Acórdão nº 144/07.8TBFVN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDR.ª CECÍLIA AGANTE
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTºS 1817º, Nº 1, 1826º, Nº 1, 1839º E 1842º, Nº 1, AL. A), DO C.CIV.

Sumário: I – No nosso ordenamento jurídico, no estabelecimento da paternidade, vigora a presunção pater is est quem nuptiae demonstrant, exigindo o casamento dos progenitores, o nascimento ou a concepção na constância do matrimónio, a maternidade da mulher e a paternidade do marido (artº 1826º, nº 1, C.Civ.).

II – Paternidade presumida que constará obrigatoriamente do registo de nascimento do filho, salvo se a mãe ou o marido declararem que o pai não é o marido da mãe (artº 1835º, nº 1, C.Civ.).

III – A paternidade pode, no entanto, ser afastada pelo marido da mãe, por esta, pelo filho ou pelo Ministério Público, provando-se que, em função das circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é altamente improvável (artº 1839º C. Civ.).

IV – Até à entrada em vigor da Lei nº 14/2009, de 1/04 (que alterou o prazo para três anos), o presumido pai estava legitimado a instaurar a acção de impugnação da paternidade dentro do prazo de dois anos contados desde a data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade (artº 1842º, nº 1, al. a), C. Civ.).

V – O Tribunal Constitucional já afastou a inconstitucionalidade da al. a) do artº 1842º do C. Civ. – Acórdãos nºs 473/07 e 589/07, de 28/11/2007.

VI – Ao autor cabe alegar todas as circunstâncias reveladoras de que a paternidade do marido da mãe é improvável e aos demandados os factos que impeçam, modifiquem ou extingam essa pretensão, como seja a caducidade do direito do autor.

Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório A...

, divorciado, residente na ....., com apoio judiciário, demanda, nesta acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo ordinário, B...

, divorciada, residente no ....., e C...

, sua filha e consigo residente, pedindo a declaração de que não é pai da menor C...e consequente cancelamento no respectivo assento de nascimento da menção de paternidade que lhe é atribuída.

Alega que a menor nasceu em 16 de Fevereiro de 1997 e, sendo casado com a sua mãe, a ré B...., está a mesma registada como sua filha. Facto que não corresponde à realidade biológica, por se ter separado da ré B.... em Março/Abril de 1996 e, desde então, não mais mantiveram entre si qualquer relacionamento sexual. Ambos eram toxicodependentes, sem qualquer profissão ou rendimentos, e a ré B...., para assegurar o consumo de estupefacientes, mantinha relações sexuais com outros homens.

Citadas as rés, contesta a demandada B.... com a invocação da caducidade do direito do autor a impugnar a paternidade, por há muito ter decorrido o prazo de dois anos fixado no artigo 1842º, 1, do Código Civil. O autor teve conhecimento do nascimento da menor e já no processo de regulação de poder paternal da menor, n.º .... do Tribunal Judicial da Comarca de ....., invocou não ser o seu pai. Processo que finalizou por sentença de 10 de Julho de 1998, transitada em julgado. Impugna a restante factualidade articulada na petição inicial.

Na réplica o autor responde à matéria da excepção, defendendo a sua improcedência face à inconstitucionalidade da norma, já declarada com força obrigatória geral no correspondente dispositivo da acção de investigação de paternidade, ínsito ao artigo 1817º, 1, ex vi artigo 1873º, ambos do Código Civil.

Determinada oficiosamente a junção do articulado inicial da oposição à execução por alimentos devidos à menor C....., instaurada contra o agora autor, vem a ré B... alegar ter o mesmo pago algumas das prestações alimentares no montante mensal, à época, de 10.000$00, e juntar os correspectivos recibos. No despacho saneador é declarada a procedência da excepção de caducidade arguida pela ré B..., com a consequente absolvição das demandadas do pedido. Defende o saneador sentença recorrido que, sopesados o direito à identidade pessoal do presumido pai e do próprio filho, este não pode ficar permanentemente sob “condição resolutiva” e, consequentemente, afasta da acção de impugnação de paternidade os fundamentos da declarada inconstitucionalidade da caducidade prevista para a acção de investigação de paternidade (artigo 1817º, 1, ex vi artigo 1873º, ambos do Código Civil).

É esta decisão que o apelante impugna, formulando as seguintes conclusões: a) a lei estabelece uma presunção de paternidade (presume-se que o filho nascido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido).

b) a presunção pode ser elidida quando existam sérias dúvidas sobre a paternidade do marido da mãe.

c) a sentença proferida pelo tribunal a quo, ao não permitir a possibilidade de ser realizada a prova biológica de paternidade (pois não chegou à fase de produção de prova), decidindo sobre matéria de excepção em sede de saneador e absolvendo as rés do pedido, negou o direito de ilidir a presunção de paternidade.

d) a sentença violou, assim, os artigos 1801° e 1826º, e), do Código Civil.

e) a sentença a quo julgou com base numa norma inconstitucional.

f) a sentença a quo violou a alínea a) do n.º 1 do artigo 1842º do C. Civil, quando a conforma no sentido de a mesma ter jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que não distingue entre as situações de investigação e de impugnação de paternidade.

g) a sentença a quo viola o direito à identidade, direito fundamental previsto nos artigos 25° e 26° da Constituição da República Portuguesa.

h) o direito da acção de impugnação e paternidade não caducou por força da norma aplicada na decisão sob recurso em virtude de a interpretação que lhe foi dada ser inconstitucional, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade.

i) o direito à identidade é um direito fundamental, de aplicação directa (cfr. artigo 18° da CRP) e, como direito fundamental da pessoa, prevalece sobre os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento da filiação, pelo que a sentença em crise deve ser revogada.

A ré B... contra-alega e pugna pela confirmação da decisão recorrida, alegando que o juízo de inconstitucionalidade estabelecido para o n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil, no tocante ao prazo de caducidade da acção de investigação de paternidade, não se aplica à impugnação de paternidade, desde logo pela diferença de grau apontada para as duas acções pelo Tribunal Constitucional. Na delimitação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 684º, 690º e 713º, 2, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto, a controvérsia que incumbe decidir centra-se no prazo de caducidade do direito de acção à impugnação de paternidade, sua aplicação ao caso concreto e inconstitucionalidade do artigo 1842º, 1, a), do Código Civil.

* II. Fundamentação de Facto (factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso e documentalmente provados): 1. A.... e B.... casaram um com o outro em 05 de Maio de 1994 (doc. fls. 129).

2. C... nasceu no dia 16 de Fevereiro de 1997 (doc. fls. 126).

3. Consta do assento de nascimento da menor C...que é filha de A.... e B... (doc. fls. 126).

4. O casamento de A.... eB.... foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 29 de Março de 2001, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca da ..., transitada em julgado em 26 de Abril de 2001 (doc. fls. 129).

5. Nos autos de regulação de poder paternal relativos à menor C....., cuja sentença data de 10 de Julho de 1998, transitada em julgado, está exarado o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT