Acórdão nº 533/02.4TAMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelADELINA BARRADAS OLIVEIRA
Data da Resolução09 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: ORDENADO O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 595 - FLS 212.

Área Temática: .

Sumário: I - A avaliação da suficiência de indícios para acusar ou pronunciar deverá ser levada a efeito sob duas perspectivas autónomas: i. uma primeira, sobre a imputação dos factos ao arguido, no sentido de apurar se o mesmo pode ser por eles responsabilizado jurídico-penalmente; ii. uma segunda, sobre a consistência do acervo probatório recolhido e da sua reprodutibilidade em audiência de julgamento, na ideia de que apenas a prova produzida e/ou susceptível de ser valorada na fase de julgamento pode fundar uma decisão de condenação.

II - Se, no momento da acusação ou da pronúncia, a prova indiciária não atinge a força necessária para formar a convicção razoável sobre a futura condenação, não deverá o processo prosseguir pois por certo tal convicção não será alcançada nas fases posteriores conhecida que é a tendência para a atenuação dos indícios existentes.

III - No crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção não se exige, como no crime de burla, um dolo específico, ‘a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, nem o artifício fraudulento ou que a mentira ou a ocultação sejam astuciosos. Basta-se o legislador com declarações não verdadeiras, inexactidões ou omissões sobre factos importantes sobre os requisitos que devem estar reunidos para obter o subsídio.

IV - Os crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e de desvio de subsídio tutelam o mesmo bem jurídico, porém enquanto naquele o agente defrauda, engana, cria uma realidade inexistente para obter o subsídio, no desvio o agente já está de posse do dinheiro e dá-lhe destino diferente, ainda que lícito.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo nº 533/02.4 TAMTS.P1 Relator: - Adelina Barradas de Oliveira Vindos de: - TIC Recorrentes: - MP Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1 – Nos presentes autos em que é arguido B………., veio o MP, interpor recurso do despacho de não pronúncia apresentando as seguintes motivações: O crime de fraude na obtenção de subsídio e o crime de desvio de subsídio têm natureza diversa. O primeiro é “uma espécie de burla” que se consuma com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente da infracção.

Na estrutura do Dec lei 28/84 de 20.1, este crime de fraude precede imediatamente o de desvio de subsídio, podendo este último ser cometido sem que o agente da infracção cometa o crime de fraude na obtenção de subsídio.

O bem jurídico protegido no crime de desvio de subsídio consiste na frustração, pelo agente da infracção, dos fins de política económica pretendidos com a subvenção.

No caso dos autos, tendo sido concedido o subsídio para o arguido constituir uma empresa e nela criar três pontos de trabalho para deficientes ou desempregados, e tendo o arguido recebido a comparticipação financeira de 7.337.200$00 com que adquiriu diversos equipamentos, sem que tenha concretizado e concluído o projecto financiado, existem indícios suficientes para a pronúncia face ao disposto no artº 308º nº 1 CPP, nomeadamente porque o arguido transferiu um deles para um estabelecimento de que era titular, sem relação alguma com o projecto financiado.

O despacho recorrido interpretou e aplicou incorrectamente o artº 37º do Dec-lei 28/84 de 20.1 e, bem assim o artº 308º nº 1 do CPP.

Deve assim ser revogado e substituído por outro que pronuncie o arguido a fim de o processo prosseguir para julgamento.

*O arguido respondeu ao recurso da seguinte forma.

Dos factos apurados na instrução é forçoso concluir que as dúvidas razoáveis quanto à condenação do recorrente existem e em maior grau que as eventuais certezas da sua condenação.

Devendo por isso ser considerado os indícios insuficientes por interpretação à contrário do disposto no artº 283º nº 2 ampliado em sede de instrução por força do nº 2 do artº 308º nº 2 ambos do CPP.

Não se pode dar como provado que tivesse saído “ frustrados todos os objectivos da política económica pretendidos como a concessão de subvenção”.

Pois necessariamente seremos levados a comprovar terem sido efectuados investimentos a que se destinava a verba recebida pelo recorrente.

E que o recorrente não recebeu qualquer valor a titulo de subvenção pela criação de postos de trabalho.

Ao apreciar a conduta das partes envolvidas no contrato de concessão de incentivos em causa nos autos, nos parece claro que não deveria ter sido iniciado o presente procedimento criminal sem ter existido o impulso de resolução unilateral do mesmo, por parte do CCRN.

Por força do exposto decidiu e bem o Sr. Juiz a quo em proferir o competente despacho de não pronúncia, não tendo sido violadas as normas citadas pelo recorrente.

Nos termos e fundamentos, certamente supridos por vossas excelências, em que deve ser negado provimento ao presente recurso sendo consequentemente mantido o douto despacho de não pronuncia proferido, fazendo-se assim neste Tribunal a tão costumada justiça.

Neste Tribunal, a Exmª Procuradora Geral -Adjunta emitiu douto parecer No sentido de que o recurso merece provimento.

* Resulta do douto despacho recorrido o seguinte: Despacho de não pronúncia proferido nos autos de instrução no …/06 (inquérito no o 533/02.4T AMTS).

O arguido B………. veio requerer a abertura da instrução por não se conformar com a acusação formulada pelo Ministério Público que lhe imputa a autoria de um crime de desvio de subsídio previsto e punível pelo artigo 37.°, nº 1, e nº 3, com referência ao artigo 21.° todos do Decreto-Lei nº 28/84, de 20/01.

Alegou o que melhor consta do requerimento de fls. 240 a 256 no sentido da sua não pronúncia.

Não há nulidades ou quaisquer outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito ou que ora cumpra conhecer.

Nos termos do artigo 286º do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Assim, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia - artigo 308° do Código de Processo Penal.

Só podem considerar-se suficientes os indícios quando deles resulta uma possibilidade razoável de condenação do arguido numa pena ou medida de segurança - artigo 283° do Código de Processo Penal.

Ponderada e compulsada toda a prova produzida, verifica-se que a prova testemunhal produzida na instrução a requerimento do arguido veio confirmar e justificar, indiciariamente, os factos essenciais alegados no requerimento de abertura de instrução, nomeadamente nos artigos 18° a 21°, a fls. 243, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Não há dúvida que o arguido não cumpriu integralmente o contrato de concessão de incentivos, mas já se nos afigura insuficientemente indiciado, e insusceptível de provar em julgamento, que o referido incumprimento tenha sido deliberado no momento em que o arguido recebeu a comparticipação financeira de Esc. 7.337.200$00, montante que indiciariamente utilizou para a compra do equipamento destinado ao projectado centro de cópias.

É verdade que o projecto apresentado pelo arguido se destinava, também, à criação de postos de trabalho, cfr. o objectivo principal do regime de incentivos às microempresas, nos termos do artigo 2°, a) do respectivo regulamento, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n. ° 154/96, de 17/09, como aliás o revela o Anexo II do...

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