desferido pelo menos dois tiros com uma arma de fogo que empunhou e que o atingiram, designadamente na zona do abdómen, após o que o arguido Abílio...se colocou em fuga para junto da sua residência; 4. O arguido Abílio..., ao agir do modo descrito nos pontos 2 e 3, quis entrar na habitação da assistente – apesar de saber que agia contra a vontade dela -, quis também molestá-la fisicamente e, ao proferir a expressão “sua puta”, quis ainda atingí-la na sua honra e consideração; 5. No seguimento dessa contenda, quando a assistente estava a entrar no carro para se dirigir ao hospital a fim de ser assistida, apareceram os arguidos Célia, José e Maria, os quais se viraram para a assistente e a chamaram de “puta”, “velha” e “bruxa”, acrescentando a arguida Maria que a assistente tinha colocado tinta no cabelo para dizer que era sangue, tendo agido todos com a intenção de a atingir na sua honra e consideração; 6. Ao agir do modo descrito, todos os arguidos agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas; 7. Como consequência directa e necessária dos factos referidos no ponto 3., resultou para assistente uma ferida aberta com cerca de 8 cm de comprimento, sagital, na região inter-parietal, com bordos regulares, profunda com exposição da gália e óssea, sem hemorregia activa, pele circundante sem equimoses ou hematomas, lesões essas que demandaram 10 dias para a sua cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional; 8. Foi assistida no Hospital Senhora da Oliveira, tendo sido medicada para as dores de que padecia; 9. Foi suturada com sete pontos e teve posteriormente de ser submetida a tratamentos ambulatórios, tendo-se deslocado para o efeito ao Centro de Saúde Professor Arnaldo S..., extensão de Urgeses, nos dias 29.09.2006, 03.10.2006, 04.10.2006 e 06.10.2006; 10. Por força da aludida agressão ficou a assistente com uma cicatriz de carácter permanente na cabeça, mas que não é minimamente visível por causa do cabelo; 11. A assistente é reformada e cuida da vida de casa, tendo ficado transtornada, desgostosa e triste com o sucedido; 12. Além disso, ficou aterrorizada e sentiu-se indefesa quando o arguido Abílio se dirigiu a si, proferindo as expressões mencionadas no ponto 3, e, quando sentiu a pancada e o sanggue a escorrer pela face, não obstante ter sentido medo e angústia, teve o sangue frio necessário para empunhar uma arma de fogo; 13. As expressões injuriosas mencionadas nos pontos 2 e 5 foram proferidas de viva voz e com a intenção de atingir a honra e consideração da assistente; 14. Em face dos epítetos de que foi alvo e referenciados nos pontos 2 e 5, a assistente sentiu-se...

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