Acórdão nº 1100/08-1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução11 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO Sumário: 1. Ao tipificar o ilícito de fraude fiscal, o legislador pretendeu tutelar os valores da verdade e da transparência para com o Estado Fisco, tendo em vista a obtenção das receitas fiscais.

  1. o crime de fraude fiscal deve ser qualificado como um crime de resultado cortado, em que o dano patrimonial enquanto tal é estranho ao tipo, mas está a ele associado pela mediação de um especifico elemento subjectivo, pelo que o dano patrimonial, figura como uma referência expressa da intervenção do agente e a produção efectiva de um dano ao património fiscal ou à obtenção de um benefício fiscal ilegítimo, que se configura como indispensável à consumação da infracção.

    Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

    Decisão recorrida.

    No processo de inquérito nº--/07.8IDSTR dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, onde se investiga a prática de crime de fraude fiscal, findo o inquérito o Ministério Público, após ter ouvido a administração tributária, entendendo que relativamente ao crime em causa, de fraude fiscal, previsto no art.103º, nº1, al. a) da Lei nº15/2001, de 15 de Junho (doravante designado pela sigla RGIT), está prevista a dispensa da pena, nos termos das disposições conjugadas dos arts.22º e 44º, nº1 do RGIT e 277º, nº1 do CPP emitiu proposta de arquivamento dos autos.

    Concluído o processo à Exmª Juiza, proferiu despacho em 1-2-2008, operando diversa qualificação jurídica dos factos (entende que o crime indiciado é o crime de fraude fiscal qualificado pp. pelo art.104º, nº2 do RGIT), discordou da proposta de arquivamento do Mº Público, por inadmissibilidade legal.

    Recursos.

    Inconformados com essa decisão, dela interpuseram recurso o Ministério Público e os arguidos C. …SA, A… SGPS, P.F. e L.M., pugnando pela sua revogação e substituição por outra em que seja manifestada a concordância com a sua proposta do Ministério Público.

    O Ministério Público rematou a sua motivação com as seguintes conclusões: 1º. O despacho sob recurso fez errada interpretação dos factos e do direito aplicável, ao considerar preenchido, pelas condutas dos arguidos, o crime de fraude fiscal qualificada pp. pelas disposições conjugadas dos Arts.103.° n°1 (proémio) e 104° n°1 (proémio) e n°.2 do R.G.I.T.

    1. Pois considerou que tais condutas eram idóneas para a arguida “C.…, SA” obtivesse vantagem patrimonial, em prejuízo do Estado em montante superior a € 15.000,00, o que integra a prática de crime de fraude fiscal qualificada prevista no art.104º, nº2 do RGIT.

    2. Para tanto, considerou apenas relevante o montante global em I.V.A. indevidamente restituído à C. no valor de € 448.009,29, oriundo de facturação por serviço inexistente não tendo equacionado o reflexo do montante global da mesma facturação em sede de I.R.C. na "C. S.A." empresa em que foi creditado no valor de € 2.584.775,85, no exercício correspondente.

    3. Porém, com os elementos probatórios indiciários existentes nos autos estava-lhe legalmente vedada tal conclusão pois, para além de não terem sido apuradas as realidades evidenciadas na conclusão anterior, não foi apurada a diferença entre o montante em I.R.C. pago pela " C…" no exercício correspondente à referida facturação total e o montante de I.R.C. que seria devido sem essa facturação, manifestamente inferior por simples regra de experiência comum.

    4. Por isso, o despacho sob recurso violou o princípio constitucional de presunção da inocência dos arguidos contido no art°.32° n°2 da C.R.P., bem como o disposto no art°.280º n°1 do C.P.P., uma vez que a conclusão vertida no mesmo só poderia ser feita se existissem, nos autos, os dados probatórios supra evidenciados pois mantêm-se os restantes pressupostos do arquivamento em caso de dispensa de pena, como resulta do próprio despacho recorrido, dado que não foram, no mesmo, invocados quaisquer fundamentos do contrário.

    5. Com o acervo probatório existente nos autos só pode concluir-se que as condutas dos arguidos são apenas subsumíveis à tipificação do art°.103.° n°1 a)- e c) do R.G.I.T..

    6. Por isso, deve ser proferida decisão que declare nulo o despacho sob recurso e que ordene a sua substituição por outro que defira a proposta de arquivamento dos autos por se tratar de caso de dispensa de pena, nos termos das disposições conjugadas dos arts.22º e 44° n°1 do R.G.I.T., ao abrigo do disposto no art. 277°, n°1 do C.P.P.

    Os recorrentes “C.”, “ A.”, P.F. e L.M. concluíram a sua motivação com a formulação das seguintes conclusões: 1. O despacho em crise indeferiu a proposta de arquivamento dos autos promovida pelo Ministério Público, nos termos do artigo 22° do R.G.I.T. por considerar que, ao contrário do que se sustenta em Inquérito, não está em causa nos autos a imputação aos arguidos de um crime de Fraude Fiscal, p.p. nos termos do artigo 103° do RGIT, mas antes o de Fraude Qualificada, nos termos do n°2 do artigo 104° do mesmo diploma.

  2. Todavia, é convicção dos Recorrentes que estão observadas todas as condições prescritas nos artigo 22° e 44° do RGIT, pelo que é possível, nos termos da conjugação dessas normas com o n°1 do artigo 277° do Código de Processo Penal pugnar-se pelo arquivamento imediato dos autos.

  3. O silogismo jurídico subjacente ao despacho sub judice foi o de que, prevendo este último inciso legal uma moldura penal até 5 anos de prisão, estaria precludida a possibilidade de arquivamento nos termos do artigo 22° do RGIT.

  4. Contudo, o acervo factual indiciário dos autos, conjugado aliás com o princípio estruturante da presunção de inocência do arguido, impunha que não fosse alterada a qualificação jurídica promovida pelo M.P., posto que a conduta dos recorrentes não se subsume a nenhuma das hipóteses da norma incriminadora adoptada na decisão em causa.

  5. Com efeito, o acolhimento das facturas na contabilidade da arguida C. não decorreu de simulação (nem absoluta nem relativa), nem se pode afirmar que a arguida seja alheia à relação subjacente, 6. Já que, a prestação de serviços contratado pela sociedade gestora de participações sociais foi efectivamente realizado pelo preço facturado e tinha como destinatário e principal interessada a sociedade Arguida.

  6. Tratavam-se de serviços prestados pelo emitente à Arguida C,, tendo em vista a avaliação económico-financeira e apoio ao processo negociai de compra de participação no capital social de uma terceira empresa, tendo apenas sucedido que o contrato de assessoria financeira subjacente a essas facturas foi firmado entre sociedade gestora de capital social em que a Arguida se insere e a prestadora de serviços.

  7. A circunstancia das participações terem sido adquiridas pela A. .. e o regime de isenção de IVA associado à emissão das facturas pelo C. BI demonstra que a "factura" não foi o elemento instrumental para a putativa prática do crime de fraude fiscal, o que impede a evocação do art.104°, n°2 RGIT.

  8. Assim, no limite, e em abstracto, dada a relação de grupo e apreciada a conduta dos intervenientes, poderia a situação dos autos subsumir-se à al. g) do n°1 do artigo 104° do RGIT, sendo certo que, por si só, tal não chegaria para a qualificar como fraude qualificada.

  9. Pelo exposto analisados os factos indiciários dos autos e ponderado o enquadramento jurídico em causa, deveria a proposta de arquivamento ter sido aceite pelo Tribunal a quo.

  10. A decisão recorrida violou os artigos 22°, 24° e 103°, 104° do Regime Geral das Infracções Tributárias e, bem assim, o artigo 277° do Código de Processo Penal.

    A C…BI. e J.T. pronunciaram-se no sentido de ser concedido provimento aos recursos e consequentemente revogado o despacho recorrido e substituído por outro que defira o arquivamento dos autos proposto pelo Ministério Público.

    Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto é também de parecer que deve ser concedido provimento aos recursos.

    Observado o disposto no nº2 do art.417º do CPP não foi apresentada resposta.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência Cumpre decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO.

    Com é sobejamente sabido e constitui jurisprudência pacífica, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (art.412º nº1 do CPP).

    Assim, sintetizando as conclusões dos recursos, a única questão que delas emerge, que importa examina e que aqui reclamam solução consistem em saber se a factualidade indiciária é ou não passível de integrar o crime de fraude fiscal, pp. pelo art.104º, nº2 do RGIT.

    Para melhor elucidação desta questão importa, desde logo, que se tenha presente o texto da proposta de arquivamento do Ministério Público e do despacho sob recurso.

    A proposta de...

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