Acórdão nº 982/07.1TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA.

Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO - LIVRO 815 - FLS 25.

Área Temática: .

Sumário: I – No âmbito da aplicação da CMR, demonstrada a demora na entrega da mercadoria, presume-se que o transportador agiu com culpa (art. 17º, nº1).

II – O transportador só não será responsabilizado se elidir aquela presunção, provando que a demora teve por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta do transportador, um vício próprio da mercadoria, ou circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar (art. 17º, º2).

III – O nº5 do art. 23º da CMR acolhe um desvio limitativo do princípio de direito comum em matéria de responsabilidade, que é o da reparação integral dos danos, ao prever, em caso de demora na entrega da mercadoria, uma responsabilidade limitada correspondente a uma indemnização que não pode ultrapassar o preço do transporte, desde que esteja provada a existência de prejuízo.

IV – Só se o dano provier de dolo do transportador ou de falta que lhe seja imputável; neste caso, se, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, tal falta for considerada equivalente ao dolo, não poderá aquele aproveitar-se da referida limitação da sua responsabilidade (art. 29º, nº1).

V – O ónus da prova da existência de dolo ou de falta equivalente imputável ao transportador é do interessado expedidor.

VI – Para o efeito da aplicação do referido nº1 do art. 29º, o sistema jurídico privado português não equipara nenhuma situação de negligência ao dolo, ainda que de negligência grave ou grosseira se trate e, por maioria de razão, quando o grau de culpa não vai além da negligência consciente.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 982/07.1TVPRT.P1 – 3ª Secção (Apelação) Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Teixeira Ribeiro Adj. Desemb. Pinto de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

“B………., LDA ”, com sede na Rua ………, …, ……, ….-… Lisboa, intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra “C………., LDA. ”, com sede no Porto, alegando, no essencial que, tendo celebrado com ela um contrato de transporte internacional de mercadorias (para calçado), da ………. para dois determinados clientes, na Alemanha, a demandada não cumpriu esse negócio no prazo previsto, e quando fez o transporte a mercadoria foi recusada e não foi paga por não ser já susceptível de comercialização.

Como consequência desse incumprimento, a A. pretende que a R. a indemnize pelo valor da mercadoria objecto do transporte (e de duas facturas) e pela perda de novas encomendas daqueles e de outros clientes.

Assim, pediu a condenação da R. a pagar-lhe: «a) a título de indemnização pelos prejuízos por ela sofridos, a quantia de Eur. 19.189,98, à qual deve acrescer os juros à taxa de 5%, desde a data da reclamação escrita endereçada à D., ou seja 11/07/2006, que até à data de 25/06/2007 se computam em Eur. 917,43, nos termos dos art. 17°, nºs 1 e 3, 23°, n.° 5, 29° e 27° da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte de Mercadorias por Estrada celebrada em Genebra em 19/5/1956, aprovada para adesão pelo Decreto-Lei 46.235, de 18/03/65, e alterada pelo Protocolo de Genebra de 05/07/78, aprovado para adesão pelo Decreto-Lei 28/88, de 06/09; b) além dos lucros cessantes que vierem a apurar-se em execução de sentença, com juros, contados desde a citação até integral pagamento; c) bem como as custas e condigna procuradoria.» Regularmente citada, a R. contestou impugnando parcialmente os factos e deduzindo reconvenção.

Na contestação, a R. negou a existência de um prazo para a entrega da mercadoria, recorrendo ao que chamou de prazo normal de 15 a 20 dias que cumpriu, através do seu agente, acrescentando que foram os clientes da A. que não aceitaram os sapatos.

E quando, posteriormente, a A. autorizou a entrega livre da mercadoria ao seu agente na Alemanha, com novas condições, também não foi possível fazê-la por o seu agente ter então invocado que os clientes finais já não estariam interessados em tais produtos.

Acrescentou que agiu com a diligência e o zelo que lhe eram exigíveis, sem qualquer falha operacional e que a situação teve origem em falha do próprio interessado (recusa inicial de recebimento por parte dos destinatários) ou em circunstâncias que o transportador não poderia evitar e a cujas consequências não dominava.

Invocou ainda a prescrição do crédito da A. nos termos do art.º 32º da CMR.

E, por via da reconvenção, pediu a condenação da A. a pagar-lhe determinados serviços de transportes anteriores e facturados que discriminou, pelo montante total de € 10.047,89 sobre o qual incidem juros de mora, num total, à data da reconvenção, de € 11.888,96 (€ 10.047,89 + € 1.841,47).

Caso a R., por mera hipótese, venha a ser condenada em alguma quantia, deve operar-se a compensação com o crédito que tem sobre a demandante, acrescentou.

E terminou no sentido de: «a) A excepção de prescrição invocada ser declarada procedente, e a R. absolvida do pedido, a acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e a R. absolvida do pedido; b) Se assim não se entender, deverá a acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e a R. absolvida do pedido; c) Se assim não se entender deve ser julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional e, consequentemente, ser a Autora condenada a pagar à R. a quantia de € 11.888,96.» Notificada, a A. reconvinda replicou opondo-se à excepção da prescrição.

Quanto à matéria da reconvenção, embora reconhecendo o valor pretendido, entende que não o tinha que pagar porque a A. pretendia ser indemnizada pelos prejuízos por ela sofridos, objecto da presente acção. Como tal invocou a excepção do não cumprimento do contrato.

Defendeu a improcedência da excepção e a inadmissibilidade da reconvenção, mantendo a versão da petição inicial.

*Teve lugar a audiência de julgamento, na sequência da qual, respondida que foi a matéria da base instrutória, foi proferida sentença que julgou: - parcialmente procedente a acção e condenou a R. a pagar à Autora a quantia, a liquidar em execução de sentença, equivalente ao preço acordado no âmbito do contrato de transporte a que se reportam os autos, acrescida de juros de mora, à taxa de 5%, ao ano, desde a decisão definitiva de liquidação do crédito da Autora até integral pagamento.

- parcialmente procedente a reconvenção e condenou a Autora “B………, Lda.” a pagar à R. “C………., Lda.” a quantia de € 11.888,96.

Mais determinou que a compensação entre os acima referidos créditos da R. e da A. deverá ser efectuada em posterior liquidação de sentença, atenta a natureza ilíquida do crédito desta última.

Da sentença recorreu apenas a A. “B………., L.da”, formulando as seguintes conclusões: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… Respondeu a recorrida em contra-alegações que, por ter formulado também conclusões, se transcrevem, ipsis verbis: ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… *Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.

As questões a decidir.

No intróito das suas alegações de recurso a recorrente refere expressamente o seguinte: “Assim, salvo melhor opinião e em nosso modesto entendimento, a solução encontrada não está em conformidade com a factualidade que ao caso respeita, entendendo a recorrente ter havido uma incorrecta decisão sobre a matéria de facto que, por isso, pretende impugnar.” Mas, percorrendo todas as suas alegações e conclusões de recurso não se vislumbra qualquer discordância relativamente à matéria que foi dada como assente na 1ª instância e, designadamente, na sequência da discussão da...

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