Acórdão nº 2721/07-1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

N Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: DETERMINADO O REENVIO Sumário: 1. O princípio da investigação oficiosa não só está limitado pela própria lei, como condicionado pelo princípio da necessidade (e também pelos da conveniência ou da utilidade), uma vez que apenas os meios de prova cujo conhecimento se antolhe indispensável para habilitar o julgador a uma decisão devem ser produzidos por determinação daquele tribunal, quer oficiosamente, quer a requerimento das partes.

  1. A motivação do requerimento de prova ao abrigo do art. 340.º do CPP deverá evidenciar - sob pena de rejeição - os pressupostos de que depende a autorização de nova produção de prova, ou seja, a sua admissibilidade legal (princípio da legalidade), a sua adequação ao objecto da prova (princípio da adequação), a sua viabilidade (princípio da obtenibilidade) e a sua necessidade para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (princípio da necessidade).

  2. A violação das regras da competência territorial do tribunal não constitui nulidade insanável e só pode ser deduzida e declarada até ao início da audiência de julgamento.

  3. Nos termos do art. 430.º do CPP, a renovação da prova só é admissível quando a Relação conhece de facto e de direito, dependendo ainda da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: -Ter a prova ficado documentada; - Verificarem-se os vícios previstos no nº2 do art.410º do CPP, não sendo a prova documentada suficiente para os eliminar; - Haver boas razões para acreditar no êxito da renovação, ou seja, que com a renovação da prova podem ser eliminados tais vícios.

    Para além destes requisitos, a pretensão sobre a renovação da prova deve naturalmente ainda ser formulada de acordo com os requisitos impostos nos nºs 2 e 3 do art.412º do CPP.

  4. Se o tribunal recorrido ordenou a junção aos autos do relatório da acção encoberta deveria ter sido consequente em toda a linha esgotando todos os meios ao seu alcance com vista a determinar os contornos da acção encoberta, designadamente quem propôs o negócio a quem, elencando no acórdão os factos que permitam, ou não, concluir que o crime objecto dos autos foi provocado por terceiro ou pelos agentes da PJ, como invocam os recorrentes. O esclarecimento e conhecimento desses factos e situações são fundamentais e imprescindíveis para decidir se houve ou não provocação à prática do crime.

    Esta patologia consubstancia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art.410º, nº2, al.a), do CPP, que é de conhecimento oficioso Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

    No processo comum nº….APTM do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves, os arguidos R.P., J.S., C.D., J.G., J.C., R.F. e M.R., todos devidamente identificados nos autos, foram acusados pelo Ministério Público e posteriormente pronunciados e submetidos a julgamento perante tribunal colectivo, vindo por acórdão proferido em 27-6-2007 a ser decidido, para o que aqui releva, julgar procedente a acusação e consequentemente condenar os arguidos como co-autores materiais de crime de tráfico de estupefacientes agravado, pp. pelos arts.21º e 24º, al. c) do DL nº15/93, de 22 de Janeiro, nas seguintes penas: - O arguido R.P., na pena de doze (12) anos e seis (6) meses de prisão; - O arguido J.S., na pena de doze (12) anos e seis (6) meses de prisão; - O arguido C.D., na pena de dez (10) anos e seis (6) meses de prisão; - O arguido J.G., na pena de dez (10) anos e seis (6) meses de prisão; - O arguido J.C., na pena de oito (8) anos de prisão; - O arguido R.F., na pena de oito (8) anos de prisão; - A arguida M.R. na pena de sete (7) anos de prisão.

    Inconformados com essa condenação dela recorreram todos os arguidos para este Tribunal impugnando a matéria de facto e a medida das penas, subindo simultaneamente um recurso intercalar interposto do indeferimento de um requerimento para audição de testemunhas.

    Por acórdão desta Relação de 12-2-2008, foi rejeitado o recurso intercalar, o mesmo tendo sucedido ao recurso principal, por se ter entendido que, quanto à impugnação da matéria de facto os recorrentes não tinham dado cumprimento ao disposto no art.412º, nº3, als. a), b) e c) e 4 do CPP e, quanto à matéria de direito por ser manifestamente improcedente.

    Irresignados com essa decisão dela recorreram os arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça, que por acórdão prolatado em 5-11-2008 foi concedido provimento parcial aos recursos e consequentemente decidido declarar nulo o acórdão desta Relação, devendo caso seja entendido ter sido omitido o cumprimento dos nºs 3 e 4 do art.412º do CPP convidar os recorrentes para o suprimento dessa omissão, e em qualquer caso, pronunciar-se sobre a relevância do “Relatório Confidencial” apensado aos autos em termos de impugnação da matéria de facto, fixando esta em definitivo e retirando daí as consequências devidas em matéria de direito, ficando prejudicado o conhecimentos das outras questões suscitadas.

    Devolvidos os autos a esta Relação, por despacho do Relator os recorrentes foram convidados a completarem as conclusões de recurso que interpuseram para este Tribunal, por forma a delas constarem as especificações a que aludem os nºs 3 e 4 do art.412º do CPP, tendo apresentado as conclusões que se transcreverão, assim, como as que inicialmente foram formuladas.

    Inicialmente os arguidos/recorrentes apresentaram as seguintes (transcritas) conclusões: 1. Os arguidos mantém o interesse no recurso intercalar sobre o despacho de indeferimento em audiência da requerida inquirição dos inspectores da P J, prescindidos pela Acusação.

  5. Da análise do Relatório Confidencial junto aos autos, descobre-se que, afinal, a droga em questão não foi apreendida na área da comarca de Silves mas sim em alto mar e desembarcada em Lisboa. Portanto a comarca competente para o julgamento seria a de Lisboa. - artigo 20 do C.P.P., com a anulação deste julgamento.

  6. A investigação policial consistiu numa operação a que chamam de encoberta, ao abrigo da lei 101/2001 de 25 de Agosto, o que só se descobriu quase no final da audiência de julgamento.

  7. O relatório confidencial da operação natal foi junto aos autos e passou a fazer parte integrante do processo.

  8. Assim sendo, os factos constantes do relatório confidencial deveriam passar a constar OU dos factos provados OU dos factos não provados. 6. Ao invés, o acórdão recorrido, nos factos provados, limita-se a seguir a Acusação, ficando por se saber o valor que juridicamente é dado a tal documento autentico.

  9. Tal entendimento constitui manifesta OMISSÃO DE PRONÚNCIA, tanto mais que a Defesa batalhou arduamente para conseguir a sua Junção aos autos e nela se fundamentou em alegações para provar os pontos que lhe interessam. 8. No Acórdão recorrido aparece vagamente a menção da operação encoberta com total fuga ao debate em questão sobremaneira delicada.

  10. A lei 101/2001 é omissa quanto ao conteúdo, alcance e limites da acção encoberta e preocupa-se apenas com a protecção dos elementos infiltrados.

  11. Tal não pode servir de capa a todo um estendal enorme de actos praticados pelos tais elementos infiltrados.

  12. Sendo muito ténue o limite entre o agente provocador e o agente infiltrado, os factos que rodearam toda a investigação não podem ser escamoteados ao Julgador.

  13. Sendo a operação encoberta um método altamente invasivo dos cidadãos incumbe ao MP o ónus de provar da legalidade da actuação policial, com o afastamento da eventual provocação ao crime.

  14. Do relatório confidencial, mormente no seu início, retira-se que os contactos entre os colaboradores com os nomes de código RAMALHO E RONALDO e com os suspeitos, não foram testemunhados por ninguém, nem pelos Inspectores da PJ.

  15. A Defesa pede Vénia para duvidar da descrição que os tais colaboradores da PJ- CADASTRADOS- fazem aos Inspectores quanto a esses contactos iniciais.

  16. A P J tem interesse em mostrar serviço, medido pelas quantidades de droga apreendidas, para gáudio da populaça e servindo a promoção dos seus funcionários.

  17. Os colaboradores-CADASTRADOS - tem interesse meramente pecuniário.

  18. A provocação contudo é uma questão que se não esgota nos contactos iniciais.

  19. Com efeito, existem na provocação quando o elemento infiltrado, mesmo que alheio à génese do desígnio criminoso, facilita e comparticipa no crime em extensão tão desproporcionada que acaba por realizar mais de 80 dos actos ilícitos.

  20. No caso vertente, a selecção dos indivíduos a deter é feita pela PJ, estranhamente deixando sair em paz 4 indivíduos dos quais dois são rotulados como os Lideres e sendo um deles também um dos tripulantes da embarcação encoberta.

  21. Nestes autos, acabaram por ser detidos e julgados os meros transportadores terrestres.

  22. Deixam-se fugir os tubarões e prende-se a raia miúda.

  23. No acórdão recorrido pune-se a raia miúda como se fossem os tubarões.

  24. Os arguidos J.G., C.D., J.C., R.F. e M.C. foram referenciados somente no dia 16 de Fevereiro de 2005.

  25. Ora, a droga em questão foi apreendida pela PJ no dia 22 de Janeiro de 2005, ou seja 24 dias antes das capturas.

  26. Foi a PJ quem alugou a embarcação encoberta, recrutou tripulação, foi a alto mar, procedeu ao transbordo da droga, regressou à costa Portuguesa, desembarcou a droga e a armazenou, primeiramente na caixa forte da DCITE de Lisboa e depois no armazém que alugou em Silves, cuja renda pagou, esperando pelos arguidos com os seus veículos, ajudando a carregá-los para depois os interceptar na estrada.

  27. As instruções do narcotraficante eram no sentido de a droga ser transportada para a costa da Galiza, onde seria transbordada para lanchas rápidas, as quais descarregariam nessa costa.

  28. Ora a PJ, por conveniência da investigação, conduziu-a para Lisboa e optou por levá-la para Silves.

  29. Tal divergência contra o que estava combinado demonstra bem que quem tem o domínio do facto é a PJ e não o narcotraficante. Significa também isto que os indivíduos recrutados...

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