Acórdão nº 862/09.6TBFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelMARTINS SIMÃO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário: 1 – A lei não presume o perigo de fuga, exige que esse perigo seja concreto, o que significa que não basta a mera probabilidade da existência de tal perigo deduzida de abstractas e genéricas presunções, v. g., da gravidade do crime, mas que deve fundamentar-se sobre elementos de facto ocorridos, que indiciem concretamente aquele perigo. Havendo nos autos indícios de que o arguido, no dia a seguir aos factos, fugiu para Inglaterra e só regressou a Portugal devido à sua captura, através do mandado de detenção europeu, é de concluir que existe um real perigo de que o arguido, uma vez em liberdade, se subtraia à acção da justiça.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. – Nos autos com o número acima mencionado, que corre termos no 1º juízo Criminal de Faro, o Mmo. Juiz determinou por despacho de 27 de Maio de 2009, que o arguido H.P., id. a fls.430, aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, por haver fortes indícios da prática por este, de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1 e 2, al. b), 204º, nº 2, al. f) e nº 4 e 202 al. c) do C..Penal, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, als. e), f) e g) do C. Penal, por se verificar o perigo de fuga a que alude a alíneas a) do art. 204º do CPPenal e por ser a única medida de coacção adequada, suficiente e proporcional, à sanção de previsivelmente lhe será aplicada.

Inconformado, o arguido interpôs recurso deste despacho, tendo concluído do seguinte modo: “1º- O arguido ora recorrente não praticou a factualidade objecto dos autos, presumindo-se inocente, nem tendo que comprovar a sua inocência, inexistindo que seguros e concretos indícios poderão existir para sustentarem a aplicação e manutenção da última e mais gravosa medida de coacção.

  1. - O arguido ora recorrente não praticou, factualidade da natureza que é objecto dos autos, continuando a questionar-se de que factos, em concreto, são indiciados de terem praticado.

  2. - Está inocente, presumindo-se, de direito, inocente, não lhe sendo exigível que comprove a sua inocência, embora tudo, sempre, tenha tentado nesse sentido, nenhum indício se verificando quanto a eventuais receios de verificação de algum dos pressupostos do art. 204º do C.P.P., sendo certo que sempre se mantiveram à disposição da justiça, e não pretende furtar-se à acção da justiça.

  3. - Desconhece que fortes indícios, concretos e seguros, poderão existir contra si, e que sejam capazes de sustentar a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, geradora de fuga ou perigo de fuga, só aplicável em circunstâncias especiais, que se não verificam, na perspectiva do ora recorrente, com a devida vénia por diverso entendimento.

  4. - A prisão preventiva é uma medida de coacção de natureza residual e carácter subsidiário, só aplicável em casos em que, concretamente, se revelam desadequadas todas as demais e não privativas da liberdade medidas de coacção.

  5. - Faltando a elevada probabilidade de envolvimento na factualidade imputada ao recorrente, é excessiva, desadequada e desproporcional a aplicação da medida de prisão preventiva residual e subsidiária, só aplicável quando, concretamente, se mostrarem insuficientes todas as demais medidas de coacção não detentivas.

  6. - A prisão preventiva, que é a última admissível, e só quando, em concreto, se revelarem insuficientes as demais medidas não detentivas, é, no caso presente, excessiva, por desproporcional e desadequada, face aos indícios, que, desconhecendo-se da matéria fáctica indiciariamente praticada pelo ora recorrente, nunca, face à inocência do arguido, poderão ser minimamente consistentes, razão por que tal medida de coacção não deverá ser mantida.

  7. - Sabe o arguido ora recorrente que o princípio “in dúbio pro reo” só terá aplicação em sede de produção de prova e decisão de condenar ou absolver. Porém, sempre haverá que verificar, concretamente, de que factos, e qual a sua gravidade, é o recorrente indiciado, logo se aquilatando da proporcionalidade entre a manutenção da medida de coacção e a mais previsível absolvição que condenação, ou não cumprimento de pena efectiva de prisão, como se afigura ser o caso dos presentes autos, uma vez que já foi dado como provado no âmbito do referido processo judicial, que não foi o autor dos disparos, nem existem indícios seguros sequer que se encontrava no local dos factos.

  8. - É indiscutível que, face à lei, o ora recorrente se presume inocente, e que tal circunstância não obsta à aplicação da mais grave medida de coacção, bem como o princípio “in dúbio pro reo” só deverá manifestar-se em sede de produção de prova e de decisão de condenar e absolver. Porém, faltando os factos concretos, e considerando a prisão preventiva já suportada, em face da mais previsível absolvição que condenação, deveria o douto Tribunal “ a quo” ter decidido substituir a medida de coacção ao ora recorrente.

  9. - Além disso, não se encontram preenchidos, nenhum dos requisitos gerais previstos no art. 204º do CPP.

  10. - A prisão preventiva, só é admissível, quando, em concreto, se revelarem insuficientes as demais medidas não detentivas, no caso presente, excessiva, por desproporcional e desadequada, face aos indícios e face à sanção que previsivelmente irá ser aplicada ao recorrente, razão por que tal medida de coacção não deverá ser mantida.

  11. - Pelo que, e concluindo nesta parte, não pode deixar de constatar-se que o douto despacho recorrido, por errada interpretação e aplicação, viola claramente o disposto no art. 202º, nº 1 al. a) do CPP, por fazer funcionar tal preceito prescindindo da base de sustentação que o seu texto e o seu espírito exigem, preceito que, na concreta interpretação que por ele lhe é dada, se têm sempre que considerar feridos de vício de inconstitucionalidade material por violação do princípio da legalidade e da proporcionalidade consagrados, designadamente, no art. 32º, nº 1 e 2, da C.R.P. e também do art. 27º, nº 3, al. b), da mesma Lei Fundamental.

  12. - Tal fuga e/ou perigo de fuga tem sempre que referir-se ou fundamentar-se em actuação do arguido, sob pena de discricionariedade e, no caso vertente, certo é que nenhum concreto é indicado, para além daquele que – como demonstrámos, por isso completamente contrária àquela que lhe é assacada pelo douto despacho recorrido.

  13. - Do que se disse, resulta por demais evidente que todos os indícios recolhidos são claramente insuficientes para imputar ao arguido ora recorrente a prática de qualquer crime concreto, de que resulta pena efectiva de prisão. Isto bastaria, só por si, para revogar a prisão preventiva que lhe foi aplicada e determinar a sua libertação imediata (art. 27º, nº 3, al. b) da CRP e artigos 202º, nº 1 al. a), e 212º, nº 1 als. a) e c), do CPP.

  14. -Mas, mesmo que se entendesse que existiam indícios com algum grau de consistência, ou mesmo que eles eram suficientes para deduzir uma acusação, nunca seriam “fortes”, como exige a lei para a imposição das três medidas de coacção mais graves, entre as quais se conta a prisão preventiva.

  15. - E, note-se, que, de resto, já este conceito pressupõe a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final. A diferença está apenas na maior fragilidade dos elementos considerados, uma vez que resultam de uma actividade não contraditória, sem imediação, nem oralidade.

  16. - Essa maior exigência, de resto, o Tribunal “ a quo” ignorou, bem se justifica já que é muito mais grave sujeitar uma pessoa à prisão preventiva do que deduzir contra ele uma acusação, por muito relevante e pernicioso que isso mesmo possa ser.

  17. - No caso concreto, o perigo previsto na alínea a) e na parte final da alínea c) do art. 204º do CPPenal, ou seja, o perigo de fuga, o Tribunal recorrido interpretou essa expressão, se bem vemos as coisas, como perigo de “eximir à acção da justiça” e a medida de coacção que em função dele é imposta como reacção provisória e dissuasora, como finalidade exemplar.

  18. - Tal interpretação do Tribunal “a quo”, não pode ser aceite depois da entrada em vigor, em 1976 da CRP que, no seu art. 32º, nº 2 consagra o princípio da presunção de inocência, em todas as suas dimensões, ou seja, enquanto regra de julgamento, regra de prova e regra de tratamento ao arguido ao longo do processo.

  19. - Com tal sentido seria sempre uma disposição inconstitucional, porque se traduziria na aplicação provisória...

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