Acórdão nº 182/06.8GAPCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. BELMIRO ANDRADE
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO CRIMINAL Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE Legislação Nacional: ARTIGOS115º, 152º CP, 5º CP E 2º,86º DA LEI 5/2006 DE 23/2 Sumário: 1. Só por força da redacção dada pela Lei n.º 7/2000, de 27.05 o crime de maus-tratos a cônjuge, p.p. pelo artigo 152 nº. 1 e 2 do C.P passou a assumir a natureza genuína de crime público.

  1. Assim, até à entrada em vigor da referida Lei 7/2000, não tendo sido apresentada queixa dentro do prazo legal, os factos constitutivos do crime, deixavam de poder ser perseguidos criminalmente, por falta de um pressuposto processual, a menos que (após a vigência da Lei 65/98) o MºPº justificasse a existência de interesse da vítima e a não oposição desta.

  2. Mantém-se nítida - agora reforçada - a distinção operada pelo art. 86º da Lei 5/2006 de 23/2 (na anterior como na actual redacção) entre armas brancas em sentido estrito (tal como definidas no art. 2º) e facas de abertura automática/ponta e mola prescindido o legislador, em relação a estas últimas, de qualquer referência ao comprimento da lâmina e bastando-se com o automatismo/mola de abertura.

    Decisão Texto Integral: I.

    A..., arguido identificado nos autos, recorre do acórdão do Tribunal Colectivo que decidiu: - Condenar o arguido/recorrente, como autor do crime de maus-tratos a cônjuge, p.p. pelo artigo 152 nº. 1 e 2 do C.P., na pena de dezoito meses de prisão; e - Como autor do crime de detenção de arma proibida p. p. pelo artigo 86-1 d) da Lei 5/2006, na pena de 100 (cem) dias de multa à razão de 5€ (cinco euros), o que perfaz a multa de 500€ (quinhentos euros); - Condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena única de um ano e seis meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo, e na multa de quinhentos euros.

    - Julgar procedente o pedido de indemnização formulado e, em consequência condenar o arguido - demandado a pagar à demandante a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), acrescidas dos juros vincendos, contados desde a notificação do pedido e até ao pagamento, à taxa geral, vigente.

    * Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES 1. Nos factos considerados provados pelo tribunal não consta nada quanto à personalidade ou comportamento do arguido, não obstante as declarações das testemunhas de defesa S... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 22m e 48s (inicio do gravação) a 12h, 32m e 47s (fim da gravação), B... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 33m e 19s (inicio da gravação) a 12h, 40m e 08s (fim da gravação) e R... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 40m e 32s (inicio da gravação) a 12h, 46m e 51s (fim da gravação), sendo o apuramento de tais circunstâncias relevantes para o apuramento da pena e respectiva medida a aplicar, pelo que, a referida omissão na douta sentença, configura uma nulidade da sentença, nos termos do art. 379º nº 1, al. c) do C. P. Penal.

  3. A factualidade dada como provada não traduz, a nosso ver, e salvo o devido respeito, com exactidão, tudo aquilo que se passou em audiência de discussão e julgamento e não está conforme com a prova ali produzida, uma vez que o tribunal alicerçou a sua convicção nos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas na acusação - mãe e irmãs da ofendida M..., em detrimento dos depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa, no sentido de não ter atribuído igual importância a estes, por ter considerado que estas tinham um “conhecimento da vida do casal de forma superficial, dado o relacionamento casual com os mesmos”.

    Todavia, o contacto com as testemunhas de acusação não era diário, nem próximo, sendo certo que uns viviam na Suíça e outros em Portugal, e grande parte dos relatos que fizeram foi a reprodução de conversas com a ofendida e de telefonemas feitos por esta.

  4. A testemunha J..., mãe da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 14m e 32s (inicio da gravação) a 11h, 37m e 48s (fim da gravação) não escondeu a sua antipatia, má vontade e animosidade, em relação ao arguido, e não obstante, o tribunal considerou que o seu depoimento foi “decisivo” e “isento”.

    Foi categórica em afirmar que quanto ás agressões só assistiu por uma única vez, no dia 14/07/2006 e quanto ao mais que lhe era perguntado, apenas sabia o que lhe ia sendo contado pela filha.

  5. A testemunha D..., irmã da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 38m e 36s (início da gravação) a 11h, 51m e 00s (fim da gravação) nunca viu o arguido bater na ofendida e que nunca tinha presenciado qualquer agressão. Do que presenciou referiu, laconicamente, episódios entre o casal (ofendida e arguido), esclarecendo que começavam em brincadeiras e que acabavam mal. Afirmou várias vezes que não se lembrava de quaisquer expressões ofensivas proferidas pelo arguido dirigidas à ofendida e só depois da Mma. Juiz lhe ler o que constava na acusação é que a testemunha disse “sim”.

  6. A testemunha F..., irmã da ofendida (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 51m e 30s (inicio da gravação) a 11h, 58m e 10ss (fim da gravação) afirmou que nunca presenciou qualquer agressão do ofendido, que só via o casal às vezes, ao fim de semana e que o que sabia era através da irmã, aqui ofendida, que lhe contava. Esclareceu que o casal às vezes lá discutia mas não era bater, nem tão pouco. E justificou as discussões com os problemas deles.

  7. O filho do casal E..., (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 1h, 51m e 30s (início da gravação) a 11h, 58m e 53ss (fim da gravação) que optou por viver com o pai, aqui arguido, deixou passar algum desagrado em relação à postura da ofendida, sua mãe, e foi o bastante para o tribunal entender que o seu depoimento foi “induzido”, ao invés do que sucede com a testemunha J..., mãe da ofendida, que transmitiu claramente que nunca gostou do arguido, nos termos já expostos.

  8. As demais testemunhas de defesa S... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h, 22m e 48s (início da gravação) a 12h, 32m e 47s (fim da gravação), B... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009. 11h, 33m e 19s (inicio da gravação) a 12h 40m e 08s (fim da gravação) e R... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 12h 40m e 32s (inicio da gravação) a 12h, 46m e 51s (fim da gravação) transmitiram ao tribunal a ideia que o casal constituído pela ofendida e pelo arguido seria igual a tantos outros, com um relacionamento normal, sem relatarem qualquer episódio de agressões ou de ofensas e foram categóricos em afirmar as boas qualidades e bom comportamento do arguido.

  9. Nenhuma testemunha assistiu a episódios de ofensas perpetradas pelo arguido, tendo as testemunhas da acusação contado apenas o que a própria ofendida lhes ia dizendo e nem sequer o fizeram de forma precisa, clara e objectiva, com excepção dos factos do dia 14/07/2006, relatados pela J... (cfr. gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 14m e 32s (inicio da gravação) a 11h, 37m e 48s (fim da gravação) 9. Dos depoimentos das testemunhas resulta que o arguido quando se dirigia à ofendida em tom menos cordial ou recorrendo a linguagem menos própria, o fazia, no seio de discussões entre ambos e por problemas que tinham (cfr. testemunha F..., gravação de áudio de 22/04/2009, 11h, 51m e 30s (inicio da gravação) a 11h, 8m 10s (fim da gravação), contrariamente ao que foi considerado pelo tribunal a quo.

  10. Os factos considerados provados quanto à doença do arguido também não foram ponderados no sentido de formular a dúvida (que reverteria sempre a seu favor) quanto ás condições em que este se encontraria quando tais factos se passaram ou o estado em que ficou por causa dos mesmos 11. Não constam da motivação da decisão sobre a matéria de facto, as “impressões” do depoimento da ofendida M..., nem em que medida as suas declarações contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

  11. Relativamente à matéria de facto considerada provada e constante dos parágrafos 4º 5º 7º e 10º não se pode alicerçar no depoimento de qualquer das testemunhas que foram todas unânimes em afirmar que nunca tinham assistido a quaisquer destas agressões e nem sequer existem quaisquer registos clínicos que possam documentar tais ocorrências, independentemente, das razões que motivaram a sua ocultação, o que viola o disposto no art. 127º do Cód. Proc. Penal.

  12. Se os referidos factos não fossem considerados provados, não restam dúvidas que da restante matéria de facto considerada provada, o arguido, poderia, quando muito, ser condenado pela prática de um crime de ofensas corporais, pelos factos ocorridos no dia 14/07/2006 14. Uma vez que apenas a ofendida se referiu a tais factos (parágrafos 4º, 5º, 7º e 10º), o tribunal deveria fazer aplicação do princípio constitucional do “in dúbio pro reo” (art. 32º, nº 2 da C.R.P.)., decidindo a favor do arguido.

  13. Não tendo o tribunal a quo reconhecido essa dúvida, que, a nosso ver, resulta evidente do texto da decisão ora recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum, houve violação do art. 127º do Cód. Proc. Penal e erro notório na apreciação da prova, por incorrectamente julgada e apreciada a matéria de facto constante dos parágrafos supra referidos (4º, 5º 7º e 10º), vício que aqui expressamente se invoca e a que se refere a al. c) do nº 2, do art. 410º do mesmo diploma legal e, além do mais, reportando-nos apenas à matéria de facto dada como provada, estamos em crer, que a mesma é de todo insuficiente para fundamentar a decisão condenatória, fundamentando, a nosso ver, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que respeita a aí. a) do referido art. 410º, já que da douta sentença nada se extrai quanto ao contexto da prática dos factos.

  14. A douta sentença recorrida violou, para além do mais, o disposto no art. 142º do C.P.

  15. Relativamente à condenação do arguido pelo crime de detenção de arma proibida, p.p. art. 86º, nº 1, al. d) da Lei n.º 5/5006, de 23 de Fevereiro, por ter na sua posse a arma - faca de ponta e mola - com uma lâmina de 9,9 cm, toda a jurisprudência tem...

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