Acórdão nº 642/04.5TBSEI.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR. FALCÃO DE MAGALHÃES
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTºS 165º E 500º, NºS 1 E 2, DO C. CIV..

Sumário: I – De harmonia com o disposto no artº 165º do C. Civ., “as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários”.

II – O comitente deve ser responsabilizado pelos factos ilícitos do comissário que tenham com as funções deste uma conexão adequada, aplicando aqui, num problema de responsabilidade pelo risco, a teoria da causalidade adequada.

III – Assim, sempre que as funções do comissário, segundo um critério de experiência, favoreçam ou aumentem o perigo da verificação de certo dano, deverá o comitente arcar com a respectiva responsabilidade.

IV – Por outras palavras, deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto.

V – O comitente deve ser responsabilizado pelos factos ilícitos do comissário que tenham com as funções deste uma conexão adequada (segundo um critério de experiência).

VI – Quando assim aconteça e se verifique o pressuposto da responsabilidade do próprio comissário quanto à obrigação de indemnizar o autor, dado o comportamento doloso que violou o direito de outrem, tem de se aceitar que estão preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil do comitente, nos termos dos artºs 483º, nº 1, e 500º, nº 1, do C. Civ., conjugados com o artº 165º do mesmo diploma.

VII - A obrigação de indemnizar tem como escopo a reconstituição da situação que existia se não se tivesse verificado o evento que obrigou à reparação (artº 562ºCC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - A) - A... e B..., intentaram, em 28/10/2004, no Tribunal Judicial da Comarca de Seia, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra o C... (ao qual veio a suceder, na sequência de operação de fusão, o D...), pedindo a condenação do réu a pagar-lhes quantia de € 1.892.315,42, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação e até integral “liquidação”.

Alegaram para o efeito, em síntese, que: - Os seus pais, que procedem habitualmente ao investimento financeiro do dinheiro que vão amealhando, numa das suas deslocações à agência de Seia do C... foram informados da existência de um produto financeiro que oferecia taxas de juros aliciantes, sendo o dinheiro investido através da sucursal do Banco Réu em Londres; - Assim, entre Julho de 1993 e Fevereiro de 2001, os pais dos AA. fizeram dez aplicações financeiras (a última com vencimento em 01/02/2004), com taxas de juros variáveis, revertendo o valor dos referidos juros para os AA.; - Dessas 10 aplicações, as primeiras 3 foram bem sucedidas, tendo sido creditados a favor dos pais dos AA. capital e juros remuneratórios nas respectivas datas de vencimento; - Quanto às restantes 7 aplicações, em Setembro de 2003 os pais dos AA. foram informados pelo Réu de que o seu gerente do balcão de Seia teria cometido actos ilícitos no exercício da sua profissão, tendo os representantes do Réu pedido àqueles que reunissem todos os documentos que possuíam relativamente a tais 7 aplicações, uma vez que as mesmas nunca tinham sido concretizadas junto da sucursal do Banco em Londres ou qualquer outro lugar e que o aludido gerente se havia apropriado das quantias entregues, quer pelos pais dos AA., quer por outros clientes.

- O Réu devolveu todo o capital que os AA. haviam investido, mas decidiu não devolver os juros convencionados.

- Caso as aplicações 4 a 10 se tivessem vencido nas datas convencionadas, os AA. teriam obtido um ganho global de 379.375.180$86 / € 1.892.315,42.

Contestando, sustentou o Réu, em síntese, que: - Os seus serviços, em Setembro de 2003, detectaram um conjunto de irregularidades e de ilícitos praticados pelo seu funcionário E..., à data a desempenhar as funções de director na agência de Seia, que, com a promessa de taxas de juro elevadas, convenceu diversos clientes do C... a constituírem supostas aplicações nas sucursais do C... em Londres e Luxemburgo, utilizando em seu proveito os montantes entregues, e forjando documentos com o nome do C...; - Apenas sabe que os pais dos AA. entregaram, por intermédio do E..., ao C... a importância de 475.000.000$00, que já devolveu, mas desconhece se foram acordadas taxas de juro e, a terem-no sido, quais em concreto, impugnado toda a matéria da PI relacionada com tais acordos e documentos apresentados; - As taxas juros alegadamente prometidas são desajustadas às praticadas no mercado, e não existiam nem na sucursal de Londres, Luxemburgo ou em Portugal, nem na banca em geral, nem na agência do C... em Londres havia aplicações a mais de um ano.

Concluiu, defendendo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Replicando, os AA. mantiveram, no essencial, quanto à factualidade alegada, o já afirmado na petição inicial, concluindo como nesse articulado haviam feito.

Foi proferido despacho saneador, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto assente e à elaboração da base instrutória, com posterior reclamação do Réu que veio a ser atendida parcialmente.

Efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 21 de Janeiro de 2007, que, na parcial procedência da acção, condenou o Réu a pagar aos AA. A... e B..., a quantia de € 555.283,32, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Inconformadas com tal sentença, dela apelaram ambas as partes, tendo esta Relação, por Acórdão de 30/10/2007, anulando a resposta ao quesito 49º, bem assim como o julgamento (na parte afectada) e, consequentemente, a sentença, determinado a realização de julgamento para produção de prova sobre os factos abrangidos pelo aludido quesito 49°, salvaguardando a possibilidade de o tribunal “a quo” ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições na decisão.

Deste Acórdão pediu o réu, sem êxito, a respectiva reforma.

B) - Volvendo os autos à 1.ª Instância e aí tendo seguido os seus ulteriores termos em cumprimento do decidido no referido Acórdão de 30/10/2007, procedeu-se à determinada audiência de julgamento, proferindo-se, a anteceder a decisão sobre a matéria de facto, o despacho de fls. 940, em que se decidiu que a factualidade objecto de reapreciação seria ampliada aos factos inquiridos nos quesitos 46º, 47º e 48º.

No despacho de 29/07/2008 (fls. 951 a 952), além de se ter decidido quais os quesitos que se tinham por provados, determinou-se, ainda, que a alínea E) dos factos assentes passasse a ter a seguinte redacção: “Nesse acordo, AA. e Banco R. consignaram que o capital aplicado ascendia a 2.369.290,00 euros, quantia que o Banco entregou aos AA.”.

A sentença, que veio a ser proferida em 28/10/2008 (fls. 956 e ss.), julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu “D...”, a pagar aos AA. A... e B... a quantia de € 555.283,32, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Inconformados com tal sentença, desta recorreram AA. e Réu, tendo os respectivos recursos sido recebidos como apelações, com efeito devolutivo (fls. 1006).

C) - Os AA., a findar as respectivas e doutas alegações de recurso, formularam as seguintes conclusões: […] Defendendo a revogação da sentença impugnada, terminaram requerendo que, em lugar desta, fosse proferida decisão que, reconhecendo a existência dos seis contratos firmados entre AA e o Banco Réu, se condenasse este “no seu integral e escrupuloso cumprimento, como ab initio peticionado…”.

D) - O Réu, por sua vez, terminou as doutas alegações da sua Apelação, com as seguintes conclusões: […] Terminou pugnando pela revogação da sentença recorrida, substituindo-se esta por decisão que o absolva do pedido.

Corridos os “vistos” e nada a isso obstando, cumpre decidir.

E) - Questões a resolver: Em face do disposto nos art.ºs 684, nº 3 e 4, 690, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2, “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

As questões que se colocam, traduzem-se em saber:

  1. Se a sentença ora recorrida enferma de nulidade: - Devido a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos (alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC); - Por ocorrer omissão de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC); - Por condenar em objecto diverso do pedido (alínea e), n.º 1, do art.º 668.º, do CPC).

  2. Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, ou seja, se, atenta a factualidade provada e as normas legais aplicáveis, revela desacerto a condenação proferida pelo Tribunal “a quo” e, em caso afirmativo, se a acção deve proceder na íntegra, ou se, ao invés, deve ser julgada improcedente, absolvendo-se o réu do pedido.

II - A) - Na sentença da 1.ª Instância foi considerada como factualidade provada, a seguinte matéria: […] B) - 1 - Nulidades de sentença: - Oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos (alínea c) do n.º...

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