Acórdão nº 578/06.5TYVNG-A,.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução09 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 326 FLS 207.

Área Temática: .

Legislação Nacional: ARTºS 186º E 188º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS.

Sumário: I - À luz das normas dos arts. 186º, n.° 1, e 188º, n.° 2, do CIRE, só os administradores ou gerentes que contribuíram efectivamente e de modo relevante para a situação de insolvência que se verifica é que podem ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa.

II - A presunção prevista no n.° 3 do art. 186º do CIRE, apenas faz presumir a existência de culpa grave em relação à insolvência, mas é por si só insuficiente para qualificar a insolvência como culposa, porquanto, face aos requisitos exigidos pelo n.° 1 do mesmo artigo, é ainda necessário demonstrar que o incumprimento que a lei presume gravemente culposo foi causa da criação ou de agravamento da situação de insolvência.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 578/06.5TYVNG-A.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 17-06-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. Nos autos de incidente de qualificação da insolvência da sociedade B………., LDA, instaurados por apenso ao proc. n.º 578/06.5TYVNG que correu termos pelo ..º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, foi proferida sentença, a fls. 78 a 83, que considerou verificada a presunção de culpa grave estabelecida na al. a) do n.º 3 do art. 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), relativamente ao sócio-gerente da insolvente C………., e decidiu: 1) decretar a inabilitação do referido C………. pelo período de 2 anos; 2) decretar a inibição do mesmo C………. para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titulares de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por igual período; 3) nomear para curador do inabilitado, nos termos do art. 190.º do CIRE, a Sra. D. D………. .

Não se conformando com essa decisão, o referido C………. apelou para esta Relação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: 1.ª - O presente recurso vai interposto da douta sentença dada em 27/10/2008.

  1. - Até 14 de Junho de 2005, a gerência da sociedade insolvente era exercida pelo recorrente e pela sócia E………., pelo que não pode o recorrente deixar de manifestar a sua estupefacção por a sentença recorrida apenas o afectar a ele pessoalmente e não à sócia-gerente E………. .

  2. - A Senhora Administradora da Massa Insolvente, no seu parecer elaborado nos termos no n.º 2 do art. 188.º do CIRE, pronunciou-se pela natureza fortuita da insolvência, tendo inclusivamente sublinhado que «a insolvente, tratando-se de pessoa colectiva, incumbia-lhe, nos termos do C.I.R.E., requerer a sua própria insolvência, o que se verificou».

  3. - Tendo em consideração o depoimento da testemunha única G………., tratando-se de factos que poderão assumir relevância no âmbito do presente incidente de qualificação da insolvência, e não tendo a sentença recorrida atendido aos mesmos, deverão ser aditados à matéria de facto assente os seguintes novos factos: - até 2006 a sociedade insolvente estava a funcionar, tendo sido realizado em Maio de 2006 o último pagamento ao Estado; - o volume de negócios começou a diminuir em 2001, embora a empresa continuasse a cumprir com os seus fornecedores; - a dificuldade sentida resultava de os clientes da insolvente pagarem com cheques que raramente tinham boa cobrança da data dos seus vencimentos, sendo muitas vezes trocados por novos cheques com datas de vencimento a 180 ou 360 dias da data inicialmente acordada; - o recorrente deixou de receber o seu vencimento por alturas de 2003/2004; - a insolvente foi realizando acordos de pagamento com os seus fornecedores, tendo-os cumprido até 2006; - a insolvente cessou por mútuo acordo os contratos que tinha com os seus colaboradores tendo-lhes pago integralmente as indemnizações devidas; - a insolvente transferiu o seu estabelecimento comercial para outro local, cuja renda era inferior; - a insolvente sempre cumpriu as suas obrigações com a Fazenda Nacional e com a Segurança Nacional, nada tendo ficado a dever a estas duas entidades; - a insolvente vendeu dois veículos para pagar os seus impostos; - entre 2004 e 2005 a empresa estava a recuperar financeiramente até que em 2006 o banco cancelou o financiamento à insolvente.

  4. - a insolvente continuou até Maio de 2006 a funcionar, tentando cumprir as suas obrigações, como aliás aconteceu com os seus colaboradores, com a Fazenda Nacional e com a Segurança Social, a quem tudo pagou, encontrando-se, inclusivamente a insolvente a recuperar financeiramente durante o ano de 2005, sendo que os últimos pagamentos a fornecedores ocorreram em Março de 2006 e o último pagamento ao Estado, verificou-se em Maio de 2006.

  5. - Mesmo que o passivo da sociedade seja manifestamente superior ao activo, não está aquela obrigada a apresentar-se à insolvência se, apesar da sua situação deficitária, continua a cumprir a generalidade das suas obrigações – vide doutrina citada a pág. 12 supra.

  6. - Não estava, por essa razão, a sociedade B………., Lda. obrigada a se apresentar à insolvência em 2005 porquanto, embora com sérias dificuldades económicas, ainda se encontrava em funcionamento, tendo realizado diversos acordos de pagamento com os seus fornecedores, os quais nessa data vinham sendo cumpridos.

  7. - A situação de insolvência ocorre quando o devedor se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas – cfr. art. 3.º n.º 1 do CIRE – não existindo no processo elementos factuais que permitam situar em 2005 o conhecimento, ou a obrigação de conhecimento, da situação de insolvência por parte da sociedade B………., Lda.

  8. - É em 29/05/2006 – data da assembleia geral destinada a proceder à analise, discussão, e votação do relatório de Gestão, Balanço e contas relativas ao ano de 2005 – que se torna possível situar no tempo o conhecimento da situação de insolvência da sociedade B………., Lda.

  9. - Nos termos do art. 279.º do Cód. Civil o prazo de 60 dias após a realização da referida assembleia geral terminou no dia 31/07/2006, data na qual a sociedade B………., Lda, apresentou-se à insolvência.

  10. - Vale dizer, a insolvente requereu a declaração da sua insolvência dentro do prazo previsto no n.º 1 do art. 18.º do C.I.R.E., cumprindo, assim, a obrigação estatuída nesta disposição legal, sendo que a sentença recorrida não determinou, sequer, o dies a quo para o decurso do prazo de 60 dias previsto no art. 18.º do CIRE, pelo que se fica sem saber, na óptica da sentença recorrida, a partir de que momento deveria a sociedade B………., Lda, apresentar-se à insolvência.

  11. - Destarte, resulta não se encontrar in casu preenchida a previsão da alínea a) do n.º 3 do art. 186.º do CIRE, não podendo, em consequência a insolvência ser qualificada como culposa, por se encontrar ilidida a presunção constante do n.º 3 do art. 186.º do CIRE.

  12. - Ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que da norma do art. 186.º n.º 1 do CIRE, resulta claramente que para a insolvência ser qualificada como culposa é necessário que seja a actuação (ou omissão) que se qualificou como dolosa ou com culpa grave do devedor, a concorrer, intercedendo, em termos de causalidade, na criação ou agravamento da situação de insolvência – vide jurisprudência citada a págs. 18 a 21.

  13. - No caso sob análise, não se verificaram os requisitos da insolvência culposa, pois da factualidade apurada não é possível determinar em que medida a não apresentação à insolvência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT