Acórdão nº 309-B/2001.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. GONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ALÍNEA B) DO N.º1 DO ARTIGO 668º., O N.º 4 DO ARTIGO 646.º E N.º 2 DO ARTIGO 456.º DO CPC Sumário: 1) A fundamentação deficiente da matéria de facto não gera nulidade (que só a falta absoluta de motivação pode desencadear), e, muito menos, a nulidade da alínea b) do n.º1 do artigo 668.º do CPC, que se reporta à sentença, mas, tão-só, a obrigação de fundamentar, se tal for requerido em via de recurso e os factos em questão forem essenciais para a decisão da causa; 2) Os factos que só possam ser provados por documento não devem ser levados à base instrutória, uma vez que o n.º 4 do artigo 646.º do CPC considera não escritas as respostas dadas nessas circunstâncias; 3) Também os juízos de valor são insusceptíveis de quesitação; 4) Só o erro notório na apreciação da prova permite à Relação alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância; 5) Factos notórios são aqueles de que a maioria dos cidadãos do país regularmente informados tem conhecimento, não estando nessa situação o estilo e a praxe da comarca quanto aos honorários de advogado; 6) Os elementos de maior relevo para a fixação dos honorários de advogado são o tempo gasto e a dificuldade do assunto.

7) A litigância de má fé visa prevenir o dever de probidade processual.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I Relatório: Dra.A..., casada, advogada, com domicílio profissional na...., e B...

, divorciado, advogado, com domicílio profissional na...., intentaram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra C...

, ao tempo, casado, e, actualmente, divorciado, com residência na...., alegando, em resumo, que: No exercício da sua actividade profissional de advogados, a pedido da, então, mulher do réu, assumiram o patrocínio deste último em acção de indemnização baseada em responsabilidade civil emergente de acidente de viação, que ele entendeu propor contra uma companhia de seguros.

Nesse sentido, coligiram elementos, elaboraram a petição, instauraram a acção e seguiram todos os termos do processo até à decisão final do mesmo pelo Supremo Tribunal de Justiça, que condenou a ali Ré Companhia de Seguros a pagar ao ora réu uma indemnização de € 165.270,15, acrescida de juros.

Enviada a conta de honorários, no valor de € 50.000, acrescida de € 10.500 de IVA, a mulher do réu manteve que pagaria os honorários, na medida em que recebesse parte da indemnização, mas o réu recusou pagar qualquer quantia, argumentando beneficiar de patrocínio judiciário.

Os autores exerceram o patrocínio, não por terem sido nomeados, mas porque o réu lhes conferiu mandato forense para tanto. De resto, jamais assinaram qualquer documento de aceitação do patrocínio judiciário que ignoravam que tivesse sido solicitado.

Concluíram pelo pedido de condenação do réu no pagamento dos honorários reclamados (€ 50.000,00, acrescidos de IVA, no montante de € 10.500,00) – salvo se, entretanto, for definitivamente fixado, por acordo ou judicialmente, entre o réu e sua mulher, que esta terá direito a determinada percentagem na indemnização, pois, em tal caso, e na mesma percentagem, competirá àquela pagar os honorários –, acrescidos de juros moratórios e compensatórios, à máxima taxa legal, a partir da citação.

Regularmente citado, o réu contestou deste modo: Não se recorda de ter outorgado a procuração, cuja assinatura impugna.

Jamais contratou os autores, que actuaram a coberto do patrocínio judiciário concedido.

Sendo o autor, B...., o patrono escolhido no âmbito do patrocínio judiciário, só com abuso do direito pode a autora, Dr.ª A..., reclamar os mesmos honorários, a pretexto da procuração ser conjunta.

Ainda que assim não fosse, sempre seria excessivo o montante dos honorários reclamados.

No despacho sanador, foram declaradas a validade e a regularidade da lide. A selecção da matéria de facto (factos assentes e base instrutória) foi objecto de reclamação de ambas as partes, qualquer delas sem êxito.

Realizado o julgamento e fixados, sem reparo, os factos a atender, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 8.250,00, absolvendo-o do demais peticionado pela mesma e de tudo o que lhe foi pedido pelo autor.

Inconformados, tanto os autores como o réu interpuseram recurso, mas o deste foi julgado deserto, por falta de alegação.

Os autores alegaram e formularam mais de duas dezenas de conclusões, que se podem resumir, sem problema algum, nas nove seguintes: 1) A fundamentação das respostas aos pontos de facto da base instrutória deve ser efectuada ponto por ponto, sem prejuízo de se englobarem numa justificação única vários factos correlacionados, e nunca em globo.

2) O depoimento de uma testemunha não pode ser aceite para uns factos e desvalorizado para outros, como sucedeu com o da testemunha E...; ou se aceita no seu todo, ou não se aceita.

3) Inaceitável é, igualmente, a dicotomia entre testemunhas boas e más, sendo boas as do réu e más as dos autores.

4) A decisão de facto moldada nestes parâmetros padece do vício de falta de fundamentação, o que acarreta a nulidade do julgado, nos termos do artigo 668.º, alínea b), do CPC.

5) Tais postura e vício repercutiram-se nas respostas aos quesitos 2, 3, 4 e 5, que deveriam ter sido afirmativas.

6) De resto, os factos do quesito 4 são notórios e os do quesito 5 resultam, também, dos documentos juntos pelo Conselho Distrital da Ordem dos Advogados.

7) Por se revestirem de interesse para a discussão da causa, o facto constante do artigo 9 deveria ter sido levado aos factos assentes, enquanto que os factos dos artigos 8, 30 e 31 deveriam ter sido incluídos na base instrutória, podendo, mesmo, o último ser considerado assente.

8) Foi violado o artigo 511.º do CPC.

9) Ao pretender convencer o tribunal de que o patrocínio de ambos os autores foi no âmbito do apoio judiciário, o réu litigou de má fé.

Requereram, a final, que.

  1. Se ampliasse a matéria de facto, nos termos expostos; b) Se anulasse o julgamento na sua totalidade, por falta de fundamentação; c) A não se entender assim, se dessem por provados os quesitos 1.º a 5.º e se julgasse a acção procedente, com a condenação do réu no pagamento aos autores da importância peticionada; d) Se condenasse o réu em multa e indemnização por ter litigado de má fé.

    O réu apresentou resposta à alegação dos autores, que concluiu assim: 1) Não existindo registo da prova produzida, não pode ser alterada a decisão de facto, que, a acontecer, constituiria uma violação do princípio da oralidade e imediação; 2) Não configura nulidade da sentença a interpretação da prova de forma diferente da pretendida pelos autores; 3) Os apelantes confundem fundamentação das respostas aos quesitos com motivação da sentença; 4) A sentença está irrepreensivelmente fundamentada; 5) A conta de honorários não constitui facto notório; 6) Não podem ser valorados meios de prova que não foram juntos aos autos; 7) A decisão não merece reparo, pelo que o recurso deve improceder.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    Conforme o que resulta das conclusões da alegação de recurso, são estas as questões a resolver:

  2. A nulidade do julgamento, por falta de fundamentação; b) A ampliação da matéria de facto; c) A alteração da matéria de facto; d) O montante dos honorários; e) A litigância de má fé.

    II. Na sentença foram dados por provados os seguintes factos:

    1. Os autores exercem, ambos, a actividade profissional de advogado, sendo titulares, respectivamente, da cédula profissional 4045C e 985C.

    2. A 24 de Junho de 2000, o réu sofreu um acidente de viação, quando transitava, de moto, na Avenida da Bélgica, na cidade de Viseu.

    3. Por causa desse acidente, o réu sofreu politraumatismos e ficou em estado de coma.

    4. O réu teve internamentos hospitalares durante vários meses.

    5. No âmbito da acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, com o n.º 309/2001, que correu seus termos neste tribunal, a que se encontram apensos os presentes autos e em que eram partes o aqui réu, C...., e ré a Companhia de Seguros D...

      , destinada a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu decisão, condenando aquela ré no pagamento ao aí autor da indemnização de € 165.270,15, acrescida de juros moratórios legais sobre a quantia de € 162.666,99, desde a data da sentença e sobre a quantia de € 2.603,16 (correspondente a 50% dos danos por despesas não actualizados) a contar da citação, conforme acórdão junto aos supra identificados autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido.

    6. Nessa acção, os autores exerceram o patrocínio do réu, outorgando-lhes este procuração forense, datada de 7 de Maio de 2001, nos termos constantes de fls. 17 do processo acima referido, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

    7. Por decisão do Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Viseu, datada de 19/03/2001, foi concedido ao aqui réu, autor na acção acima referida, apoio judiciário, com a finalidade de instaurar acção de indemnização por acidente de viação, nas modalidades de pagamento de honorários a patrono escolhido, dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos demais encargos do processo (fls.16 do processo n.º 309/2001, que se dá aqui por integralmente reproduzido).

    8. O patrono escolhido no âmbito daquela modalidade de apoio judiciário foi o aqui autor, Sr. B...., com domicílio profissional em Viseu, conforme decisão do Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Viseu, datada de 19/03/2001, comunicada ao Ex.mo Sr. Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra.

    9. Por carta de 22 de Maio de 2007, remetida ao réu e a sua mulher, E...

      , os autores apresentaram nota de honorários, com o valor de € 60.500,00, com IVA incluído, relativos ao patrocínio exercido no...

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