Acórdão nº 422/00.7TASXL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução11 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário: 1. As Câmaras Municipais não se podem considerar ofendidas ou especialmente ofendidas quando alguém comete uma infracção sobre matéria integrada na sua competência.

  1. Do disposto nos arts. 483.º, 495.º, n.º2 e 496.º, n.º2, todos do Código Civil, resulta a regra de que a ressarcibilidade dos danos está reservada aos danos directos sofridos pela vítima da conduta do lesante, salvo as excepções fixadas no n.º 2 do art. 495.º referido, aplicável quer em caso de morte da vítima quer em caso de simples lesão corporal não mortal, e salvo o caso de morte da vítima, segundo o previsto na n.º2 do art. 496.º mencionado.

  2. Só tem direito à indemnização por danos não patrimoniais o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com violação de disposição legal, não o terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado. Apenas excepcionalmente a indemnização pode competir também ou caber a terceiros. Assim sucede nos casos versados no art. 496.º do CC (lesão corporal ou lesão que provoca a morte da vítima).

    Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal desta Relação de Évora: I - Relatório Nos autos de processo comum... do 3.º Juízo Criminal da Comarca de Setúbal, mediante acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, por tribunal singular, os arguidos V.P., J.C., T.P., M.C., H.L.

    e M.O.

    , melhor identificados nos autos, sendo imputada aos 4 primeiros arguidos a prática, em co-autoria material, de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.256.º n.º1, alin. b) e n.º3 do C. Penal, com referência ao art. 255.º, alin. a) do mesmo Código, e pelos dois últimos arguidos de um crime de falsificação de documento, p. e p. nos mesmos termos.

    Por acórdão desta Relação de Évora, proferido em 25 de Fevereiro de 2003, foi decidido alterar a qualificação jurídica aos factos objecto acusação, entendendo-se que aos arguidos apenas poderia ser imputada a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º n.º1, alin. b) e n.º3 do Código Penal.

    Por ter falecido o arguido M.O., foi declarado extinto, quanto a ele, o procedimento criminal.

    A Câmara Municipal do … formulou contra os referidos arguidos pedido de indemnização civil impetrando a condenação solidária dos demandados no pagamento de uma indemnização a seu favor, por danos não patrimoniais ou morais, no montante de €4500,00, como melhor consta de fls.503 a 506.

    Efectuado o julgamento, por sentença proferida em 28 de Outubro de 2004, o tribunal decidiu nos seguintes termos: 1 — Condenar o arguido V.P.

    , pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, e 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 4 €, perfazendo o montante de 800 €, subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão.

    2 — Condenar o arguido J.C.

    , pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, e 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5 €, perfazendo o montante de 1.000 €, subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão.

    3 — Condenar a arguida T.P.

    , pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, e 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 3 €, perfazendo o montante de 600 €, subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão.

    4 — Condenar a arguida M.C.

    , pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, e 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 3 €, perfazendo o montante de 600 €, subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão.

    5 — Condenar o arguido H.L.

    , pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 256.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, e 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 3 €, perfazendo o montante de 600 €, subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão.

    6 — Condenar os arguidos V.P., J.C.

    , T.P.

    , M.C.

    e H.L.

    , a pagar à Câmara Municipal do …, solidariamente, indemnização por danos não patrimoniais no montante de 4.500 € (quatro mil e quinhentos euros).

    7 — Declarar extinta a instância quanto a M.O.

    , no que respeita ao pedido de indemnização civil deduzido pela Câmara Municipal do …, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 276.º, n.º 3 e 287.º, alínea e), do Código de Processo Civil.

    Inconformados, os arguidos-demandados vieram interpor recurso da sentença, limitando, contudo, a sua dissidência, à condenação cível, cuja revogação pedem.

    Extraíram da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “ 1.ª - O presente recurso circunscreve-se à parte da douta sentença que condenou os arguidos a indemnizar a Câmara Municipal do …; 2.ª - Os crimes de falsificação de documentos pelos quais os arguidos foram condenados lesaram, é certo, a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório e, eventualmente, os interesses dos outros comproprietários do prédio rústico do qual foram desanexados os ditos lotes através do processo que se iniciou nas escrituras pública; 3.ª - A Câmara Municipal do …não sofreu qualquer dano, uma vez que não ficou demonstrado que os atrasos verificados no processo de reconversão urbanística da AUGI FF-57 tenham tido alguma relação com os factos em causa, porquanto as largas dezenas de AUGI existentes no concelho encontram-se, na sua grande maioria, em fases processuais análogas à da AUGI FF-57; 4.ª - Por outro lado, a AUGI em causa é da "iniciativa dos particulares", não da Câmara Municipal do …, pelo que, só estes, poderiam ser lesados; 5.ª - A Câmara Municipal do … não tem o mínimo de fundamento para o pedido que formulou, invocando prejuízos relativos ao "significativo atraso no recebimento das rendas provenientes das taxas com a emissão dos alvarás do loteamento ou de licença de construção e com a emissão das licenças de utilização para cada edificação...", porquanto, a colher esse raciocínio, teria a C.M…. fundamento legal para agir contra todos os munícipes que, sendo proprietários de terrenos urbanizáveis, os não loteassem, ou donos de lotes de terreno para construção, neles não contruíssem ou, levado o raciocínio mais longe, proprietários de casas com valor patrimonial baixo, as não reconstruíssem de novo para, assim a receita municipal ser maior; 6.ª - Isto é, a colher a fundamentação da C.M….., todos aqueles que, com os seus actos ou omissões, pudessem "atrasar" a concretização das expectativas de receitas futuras da C.M…. deveriam ser judicialmente accionados, o que implicaria o emergir de muitas dezenas de milhares de processos; 7.ª - É absurda a fundamentação do pedido cível da Câmara, por outro lado, uma vez que as "taxas" a que diz ter direito destinam-se a pagar serviços prestados em troca (é essa a natureza jurídica das taxas: paga-se um serviço que é prestado), pelo que, enquanto os mesmos não estiverem concluídos pela própria Câmara, não faz sentido alegar que a mesma tem direito a auferi-las; 8.ª - A Câmara Municipal não determinou, nem o poderia fazer, aliás, por se ter limitado a construir uma ficção, como calculou os seus prejuízos em € 4.500,00; 9.ª - A sentença, obviamente, também enferma desse vício; 10.ª - A Câmara Municipal, por não ter mantido uma qualquer relação material controvertida com os arguidos, uma vez que nenhum deles beliscou um seu direito subjectivo ou interesse legalmente protegido, não tem qualquer direito a ser indemnizada por estes.” O recurso, não obstante ter sido interposto em 8 de Novembro de 2004, apenas veio a ser admitido por despacho de 21de Junho de 2005 (fls.668 e 711). E tal despacho, incompreensivelmente, só em 11 de Julho de 2008 foi notificado aos demais sujeitos processuais (cf. fls.712 a 714).

    Contra motivou apenas o Município do … nos termos constantes de fls.721 a 724, sustentando que deve ser mantida a decisão recorrida, tendo referido, em sede de conclusões o seguinte: 1.ª - Os recorrentes “atacam” a condenação no pedido de indemnização civil com base num errado pressuposto.

    1. - Na realidade, no presente recurso são apenas questionados os danos patrimoniais causados ao ora recorrente, 3.ª - O Município ora recorrido não pediu a condenação dos ora recorrentes no ressarcimento de danos patrimoniais.

    2. - Verifica-se, assim, que improcede absolutamente toda a argumentação e fundamentação ao presente recurso.

    3. - A condenação pelo Tribunal a quo assentou no reconhecimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Município ora recorrido com a conduta dos recorrentes, cujo ressarcimento foi pedido nos autos.

    4. - O pedido de condenação solidária dos recorrentes no pagamento da quantia de € 4,500 (quatro mil e quinhentos euros) assentou nos danos não patrimoniais invocados e que resultaram provados, tratando-se de um montante justo e adequado ao seu ressarcimento.” Os autos foram remetidos a esta instância apenas em 17 de Fevereiro, p.p, e, continuados com vista à Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, esta, não emitindo parecer sobre o fundo da questão, por entender que este é de natureza cível, é do entendimento que os recorrentes deveriam ser notificados para darem cabal cumprimento ao disposto no n.º2 do art. 412.º do CPP, sob pena de rejeição.

      Foi cumprido o disposto no art. 417.º n.º2 do...

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